David Le Breton*
“O individualismo torna o fracasso pessoal intolerável. Assim, é
preciso converter-se em vítima e fazer justiça a si mesmo, já que o
Estado ou seus representantes são tidos como cúmplices. Por não poder
existir como sujeito, resta existir como opróbrio”
O massacre de Newtown
(Connecticut), cometido por um jovem adulto, e que resultou na morte de
26 pessoas, incluindo 20 crianças, faz pensar. As chacinas em escolas
são esporádicas na década de 1970. Assim, por exemplo, em 1979, em San
Diego, uma jovem de 16 anos abriu fogo da janela do seu quarto sobre uma
escola primária, matando dois adultos e ferindo oito crianças e um
policial. Mas a escola não passava de um alvo aleatório e nunca um aluno
havia sido morto. Os massacres começam a ter maior repercussão a partir
de meados da década de 1980 e alimentam em seguida a atualidade dos
anos 1990.
São adolescentes, às vezes ainda muito jovens, ou jovens adultos. E eles são sempre meninos. Os massacres em escolas são imprevisíveis e assombram as testemunhas e vítimas. A violência atinge imediatamente sua intensidade máxima e quer matar quase sem pensar, porque as vítimas são aqueles que se encontram neste momento ao alcance. Atualmente, os massacres em escolas se espalharam pelo mundo.
Alguns atacam primeiro os seus familiares, como para apagar todos os vestígios de suas origens, quebrar qualquer história pessoal na tentativa de apagar uma intolerável versão de si mesmo, e prosseguem em seu caminho aleatório matando sem distinção aqueles que estão no seu caminho, sabendo que eles, por sua vez, serão mortos pela polícia ou se matam. O contexto em si não explica nada, mas a sua relação com os fatos que se relacionam com uma história de vida e a singularidade de uma trajetória.
Mas ainda há uma lacuna entre o crime perpetrado e o jovem que o comete, uma parte sem explicação. O mesmo perfil, com antecedentes próximos, como, por exemplo, o assédio, o sentimento de rejeição, de insignificância, raramente conduz a tais atos.
Os adolescentes ou jovens adultos autores desses crimes veem-se profundamente desprezados pelos outros, razão pela qual pensam ser rejeitados. Eles ruminam um sentimento de ressentimento de não serem reconhecidos como gostariam, e discernem prontamente uma espécie de conspiração contra eles.
São adolescentes, às vezes ainda muito jovens, ou jovens adultos. E eles são sempre meninos. Os massacres em escolas são imprevisíveis e assombram as testemunhas e vítimas. A violência atinge imediatamente sua intensidade máxima e quer matar quase sem pensar, porque as vítimas são aqueles que se encontram neste momento ao alcance. Atualmente, os massacres em escolas se espalharam pelo mundo.
Alguns atacam primeiro os seus familiares, como para apagar todos os vestígios de suas origens, quebrar qualquer história pessoal na tentativa de apagar uma intolerável versão de si mesmo, e prosseguem em seu caminho aleatório matando sem distinção aqueles que estão no seu caminho, sabendo que eles, por sua vez, serão mortos pela polícia ou se matam. O contexto em si não explica nada, mas a sua relação com os fatos que se relacionam com uma história de vida e a singularidade de uma trajetória.
Mas ainda há uma lacuna entre o crime perpetrado e o jovem que o comete, uma parte sem explicação. O mesmo perfil, com antecedentes próximos, como, por exemplo, o assédio, o sentimento de rejeição, de insignificância, raramente conduz a tais atos.
Os adolescentes ou jovens adultos autores desses crimes veem-se profundamente desprezados pelos outros, razão pela qual pensam ser rejeitados. Eles ruminam um sentimento de ressentimento de não serem reconhecidos como gostariam, e discernem prontamente uma espécie de conspiração contra eles.
"A
crueldade é, em nossas sociedades,
uma paisagem regular, e não
excepcional.
Artigos jornalísticos ou de ficção banalizam o horror.
O
sofrimento, quando toca alguém outro
que não a si próprio, torna-se
atraente como espetáculo."
Eles se instalam em uma espécie de paranoia comum e na deploração de que são ignorados pelos outros ou de que não são benquistos. Eles são incapazes de se identificar com os outros, desprovidos de qualquer empatia. A raiva contida explode a partir de um detalhe e se espalha sem medida.
