Mesmo sem citar o Cadinho – porque já chega de Avenida Brasil – nossa colunista-filósofa joga uma luz naquilo que pode ser o futuro do casamento
Você está com a mesma mulher há anos. Você a ama, vocês têm
interesses parecidos, sentem amor e carinho um pelo outro, o sexo é
ótimo, você quer continuar com ela. Mas…
Às vezes, você sente atração por outras mulheres. Normal – não estou
falando nada de outro mundo, né? Nesse caso, você: a) reprime o desejo,
omitindo dela, e se masturba pensando na outra para acabar logo com o
pensamento; ou b) você cede ao desejo e transa com a outra, de novo,
omitindo tudo da sua.
E se você eliminasse as omissões e resolvesse: c) conversar com ela
sobre o desejo e realizá-lo sem culpa, com autorização dela, sem que
isso afetasse seu amor; ou d) incluir esse outro objeto do seu desejo em
algum momento na relação?
Você já pensou nessas duas últimas possibilidades ou em tantas outras que existem além do modelo de relação monogâmica que a gente vem repetindo cegamente desde o início do patriarcado?
Quando se fala em relações abertas ou em outras espécies de
relacionamentos que fogem do padrão que conhecemos como tradicional, a
maioria das pessoas pensa logo em alguma putaria ou alguma filosofia
hippie de amor livre dos anos 1970.
Raramente param para pensar na conexão disso com sua própria natureza
ou na lógica que pode existir nessas diferentes possibilidades. Porque
existem normas sociais que fazem parte de nossa vida por tanto tempo que
acabamos as confundindo com natureza humana. E daí esquecemos ou nem
cogitamos que poderíamos agir diferente. Mas podemos.
Tenho percebido ao meu redor cada vez mais pessoas buscando suas
próprias formas de se relacionar. Num período de três meses ouvi de
alguns amigos de turmas diferentes que eles estavam tendo relações
abertas, ou seja, relações nas quais eles e suas parceiras podiam ficar
com quem quisessem, sem dramas.
Um amigo escritor me contou que sempre havia mantido ilusões
românticas que eram sustentadas pelo fato de ele nunca ter tido uma
relação muito longa. Quando isso aconteceu, a tal relação longa, ele se
viu surpreso, naquele impasse que citei no início: ele ainda queria
estar com a mulher, mas desejava outras também “não num nível mais
profundo e emocional, mas num nível físico, fisiológico, animalesco,
até.” Depois de uma rápida separação que ele tomou coragem e propôs a
ideia de que eles ficassem juntos de novo, mas tentando um
relacionamento aberto. E ela topou. “Poder falar abertamente sobre essas
coisas, na verdade, acaba sendo até melhor do que poder fazê-las. E a
verdade é que fazemos muito pouco. Quando as pessoas ouvem falar de
relacionamento aberto já pensam num cenário de depravação, orgia e
promiscuidade sem fim, mas não é bem por aí. Fiquei 900% mais apaixonado
pela minha mulher”, disse ele.
O problema de viver sem contrato de fidelidade-padrão, claro, é o
ciúme. Mas talvez ele se dilua, deixe de ser aquele monstro embaixo da
cama que a gente só teme porque não tem coragem de olhar. E muito da
possessão que sentimos vem dessa ideia de amor romântico que nos vendem.
Deva Nishok, o fundador do centro tântrico Metamorfose, disse que tem
visto cada vez mais casais adeptos da abertura das relações. E explica
que esse tipo de proposta não é totalmente “livre”, mas tem regras que
cada casal cria. “Nas relações abertas, os contratos são acordados entre
as partes, determinando-se que há lealdade entre os parceiros,
independentemente da fidelidade. Não existe exclusividade no amor, mas
pode existir compromisso com o outro.”
Diz a filósofa Marcia Tiburi: “Só o amor livre é ético”. E o que é
exatamente o amor livre? “Não é simplesmente o relacionamento que,
vulgarmente, chamamos de aberto. Livre é todo amor em que o respeito à
alteridade do outro está em jogo. Fora isso, um casamento formal que
dure anos pode ser cheio de ódio e não de amor. Só o amor que conta com o
amor das partes, independentemente de quantas pessoas sejam, é ético.”
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