Maria Clara Lucchetti Bingemer *
Difícil a inspiração ao pensar no novo ano que por aí vem. Difícil
porque se termina em geral o ano com o cansaço acumulado de tudo o que
foi vivido, trabalhado, sofrido e frustrado, defraudado, perdido. E, no
entanto, é preciso tentar animar-se, reerguer-se, preparar-se. Pois
dentro de poucos dias ele estará aí... 2013, um ano a mais. E haverá
que vivê-lo.
E como vivê-lo sem esperança? Sem essa abertura de coração
para a surpresa que deve caracterizar todo fim de ano? Sem essa
expectativa de que tudo será melhor, como enfrentar a longa sucessão de
mais de 300 dias que se desdobra à nossa frente? Como acolhê-la,
saudá-la, beber champanha à sua chegada?
O fato é
que, como dizia o poeta maior, Carlos Drummond de Andrade,
“Não precisa
fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta.
Não precisa
chorar arrependido pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que, por decreto de esperança,
a partir de janeiro as coisas mudem e
seja tudo claridade,
recompensa, justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro,
tem de
merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente,
experimente, consciente. É dentro de você que
o Ano Novo cochila e
espera desde sempre”.
Pois então, vamos lá. Sigo o poeta
e penso: em lugar de esperar que aconteça, o que devo fazer para que o
ano seja novo? O que em mim tem que nascer, renascer, ser recriado para
que o ano tenha cheiro e gosto de manhã e não sabor murchado e dormido
de anteontem?
Creio que a primeira coisa é sacudir a poeira
dos hábitos e acomodações instalados em meu interior. Com a idade
vamos ficando ranzinzas, acostumados a certas coisas, horários,
atitudes, sequências...Tentarei deixar que os mais jovens – filhos,
netos, alunos – baguncem minha vida e meus esquemas. Que inventem e
reinventem horários, prioridades, posição dos móveis, ordem de alimentos,
programas. Deixar-se surpreender e passar o bastão de comando deve ser
bom. Agora é a vez de eles inventarem a vida. Quem sabe não a
inventam melhor do que eu?
Depois, em seguida, vem a
atenção à minha renovação particular. Já que o tempo passa e certo
declínio é inevitável, é bom no Novo Ano fazê-lo ao menos mais
trabalhoso. Renovar-se fisicamente, com atenção, carinho
e cuidado ao irmão corpo para que o mesmo não pife. Alimentá-lo
saudavelmente, movimentá-lo para que não chie com artrites e males
afins. Ou chie menos. Cuidar-se, respeitar os ritmos do corpo, ouvir
suas queixas e clamores. Para oferecer aos outros uma presença mais
tranquila e menos incômoda.
Em seguida, e não digna de
menos atenção, está a renovação interior, que anda muito descuidada e
negligenciada. O acúmulo de trabalho acaba sempre obstruindo veias e
artérias da integridade intelectual e sobretudo espiritual. O ativismo é
febril e chega a sufocar. No cansaço que marca este fim de ano, quem
sabe não tento no ano que vem discernir melhor os compromissos, separar
tempo em quantidade adequada para a leitura, a oração, o lazer. E,
assim, não atravessar madrugadas ou passar noites insones para dar conta
de tudo.
Renovar igualmente o cuidado com as relações. Refazer
laços antigos que por alguma razão afrouxaram ou ameaçam romper-se.
Cuidar com especial atenção dos novos amigos que ainda são plantas
frágeis no jardim da vida e merecem olhar mais profundo e comunicação
mais intensa. Incluir os distantes e os tristes, os sozinhos e os
abandonados, aqueles que não percebemos que foram se afastando porque
não podem mais participar das nossas circunstâncias por vários motivos:
falta de forças, de dinheiro, de tranquilidade...enfim todas as faltas
que cavam em nós abismos intransponíveis.
E se tudo isso não
conseguir ser feito, aportar ali onde sou sempre esperada e onde meus
tantos anos já tão vividos são sempre renovados por um amor que jamais
se desgasta, diminui ou envelhece. Em Deus, que é sempre novo e que a
cada manhã me desperta como um Pai, ou um noivo, ou um Amigo maior,
dizendo-me que a vida me espera e que sou sempre convidada a vivê-la
intensa e plenamente. Feliz 2013 para todos e todas!
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* Maria
Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da
PUC-Rio, é autora de 'Um rosto para Deus' (Ed. Paulus) entre outros
livros. - mhpal@terra.com.br - http:agape.usuarios.rdc.puc-rio.br
Fonte: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/12/27/o-que-esperar-ou-fazer-de-novo/
Imagem da Internet
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