terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Fé e saber

Vladimir Safatle*

Na semana passada, escrevi artigo criticando colocações de dom Odilo Pedro Scherer a respeito da submissão de uma universidade confessional ao quadro dos ditos valores católicos, com seus dogmas e preconceitos. 

Insisti que uma universidade não é simplesmente uma propriedade privada, mas uma autorização do Estado. 

É o Estado brasileiro que legitima o diploma dado por toda e qualquer universidade. Nada mais normal, então, que elas sigam injunções que o Estado democrático compreende como fundamentais para uma formação universitária adequada, como o respeito ao livre pensamento e ao desenvolvimento do senso crítico. 

Note-se que, em momento algum, disse que valores religiosos não devem ser objetos de debate e conhecimento no interior de uma universidade. 

Na verdade, disse que uma universidade não pode sub-meter sua liberdade de pesquisa e de crítica a conjunto algum de valores religiosos, muito menos de interesses ligados ao mercado ou a interesses do próprio Estado. 

Nossos alunos devem conhecer valores religiosos, já que eles são elementos maiores para a formação da cultura e da experiência do pensamento. Não entenderemos como pensamos o tempo, a identidade, a relação com o corpo, o poder, o outro, assim como não entenderemos os limites e potencialidades de nossas formas de pensar, sem passarmos pelo impacto que discussões teológicas tiveram no pensamento. 

No entanto nossos alunos têm a necessidade de conhecer bem valores de todas as religiões, e não apenas de uma específica, com suas leituras peculiares. 

Por exemplo, se nossos alunos, desde o ensino médio, conhecessem as discussões teológicas muçulmanas talvez tivéssemos menos absurdos circulando, quando é questão de tentar compreender as sociedades árabes. O mesmo vale para a tradição judaica. Talvez entenderíamos melhor aqueles que queremos, custe o que custar, colocar sob a rubrica de atrasados e irracionais. 

Mas, para tanto, não precisamos de cursos de teologia ou de formação religiosa. Precisamos de cursos de história das religiões e de seus sistemas de pensamento. 

Não é verdade que fé e saber andam juntos. Mais de 400 anos para que a igreja perdoasse Galileu deveria servir, ao menos, para alguns terem mais humildade quando falam sobre tal relação. 

No entanto é verdade que o saber reconhece como há algo na fé que demonstra como ele começou, de onde ele veio e quais são seus pontos de quebra. Por isso, um conhecimento sobre a história das religiões é uma aquisição fundamental para toda formação crítica. 
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