sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

2013 e um passo atrás

 CECÍLIO ELIAS NETTO*
Não haverá quem possa me chamar de pessimista. Nem de otimista. Carrego, dentro de mim, algo que me parece da sabedoria de Gramsci: esperança no coração, ceticismo na razão. Isso me leva a acreditar, cada vez mais, no eterno retorno. Que não é retrocesso, mas retomada do que foi perdido. Não há outra saída quando se está diante da derrocada e da decadência: retornar ao princípio esquecido. Ou propositalmente escondido.
Já há alguns anos, não costumo mais desejar — nem a filhos, amigos, irmãos — felicidade e paz para cada ano que surge. Apenas lhes digo que cada um tenha aquilo que merece. Desejo-o, também, a mim mesmo. Se mal semeei, mal colherei. Se bem espalhei, bem receberei. Para a vida, também vale a terceira lei de Newton, da ação e reação: “Toda ação provoca uma reação igual mas em sentido contrário.” Isso, com sabedoria espiritual — que é a mais verdadeira — já havia sido entendido por Francisco de Assis: “É dando que se recebe.” E, finalmente, sabido e conhecido do e pelo povo: “Quem semeia ventos colhe tempestades.”

No Renascimento — um dos mais belos momentos da humanidade — houve a consciência de o único caminho de renovação radical da vida pessoal e social do ser humano estar no retorno aos princípios. E estes, na realidade, nada mais são do que raízes. Observemos as árvores: com raízes fortemente fincadas no chão, elas resistem a todos os temporais. Vergam, mas não caem. Raízes frágeis, porém, a nada sustentam, como se apenas servissem para revelar a superfície, a epiderme — que podem ser até belas, mas frágeis.

Neste final de ano, não quero desejar a ninguém nem mesmo que cada qual tenha o que merece. Pois tenho medo de estar desejando o pior. Pois, se refletirmos com seriedade e honesta convicção, concluiremos que nada nos irá esperar senão a mesma perplexidade, as mesmas angústias, medos e inseguranças vividos até aqui. Estamos vivendo para quê, por quê? Esse estouro da manada humana tem-nos levado a quais satisfações realmente dignas do dom da vida? É uma guerra para sobreviver e não a luta decente pelo direito de viver. Viver é participar do concerto universal, com seus ritmos, plenitudes, deslumbramentos, descobertas, sustos, alegrias, dores e conhecimento. Viver é ser. Ter é, apenas, parte disso.

No século 19, um dos mais brilhantes estadistas do mundo — o primeiro ministro Benjamin Disraeli — deixou-nos um pensamento-síntese: “A vida é muito curta para ser pequena.” Reduzir a vida a esse consumismo desenfreado, a apegos desvairados a bens materiais — muitos deles quase sempre inúteis — é não ter consciência da finitude de nós mesmos. E, portanto, apequenar a bem-aventurança de viver. Cabe, pois, a cada um descobrir, por si mesmo, qual sentido tem dado ao milagre da vida.

Neste início de século, tem prevalecido a razão científica, o poder da ciência. Ela se dedica — e de maneira verdadeiramente espetacular — aos “comos” da vida: como isso funciona, como aquilo começou, como se pode fazer? Mas há outros caminhos: o das artes, da filosofia, da religião. Estes são ainda mais instigantes, mais inquietantes, pois buscam os “porquês”. Ora, convenhamos: vivemos um tempo de conhecer muitos “comos” e de não mais nos preocuparmos com os “porquês”. E são estes que dão o verdadeiro sentido da vida: a reflexão, a espiritualidade, a verdadeira dimensão humana, os princípios humanísticos de convivência, fraternidade, agradecimento, compaixão.

Há um símbolo que me acompanha permanentemente e sobre o qual sempre reflito: a encruzilhada. É um espaço ao mesmo tempo misterioso, decisivo e de perigos. Numa encruzilhada, o homem fica em sua mais completa solidão. Para onde ir: em frente, à direita, à esquerda, retornar? É um cruzamento de caminhos que exige, do caminhante, a reflexão e, em seguida, a capacidade de decidir. De sua escolha, dependerá o destino a que chegará.

Nas admiráveis conquistas do mundo atual, as transformações deixam poeira e ruínas. Estamos numa transição que, na realidade, é uma encruzilhada. Os “comos” da vida, já os estamos conhecendo e realizando. Os “porquês”, no entanto, são cada vez mais angustiantes. Nessa encruzilhada, eu me nego a ir para frente. E me recuso a escapar por atalhos, à direita ou à esquerda. Sinto, dentro de mim, a necessidade imperiosa e imperativa de dar um passo atrás, de fazer um retorno. Em busca, pelo menos, da lembrança de render graças pela explosão de belezas da vida. Nesse retorno, sou esperançoso de reencontrar a humanização esquecida. Com um passo atrás, sei que 2013 será antecipadamente visto e esperado com outros olhos. Os da alegria. Por que não tentar?
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* Colunista do Correio Popular
Fonte: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2012/12/colunistas/cecilio/
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