Montserrat Martinsz*
Tem frases que você não esquece por serem engraçadas, ou
surpreendentes, ou porque fazem pensar e formam a “coleção de frases”
pessoais de cada um. Lembro de uma de um dono de pousada em Natal,
empresário que fugiu do estresse paulistano para o Rio Grande do Norte.
Depois de se queixar que Natal era calma demais, contou que “agora quero
ler o maior mito do mundo”, revelando seu plano de ler a Bíblia como
uma peça de “curiosidade científica” para ele. Do ponto de vista ateu, a
história de Jesus é mesmo o mito maior, análoga aos estudados pelos
junguianos em obras como “O Poder do Mito”, de Joseph Campbell.
Outra frase que guardei, pela graça, é de meu filho quando tinha uns 9
anos e falava em Pokemóns, quando eu lhe disse que “isso não existe,
porque não brinca de dinossauros que pelo menos existiram?”. Foi quando o
Marcelo me lembrou que “ora, pai, as pessoas precisam de fantasia”.
Para Freud, Marx e outros taurinos céticos, religião é simplesmente
isso, uma necessidade humana de fantasia.
Aí entra a frase da Dercy Furtado, mãe do Jorge, de quem tive o
prazer de ouvir uma deliciosa história sobre sua relação de mãe cristã
com os filhos e filhas céticos. Uma das filhas psiquiatra inclusive,
para quem a Dercy disse uma vez, quando a filha lhe ligou à noite com o
carro estragado na estrada: – Agora reza pra Freud, reza!
Eu pessoalmente tive fases diferentes, oscilando entre décadas de
ateísmo, de agnosticismo e de cristianismo. A época de adolescência na
Pastoral Universitária foi a mais difícil para minha mãe, já que eu
entendia que Natal era noite de levar um mendigo da rua para a ceia com a
família em casa. A Medicina me tornou um cético em que minha Bíblia era
o Tratado de Medicina Interna. Levei décadas para descobrir o abismo
entre os livros e as realidades subjetivas das emoções humanas, que
influem tanto na saúde quanto os aspectos mais orgânicos.
Da história pessoal eclética resulta que não consigo ter preconceitos
contra ateus nem crentes e tenho de buscar empatia sobre as condições
em que se formaram esses ressentimentos para compreendê-los. A história
da Inquisição da Igreja Católica é como aquela frase do Mário Quintana,
“o passado não conhece seu lugar, ele está sempre presente”. O
autoritarismo que obriga a se submeter a falsas morais e gera vítimas de
preconceitos é brutal. Curiosamente, como a história dos primeiros
cristãos – os originais, que levavam mendigos para comer em casa mesmo –
que foram perseguidos até a morte. Ou da Marina Silva, que defende o
Estado laico mas é massacrada politicamente porque pessoalmente tem fé
evangélica.
Se você for ateu, tem para ler neste verão “A jornada do escritor”,
de Christopher Vogler, belíssima exposição sobre o mito do herói. Para
reviver os cristãos primitivos tem “Paulo e Estêvão” do Chico Xavier e
tem ainda “Os Mensageiros”, do mesmo autor, se você for espiritualista.
---------------------------
* Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2012/12/21/historias-de-natal-artigo-de-montserrat-martins/
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário