domingo, 3 de janeiro de 2010

A pressa do tempo

Marcelo Gleiser*



A assimetria na qual o presente vira passado
 é a marca do cosmo
 e da vida

O ano de 2009 passou. Para mim ao menos e, imagino, para muitos leitores, passou rápido demais. Aconteceram tantas coisas nesse ano quanto nos outros -talvez um pouco mais ou um pouco menos-, mas a percepção que temos é de que foi tudo mais rápido, que o tempo parece estar com pressa, atrasado para chegar a algum lugar.

Volta e meia, alguém me escreve perguntando se o tempo pode passar mais rápido. A questão é interessante, já que envolve nossa percepção do tempo psicológico e como ela difere da representação do tempo físico.

O tempo é uma medida de mudança. Se nada ocorre, o tempo se faz desnecessário. Portanto, no plano pessoal, percebemos a passagem do tempo nas mudanças que ocorrem à nossa volta e na nossa pessoa. O que torna a discussão interessante é que a "percepção" da passagem do tempo não precisa ser através dos cinco sentidos, como é o caso de outras percepções. Por exemplo, podemos determinar se algo está quente ou frio, perto ou longe, claro ou escuro, barulhento ou quieto, doce ou salgado, usando os nossos sentidos. Mas se nos isolássemos completamente, de modo a bloquear qualquer tipo de sensação sensorial de fora para dentro, ainda poderíamos perceber a passagem do tempo através dos nossos pensamentos. Na nossa cabeça, o tempo nunca para.


Dizem que a geometria veio das medidas de distância e os números vieram da passagem do tempo. Sendo assim, a percepção do tempo é ligada  à passagem: existe uma ordenação de eventos, coisas que acontecem uma após as outras. Os números nos ajudam a contá-las e à pô-las em ordem. Mas, para que seja possível ordenar eventos -o que vem antes de quê- precisamos lembrar o que ocorreu.

Logo, a percepção do tempo depende fundamentalmente da memória. Se nossas memórias desaparecessem por completo, nossa percepção da passagem do tempo se transformaria: voltaríamos a ser como bebês, e cada dia seria imensamente longo, cheio de memórias sendo acumuladas, baseadas nas tantas novidades que a vida oferece. Quanto mais temos para descobrir, mais memórias para criar, mais devagar o tempo passa. Na verdade, o tempo passa sempre do mesmo jeito, segundo após segundo. Mas nossa percepção dessa passagem depende do nível de envolvimento que nosso cérebro tem com a experiência que estamos tendo. A relatividade psicológica da passagem do tempo depende de quão nova a experiência é. Rotinas, a falta de novidade, faz com que o tempo acelere.

Na física a situação é diferente. O tempo é uma quantidade fundamental, que não pode ser definida em termos de outra quantidade. Um segundo, a unidade universal de tempo para a humanidade, é definido como sendo 9.192.631.770 oscilações entre dois níveis do átomo de césio-133. Bem diferente do tique-taque dos relógios mecânicos, que não são muito confiáveis. Einstein, explicando a relatividade de forma coloquial, disse uma vez que se estamos ao lado de uma bela garota, uma hora passa em um segundo; se pomos a mão no fogão quente, um segundo parece ser uma hora.

Vemos a passagem do tempo se manifestando nos céus a cada dia, dada a periodicidade dos fenômenos astronômicos. A expansão do Universo, quem vem ocorrendo há 13,7 bilhões de anos, mostra que mesmo no nível cósmico existe uma direção bem definida de tempo, do passado ao futuro. Essa assimetria do tempo, na qual o presente vira passado e o futuro vira presente, é a marca do cosmo e da vida. Se quisermos desacelerar sua passagem, é bom criarmos experiências novas. Por exemplo, aprender a tocar um instrumento ou estudar física.
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*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo".
FONTE: FOLHA online - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0301201004.htm

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