Jorge Furtado*
O desejo do comunicador Tatata Pimentel, manifestado em sua última entrevista, é comentado pelo cineasta Jorge Furtado, organizador da coletânea “Sonetos de Shakespeare – Faça Você Mesmo”
Tatata
Pimentel era culto, preciso, rápido e muito bem humorado. Encontrá-lo
era diversão garantida. Era um grande conhecedor de arte e literatura,
formado na tradição francesa, mas também ligado na cultura brasileira,
na música e no cinema americano, enfim, em tudo que há de bom. Morreu de
repente, no dia 24 de outubro, deixando um projeto interrompido: nos
últimos tempos, Tatata dizia que estudaria Shakespeare, uma paixão
recente, até morrer. Acho que isso diz muito sobre ele.
Sobre curiosidade, generosidade de divulgar o que gostava (delicadeza cada vez mais rara), mais do que criticar o que não gostava (chatice cada vez mais comum). E por fim, mas não menos importante, sobre o talento de ter bom gosto.
“Eu não gosto de bom gosto, eu gosto dos que ardem”, diz a belíssima letra de Adriana Calcanhoto. Pois eu acho que gostar do que é bom, como da poesia e da música da Adriana, é um talento, que se aprende, se ensina, se cultiva, se aprimora, mas que, pelo menos em parte, é um talento inato. É claro que há coisas admiráveis cuja qualidade grita até aos mais tansos, Aleijadinho, Beatles, Cartola ou Mozart, mas há belezas que, para serem reconhecidas, precisam de atenção, algum preparo e, especialmente, nenhum preconceito, o maior inimigo das luzes.
Shakespeare foi duramente atacado pelos franceses, chamado de superficial, grosseiro, pornográfico. Voltaire, que era inteligente demais para não louvar a imaginação prodigiosa e o talento narrativo de Shakespeare, abominava suas grosserias, suas piadas e trocadilhos. Suas misturas de tragédia e humor, seus encontros de príncipes com coveiros, suas mudanças bruscas de cenário e suas longas passagens de tempo durante as peças, eram inaceitáveis pelas regras do teatro clássico, barbeiragens de um inglês inculto e pretensioso. Shakespeare não teve formação acadêmica e aprendeu a fazer teatro de olho na bilheteria. Ganhou um bom dinheiro e morreu entre amigos, em sua cidade, diz a lenda que depois de uma noitada de boa comida e vinho. Ele produziu também a maior obra de um ser humano, em qualquer língua, mas seu primeiro objetivo era se divertir e pagar as contas.
Viver e morrer aprendendo, descobrindo novas paixões e compartilhando, entre amigos, suas descobertas – “Arte requer comunhão” –, é uma dádiva. Com a morte de Tatata Pimentel a cultura da cidade perdeu parte de sua graça.
Se teve tempo, Tatata pode ter chegado ao quarto ato de Cimbeline, Rei da Britânia.
Sobre curiosidade, generosidade de divulgar o que gostava (delicadeza cada vez mais rara), mais do que criticar o que não gostava (chatice cada vez mais comum). E por fim, mas não menos importante, sobre o talento de ter bom gosto.
“Eu não gosto de bom gosto, eu gosto dos que ardem”, diz a belíssima letra de Adriana Calcanhoto. Pois eu acho que gostar do que é bom, como da poesia e da música da Adriana, é um talento, que se aprende, se ensina, se cultiva, se aprimora, mas que, pelo menos em parte, é um talento inato. É claro que há coisas admiráveis cuja qualidade grita até aos mais tansos, Aleijadinho, Beatles, Cartola ou Mozart, mas há belezas que, para serem reconhecidas, precisam de atenção, algum preparo e, especialmente, nenhum preconceito, o maior inimigo das luzes.
Shakespeare foi duramente atacado pelos franceses, chamado de superficial, grosseiro, pornográfico. Voltaire, que era inteligente demais para não louvar a imaginação prodigiosa e o talento narrativo de Shakespeare, abominava suas grosserias, suas piadas e trocadilhos. Suas misturas de tragédia e humor, seus encontros de príncipes com coveiros, suas mudanças bruscas de cenário e suas longas passagens de tempo durante as peças, eram inaceitáveis pelas regras do teatro clássico, barbeiragens de um inglês inculto e pretensioso. Shakespeare não teve formação acadêmica e aprendeu a fazer teatro de olho na bilheteria. Ganhou um bom dinheiro e morreu entre amigos, em sua cidade, diz a lenda que depois de uma noitada de boa comida e vinho. Ele produziu também a maior obra de um ser humano, em qualquer língua, mas seu primeiro objetivo era se divertir e pagar as contas.
Viver e morrer aprendendo, descobrindo novas paixões e compartilhando, entre amigos, suas descobertas – “Arte requer comunhão” –, é uma dádiva. Com a morte de Tatata Pimentel a cultura da cidade perdeu parte de sua graça.
Se teve tempo, Tatata pode ter chegado ao quarto ato de Cimbeline, Rei da Britânia.
(Cimbeline, IV, 2)
VERSÃO TRADUZIDAFoi-se o medo do sol de verão
Da neve ou do rigor do inverno
Terminaste no mundo a tua missão
Foste pago e tens abrigo eterno
Jovens te seguirão, não estarás só
Tudo que está vivo volta ao pó
Foi-se o medo da ira do patrão
Foi-se a dor e a tirania, enfim
Já não precisas de calçado ou pão
E o carvalho vale o mesmo que capim
O magnata, o cientista, o faraó
Todos te seguirão, de volta ao pó
Foi-se o medo do raio em noite escura
Das chuvas, do vento, do granizo
Foi-se o medo da calúnia, da censura
Estás acima dos gemidos e do riso
Nem dos amantes a morte tem dó
Também te seguirão, de volta ao pó
(tradução de Jorge Furtado)
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* JORGE FURTADO | Cineasta, escritor e tradutor
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/15/12/2012
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