A crueldade é, em nossas sociedades, uma paisagem regular, e não excepcional. Artigos jornalísticos ou de ficção banalizam o horror. O sofrimento, quando toca alguém outro que não a si próprio, torna-se atraente como espetáculo. Porque está em toda parte, a crueldade não é mais visível. Além disso, o indivíduo hipermoderno não se sente mais pertencendo a um conjunto, ele se chafurda, às vezes, no sentimento de estar sozinho no mundo. E este processo de desvinculação é empurrado para um fim por meio dos massacres nas escolas.
Se um primeiro tempo do individualismo implicava um compromisso de estar consigo mesmo em seus negócios estando em ligação com os outros, hoje, trata-se antes de manter-se reservado. As exigências narcisistas têm precedência sobre o sentimento do laço e transformam o outro em um problema a ser resolvido.
Estes jovens assassinos não se sentem em casa em sua existência e o mundo parece a eles irrelevante e questionável diante da falta de atenção que recebem. Mas eles pretendem se suicidar levando consigo o maior número de seus semelhantes para fazê-los pagar por sua indiferença ou seu desprezo. Eles querem existir através de seu ato, mas também da dor de suas vítimas e de suas famílias. Eles querem forçar o reconhecimento daquilo que eles são, não através do encanto coletivo, mas do pavor que pretendem associar ao seu nome.
Eles também estão convictos de obter justiça e de serem os únicos a poderem fazê-lo. A morte não é aos seus olhos um acontecimento trágico e sem retorno, mas uma espécie de lugar sobrenatural, um promontório a partir de onde assistirão alegremente as consequências de seus atos. Os vídeos gravados ou seus diários testemunham a sua duplicação: eles se enxergam para além da morte, investidos de uma grande notoriedade.
Iluminados pelo seu sentimento de onipotência, já não veem a morte como um acontecimento trágico e irreversível, mas como um feito glorioso, cuidadosamente encenado. Dissolvendo-se na ação, eles vivem um momento intenso, arrancando-se da banalidade da vida cotidiana, impregnando-se da ideia de que a celebridade os espera. Finalmente, eles se reúnem e conjuram o trauma de seus fundamentos narcisistas deslizando alguns instantes na onipotência. Sabem que não há retorno da morte, mas em algum lugar, eles não estão certos por si próprios. “Logo – escreveu em seu diário de Dylan Klebold, um dos assassinos de Columbine, em abril de 1999 – nos vingaremos [da sociedade] e então poderemos existir num lugar atemporal, num lugar cheio de alegria e de felicidade”.
Ao realizar um ato tão impensável, sentem-se muito longe da lei comum. Qualquer transgressão é fonte de poder. Em vídeos guardados no porão das suas casas, Eric Harris, seu companheiro de chacina, se pergunta se alguém um dia fará um filme sobre sua vida e de Dylan. Eric diz que quer deixar uma impressão marcante sobre o mundo. Grande parte dos jovens assassinos em massa mata para “existir”, para atrair sobre si qualquer coisa de um mundo que escapa diante de seus esforços e necessita do choque de realidade, mesmo que isso signifique perder pouco tempo depois, a fim de se sentir vivo por um instante. “Estou farto, estou cheio desta vida que não tem nenhum sentido e que é sempre a mesma coisa. Todo mundo tira sarro de mim e ninguém reconhece meu potencial”, diz Tim Kretschmer, um adolescente que matou 15 pessoas em março de 2009 em um colégio de Winnenden, na Alemanha. “Eu quero que um dia todos me conheçam, eu quero ser famoso”, contou Robert Steinhaeuser a outro estudante, antes de partir para sua chacina, em abril de 2002, em uma escola de Erfurt (Alemanha).
O individualismo torna o fracasso pessoal intolerável. Assim, é preciso converter-se em vítima e fazer justiça a si mesmo, já que o Estado ou seus representantes são tidos como cúmplices. Por não poder existir como sujeito, resta existir como opróbrio.
*Escreve David Le Breton, em artigo publicado no jornal francês Le Monde, 18-12-2012. A tradução é do Cepat.
David Le Breton é professor de Sociologia na Universidade de Strasbourg e autor de, entre outros livros, En souffrance. Adolescence et entrée dans la vie (Métailié, 2007), Adeus ao Corpo (Ed. Papirus, 2003) e A Sociologia do Corpo (Ed. Vozes, 2010).
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/21/12/2012
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