Alexandre Barros*
O governo quer inovação, mas encarrega burocratas desse
mister. Inovação não é mais uma excentricidade, é um negócio complexo,
que exige agregação de cérebros. O Vale do Silício e a área de Boston,
nos EUA, são grandes centros de inovação porque muitas mentes juntas se
fertilizam mutuamente. Não é soma, é multiplicação.
Por que as pessoas inovam? Para resolver um problema delas ou para
ganhar dinheiro, ou ambos. Nisso o sistema de registro de patentes e
proteção de propriedade intelectual brasileiro está ultrapassado.
Currículos de escolas brasileiras tentam ensinar muitas matérias,
quase todas irrelevantes para as escolhas que os estudantes já fizeram
da estrada que vão seguir. Educação universal pode ser elegante, mas é
improdutiva.
O carro mais inovador da atualidade, o Tesla (homenagem ao gênio da
eletricidade) não está sendo desenvolvido em Detroit porque os cérebros
dessa cidade americana só sabem fazer mudanças incrementais nos carros
existentes. Foi criado no Vale do Silício. Elon Musk e seus cientistas
pensaram "do zero" num carro completamente novo: sem caixa de mudanças,
sem eixo de transmissão e totalmente elétrico. Lá isso foi possível
porque as cabeças estavam abertas para criar coisas novas.
As primeiras ideias de carros sem motorista eram de que eles
funcionassem em estradas, não em ruas urbanas. Mas isso demandava enorme
despesa em infraestrutura: instalar tiras magnéticas por baixo do
pavimento para "puxar" os carros na direção certa. Era incremental. Não
vingou.
Os carros sem motorista hoje não fazem nada por baixo, tudo é por
cima, comunicando-se com satélites e com outros carros. Tudo sem fio.
Onde? No Vale do Silício, financiado pela Google, que nós conhecemos das
buscas na internet.
Esses veículos já são legais no Estado de Nevada e em breve o serão
na Flórida e na Califórnia. Por lei, ainda precisam de um motorista "de
plantão" atrás do volante "para emergências". Como os contadores que
refaziam à mão todas as contas das calculadoras eletrônicas para terem
certeza que as máquinas as haviam feito certo.
Inovações enfrentam resistências. E ninguém é mais resistente que os
burocratas. Os governamentais são piores, mas os privados não ficam
atrás.
Um ex-diretor da IBM, pouco antes da crise que quase a levou à
falência, dizia que a empresa era "uma estatal privada que deu certo".
Aí... parou de dar. Chamaram um presidente "de fora". Sua tarefa: jogar
no lixo o entulho burocrático que não tinha mais função (Louis V.
Gerstner, Quem Disse que os Elefantes não Dançam?, Editora Campus). Mas a
IBM também tinha boas ideias. Jean Paul Jacob era um "olheiro"
científico. Passava a vida fuçando pesquisas que estavam sendo feitas em
inúmeras universidades para identificar o que era promissor e podia
virar produto lucrativo de sucesso. Se passassem no teste, os
pesquisadores receberiam auxílio da IBM. Em troca, uma fatia da renda
das patentes resultantes.
Aqui começam pela burocracia. O governo faz convênios para mandar
estudantes brasileiros para o que chamam de "bolsas-sanduíche". É o
protecionismo na produção intelectual: o aluno tem de fazer tudo do seu
mestrado ou doutorado no Brasil. Depois vai passar um ano numa
universidade estrangeira para "ganhar uma bênção", do tipo folheada a
ouro: por fora brilha, por dentro foi educado com todos os vícios da
universidade brasileira anti-inovadora.
Um ano não dá para formar a cabeça de ninguém. Como o(a) aluno(a) vai
ficar só um ano, não é tratado como alguém que está sendo formado
naquela instituição, e sim como quem está ali para receber uns enfeites
de retoque. Esse ano custa caro e rende pouco. Além disso, muitas
universidades estrangeiras enxergam esses estudantes estrangeiros "para a
bênção" como uma chuva de ouro: rendem muito (nosso dinheiro paga) e
não implicam nenhum compromisso. Depois sumirão no mundo e não haverá
ninguém para cobrar. E como não terão um diploma dessas instituições,
elas "não se queimam".
Peter Thiel, cofundador do PayPal e um dos principais financiadores
do Facebook, milionário várias vezes, olha as universidades americanas
com desconfiança. Criou uma fundação que financia universitários que se
pretendem criativos, com menos de 20 anos de idade, para largarem a
universidade e passarem dois anos desenvolvendo suas inovações sob a
supervisão não de professores, mas de empresários bem-sucedidos. Thiel
sabe que as universidades americanas também podem ser matadoras de
talentos. Acredita no "quem sabe faz, quem não sabe ensina".
Essa é a encruzilhada. Precisamos inovar. A presidenta apela para o
instinto animal dos empresários, mas encarrega de descobrir e criar
talentos animais burocráticos governamentais, que do instinto animal só
têm um pedaço: o da sobrevivência.
Tive um amigo nomeado ministro há muitos anos. Antes de assumir o
cargo ele fez uma reunião com os burocratas seniores do ministério e
convidou-me para assistir a um pedaço dela. Entrei e presenciei: em 15
minutos, 17 ideias inovadoras do ministro (não importa se sensatas ou
não) foram demolidas pelos burocratas profissionais. Nada podia. Tudo
contrariava alguma regra. O ministro, ainda não empossado, assumiu o
cargo já destroçado. Os burocratas sabiam que ele iria embora do
ministério antes de aprender o caminho para o banheiro. Os burocratas
ficariam.
A campeã de Prêmios Nobel de Economia é a Universidade de Chicago.
Como ela seleciona seus professores? Pelo potencial de ganhar um Prêmio
Nobel, ainda que em 20 ou 30 anos.
Neste artigo não pretendi ensinar como fazer inovação, mas apenas
chamar a atenção para alguns dos pontos que a impedem. Que sirvam de
alerta a quem quer inovar, de verdade.
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* CIENTISTA POLÍTICO (P.H.D. UNIVERSITY OF CHICAGO), É SÓCIO-GERENTE
DA EARLY WARNING: RISCO POLÍTICO E POLÍTICAS PÚBLICAS. EMAIL: ALEX@EAW.COM.BR
Fonte:http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,burocratas-carrascos-da-inovacao-,977993,0.htm
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