sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Murakami ousa ainda mais

Bloomberg / Bloomberg
Haruki Murakami não é um escritor de livros curtos. Seus romances têm mais a ver com as longas corridas a que ele está acostumado desde os 30 anos (nasceu em 1949). Murakami corre todo dia, e o livro "Do Que Estou Falando Quando Falo de Corrida", um dos mais curtos que ele já escreveu, é uma memória que fala tanto do fôlego necessário para as maratonas quanto para os romances. Este "1Q84" é a sua obra mais ambiciosa, em todos os sentidos. São cerca de mil páginas distribuídas em três volumes, e o "Livro 1" é este que acaba de sair. Os restantes estão prometidos para maio e novembro do ano que vem.

Em "1Q84" (uma alusão ao clássico "1984", de George Orwell, em que o número nove, em japonês, é o "kyu", o som da letra "Q" em inglês), Murakami exercita o melhor do seu estilo, movido pela vivacidade e pelo ritmo. Quem pega um de seus romances dificilmente larga, e não é diferente com "1Q84". O escritor tem a paciência dos corredores de maratona: ele vai estendendo os temas e os detalhes com uma calma absoluta. No caso, duas histórias correm em paralelo, para só se encontrar lá na frente. Ambas dão origem a outras histórias menores, e assim por diante. No fim, o novelo se ajusta e mostra toda a sua inteireza. Murakami consegue ao mesmo tempo entrar nos detalhes e esconder o essencial.

Aomame é uma matadora de aluguel, e suas vítimas são assassinos de mulheres. Embora a história se passe em 1984, ela entra em outra dimensão logo no começo do livro, ao fugir de um congestionamento por uma saída na rodovia. Tengo é um aspirante a escritor que aceita a missão de reescrever um livro muito promissor, mas escrito por uma autora disléxica, chamado "Crisálida de Ar". Por meio dessas histórias paralelas, Murakami vai usando os elementos que costumam pesar nos seus livros: sexo, solidão, música (pop e jazz), gatos, ficção científica etc. Ele tem o dom raro de escrever cenas de sexo que não são risíveis. Ao mesmo tempo, caminha perigosamente na corda bamba dos clichês. Suas metáforas são bastante sem graça, ou melhor, são tão banais que não chamam a atenção.

Talvez o segredo do sucesso esteja aí, no uso dos atributos medianos da linguagem para ressaltar a imaginação dos enredos. E eles são muito imaginativos. Murakami utiliza o receituário do realismo mágico latino-americano e do surrealismo francês com uma espécie de economia zen. No final das contas, o leitor se vê enredado, curioso para saber o que virá a seguir. No mundo em que vivemos, que parece amar a realidade e desprezar a ficção, os livros de Murakami, com seus altos e baixos narrativos, consegue tocar o coração dos leitores mais jovens com uma força surpreendente. O escritor já disse que seus romances tendem a vender mais em tempos de crise.
É o que vem ocorrendo com "1Q84" desde 2009. Sendo uma lição de irrealidade do tipo "Harry Potter", o livro atrai fãs ensandecidos a cada país onde é lançado (mesmo no Brasil, antes do lançamento, já havia fila nas livrarias para comprar a tradução inglesa). Leitor voraz, ex-dono de clube de jazz, maratonista, escritor tardio (começou aos 30 anos), tradutor de Scott Fitzgerald e Raymond Carver, entre muitos, Murakami continua sendo figura marcada das apostas para o Nobel. Pop, gostando de escrever e remando contra a maré da literatura japonesa padrão, seria incrível que levasse o prêmio. Milhões de leitores no mundo todo - e muitos apresentados a ele por "1Q84" - vibrariam.

"1Q84 - Livro I"

Haruki Murakami Trad.: Lica Hashimoto Alfaguara, 432 págs., R$ 49,90 
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Reportagem  Por Cadão Volpato | De São Paulo
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http://www.valor.com.br/cultura/2939938/murakami-ousa-ainda-mais#ixzz2F3iEM1J9

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