Marcelo Gleiser*
Como pessoas inteligentes creem numa besteira dessas, após centenas de profecias apocalípticas na história?
SEGUNDO AS profecias que andam aterrorizando uma boa fração da população
mundial, esta será minha última coluna. Sexta-feira, dia 21, o mundo
acaba. Venho recebendo dezenas de mensagens de pessoas visivelmente
preocupadas, achando que desta vez é pra valer, que não temos como
escapar.
Leitores, podem se acalmar. Garanto que sexta-feira, dia 21, será apenas
mais um solstício de verão, o dia mais longo do ano. No sábado de
manhã, você estará tomando seu café tranquilamente, com um sorriso nos
lábios, convencido de que essa história de profecia de fim de mundo é
mesmo uma bobagem. Tudo será devidamente esquecido e a vida continuará
como antes. Pelo menos, até a próxima profecia.
No caso dessa, o calendário maia recomeça a cada 13 "baktuns", e cada
ciclo tem 5.126 anos. O calendário maia foi iniciado no dia 13 de agosto
de 3114 a.C. É apenas o fim de um ciclo e o começo de outro, típico de
culturas que acreditam num tempo circular, ao oposto da nossa, na qual o
tempo é linear, com apenas um começo e um fim.
Nenhum tablete de barro ou papiro misterioso prevê o fim do mundo. Ao
contrário, os pouquíssimos documentos que sobreviveram à dilapidação
tropical e ao fanatismo dos padres espanhóis, que queimaram tudo o que
encontraram, não oferecem qualquer indicação de fim de mundo.
O mesmo ocorre com a ciência. Várias causas foram oferecidas para
provocar o fim: a reversão dos polos magnéticos da Terra, a colisão com
um asteroide, instabilidade solar, o planeta Nibiru, alinhamento
galáctico etc. A Nasa preparou respostas para todas essas "ameaças" em
seu portal e em um vídeo. (Se você entende inglês, eis o link do video: http://www.youtube.com/watch?v=QY_Gc1bF8ds)
A história do planeta Nibiru, por exemplo, foi inventada pela médium
americana Nancy Lieder, que diz ter um implante na cabeça que permite a
ela se comunicar com alienígenas do sistema planetário Zeta Reticuli, a
39 anos-luz de distância.
Como milhões de pessoas inteligentes acreditam numa besteira dessas e se
esquecem de que o mundo ainda não acabou, mesmo após centenas de
profecias apocalípticas no decorrer da história?
Entre outras coisas, o medo do fim do mundo reflete nosso medo de perder
o controle da vida, do nosso destino. Reflete o medo ancestral,
encravado em nossa memória coletiva e reconfirmado todos os anos em
dezenas de desastres cataclísmicos, de que a natureza é muito mais
poderosa do que nós e tem o poder de nos aniquilar a qualquer instante.
Se nos séculos passados o fim do mundo refletia a ira divina ou a
chegada da ressurreição, hoje, com os avanços da ciência, as causas são
fenômenos cósmicos devastadores. Mas, como explico em meu livro "O Fim
da Terra e do Céu", a simbologia é sempre a mesma: o fim vindo dos céus,
sem que possamos nos defender, vítimas de nossos pecados ou de nossa
fragilidade.
Mas não precisa ser assim. Temos um poder enorme para nos defender de
medos ancestrais e infundados: a razão. Nossa compreensão da natureza
não nos traz apenas celulares e DVDs mas também a certeza de que o
conhecimento é a melhor forma de liberdade.
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* MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/84111-medo-do-fim.shtml
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