sábado, 9 de janeiro de 2010

O pequeno monstro bipolar de Buenos Aires


Segundo Jorge Luis Borges, a poesia contemporânea na Argentina não existiria sem Alejandra Pizarnik, ou seria uma poesia diferente, resumindo-se a falar de recantos, praças, vacas, ranchos e mate. Guardado qualquer exagero no depoimento do autor de Ficções e O Aleph e as diferenças fundamentais entre as autoras, Pizarnik está para a poesia argentina como estão Ana Cristina César, Adélia Prado ou Hilda Hilst para a brasileira.

Filha de imigrantes russos, Flora Alejandra Pizarnik nasceu em Avellaneda, província de Buenos Aires, no dia 29 de abril de 1936. Os pais (os Pozharnik), judeus da província de Rovne, na Europa Oriental, chamavam-na Buma (“flor” em iídiche).

Em Buenos Aires, após concluir os estudos secundários, frequenta a Faculdade de Filosofia e Letras, a Faculdade de Jornalismo da Universidade de Buenos Aires e as aulas de pintura do surrealista Juan Battle Planas, que irá influenciar a forma como a poeta irá distribuir o texto sobre a página em branco.

Aos 19 anos, em 1955, Alejandra publica seu primeiro livro, La tierra más ajena. Em 1956, surge La ultima inocência e, em 1958, Las aventuras perdidas. Os primeiros rebentos, ainda na Argentina, são influenciados pela obra dos franceses Nerval, Baudelaire, Rimbaud e Lautremont.
Em Paris, com Cortázar

Em 1961, decide emular a experiência dos autores argentinos de gerações anteriores e viaja para a França, onde vive até 1964. Em Paris, torna-se amiga do escritor mexicano Octavio Paz e do conterrâneo Julio Cortázar – de quem quase perde os originais de O jogo da amarelinha –, estuda literatura francesa em Sourbonne, trabalha para algumas editoras traduzindo Antonin Artaud, Henri Michaux e Aimé Cesairé, além de publicar poemas e críticas em alguns jornais e revistas, como as célebres Cuadernos e Sur.
Em 1962, publica Árbol de Diana, poema formado por 38 partes. O livro sai em Buenos Aires pela editora Sur, digirida pela escritora argentina Victoria Ocampo, contando com prefácio de Octavio Paz e poemas dedicados a Aurora Bernardez e Julio Cortázar, Laure Bataillon, Ester Singer, Enrique Molina e para ilustrações de Paul Klee e Goya.

De volta a Buenos Aires, Alejandra sente-se enjaulada e passa a transitar entre a depressão, a loucura e a total alienação. Ainda publica três de seus principais volumes: Los trabajos y las noches (1965, ganhador do prêmio Fondo Nacional de las Artes, e do Primer Premio de la Municipalidad de Buenos Aires), Extracción de la piedra de locura (1968, que sinaliza os primeiros sinais do esgotamento psíquico da poeta) e El infierno musical (1971), além da prosa La condesa sangrienta (também em 1971).
Em 1969 recebe uma bolsa da Fundação Guggenheim e viaja para Nova Iorque e novamente para Paris.

O trabalho permite que Alejandra exorcize fantasmas. “Nunca estive melhor, apesar (ou precisamente porque sofro) de meus sofrimentos tão intensos e ativos que me impedem de fazer o menor gesto. Perdoa-me, por favor, meu linguajar abstrato e, por acréscimo, pouco conciso. Apenas te peço que me esperes e que jamais pense que meu silêncio é originário de uma desatenção ou de um tratamento frívolo desse vínculo incomparável que chamam amizade”, escreve em carta para um amigo.

Na volta, será internada várias vezes, por breves períodos, em sanatórios, até a sua morte. No dia 25 de setembro de 1972, enquanto passava um fim de semana fora da clínica psiquiátrica onde estava internada, Pizarnik morre após uma overdose de barbitúricos. Está enterrada no cemitério de La Tablada, em Buenos Aires.
Ecos do subconsciente

Quem conviveu com Alejandra lembra que, apesar da proximidade com os grupos de vanguarda, Pizarnik era uma ilha solitária no ambiente literário, uma personalidade aparentemente desprendida da vida social, atenta apenas aos próprios ecos de seu subconsciente, marcada pelo estigma de uma tremenda lucidez e, do ponto de vista literário, dona de um notável e notório rigor estilístico. Lenda, mito, um pequeno monstro bipolar bonaerense que viveu e escreveu no limite da vida, da razão e da linguagem, assim a descreve o crítico literário cubano e professor de literatura comparada na universidade de Yale, Roberto González Echevarria.

Segundo Echevarria, Pizarnik quis o tempo todo romper com a tradição da escrita feminina floreada de sentimentalismo, de ternura fácil, de abnegação, de castidade e doçura. Como Rimbaud, entregou-se às sensações, ao experimento, à perdição. Durante toda a vida declarou que o ideal seria fazer versos com cada minuto do seu viver. Era cruel, escrevia e vivia como que possuída, avançando por territórios, zonas proibidas, através do violento exercício da linguagem. Para Alejandra, que gostava de rock e era apaixonada por Janis Joplin (a quem dedicou um poema), a poesia era um destino, nunca uma profissão.
“Posto que não há inferno, certamente estarás ali/
último hotel, último sonho,/
passageira obstinada./
Sem malas ou documentos,/
dando por óbolo um caderno /
 ou um lápis de cor. /Aceita-o, barqueiro: ninguém pagou mais caro /
 o ingresso ao jardim onde Alice a esperava”,
escreveu Cortázar, quando soube de sua morte, em seu segundo poema dedicado a Alejandra (o primeiro foi Aquí, Alejandra).

Reportagem de Cassiano Viana
Fonte Jornal do Brasil online, 09/01/2010

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