Vladimir Safatle*
Na semana passada, escrevi artigo criticando colocações de dom Odilo
Pedro Scherer a respeito da submissão de uma universidade confessional
ao quadro dos ditos valores católicos, com seus dogmas e preconceitos.
Insisti que uma universidade não é simplesmente uma propriedade privada, mas uma autorização do Estado.
É o Estado brasileiro que legitima o diploma dado por toda e qualquer
universidade. Nada mais normal, então, que elas sigam injunções que o
Estado democrático compreende como fundamentais para uma formação
universitária adequada, como o respeito ao livre pensamento e ao
desenvolvimento do senso crítico.
Note-se que, em momento algum, disse que valores religiosos não devem
ser objetos de debate e conhecimento no interior de uma universidade.
Na verdade, disse que uma universidade não pode sub-meter sua liberdade
de pesquisa e de crítica a conjunto algum de valores religiosos, muito
menos de interesses ligados ao mercado ou a interesses do próprio
Estado.
Nossos alunos devem conhecer valores religiosos, já que eles são
elementos maiores para a formação da cultura e da experiência do
pensamento. Não entenderemos como pensamos o tempo, a identidade, a
relação com o corpo, o poder, o outro, assim como não entenderemos os
limites e potencialidades de nossas formas de pensar, sem passarmos pelo
impacto que discussões teológicas tiveram no pensamento.
No entanto nossos alunos têm a necessidade de conhecer bem valores de
todas as religiões, e não apenas de uma específica, com suas leituras
peculiares.
Por exemplo, se nossos alunos, desde o ensino médio, conhecessem as
discussões teológicas muçulmanas talvez tivéssemos menos absurdos
circulando, quando é questão de tentar compreender as sociedades árabes.
O mesmo vale para a tradição judaica. Talvez entenderíamos melhor
aqueles que queremos, custe o que custar, colocar sob a rubrica de
atrasados e irracionais.
Mas, para tanto, não precisamos de cursos de teologia ou de formação
religiosa. Precisamos de cursos de história das religiões e de seus
sistemas de pensamento.
Não é verdade que fé e saber andam juntos. Mais de 400 anos para que a
igreja perdoasse Galileu deveria servir, ao menos, para alguns terem
mais humildade quando falam sobre tal relação.
No entanto é verdade que o saber reconhece como há algo na fé que
demonstra como ele começou, de onde ele veio e quais são seus pontos de
quebra. Por isso, um conhecimento sobre a história das religiões é uma
aquisição fundamental para toda formação crítica.
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