ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA*
"Escrever é cortar palavras"
Carlos Drummond de Andrade
No discurso de sua posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa defendeu um Poder Judiciário "sem firulas, sem floreios, sem rapapés" e apontou o juiz como produto do seu meio e do seu tempo: "Nada mais ultrapassado e indesejável que aquele modelo de juiz isolado, fechado, como se estivesse encerrado numa torre de marfim". A oportuna alocução pode também ser relacionada ao que denomino "cultura da prolixidade", resistente obstáculo à prestação jurisdicional ágil em nosso país.
Prolixo é "muito longo ou difuso, superabundante, excessivo,
demasiado" (Dicionário Aurélio, 2.ª edição, página 1.400). Na oratória
ou na escrita, atribui-se tal adjetivação a quem fala ou escreve em
demasia e, muitas vezes, sem nexo.
A "cultura da prolixidade" apresenta-se com maior proeminência nos
meios jurídicos do que em outras atividades. Criou-se entre os
operadores do Direito o mito de que escrever bem é escrever
exaustivamente.
A decisão judicial sintética e objetiva poderá ser objeto de recurso à
instância superior, sob alegação de nulidade por "falta de
fundamentação". Felizmente, os tribunais brasileiros entendem que boa
sentença não é necessariamente sentença longa ou difusamente redigida.
Boa sentença é sentença justa: "A fundamentação sucinta, que exponha os
motivos que ensejaram a conclusão alcançada, não inquina a decisão de
nulidade, ao contrário do que sucede com a decisão desmotivada"
(Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n.º 316.490-RJ, ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira, Diário de Justiça 26/9/2005).
Sobretudo após os progressos da informática, os textos processuais
tornaram-se abundantes. Com as facilidades tecnológicas, são transcritas
exuberantes citações de doutrina e jurisprudência. A leitura de
volumosas peças processuais torna-se uma maçada contraproducente para
juízes, promotores e advogados das partes em litígio.
Em outras atividades, concisão e clareza já são dogmas. Aos
jornalistas, exemplificativamente, prescreve-se: "Seja claro, preciso,
direto, objetivo e conciso. Use frases curtas e evite intercalações
excessivas ou ordens inversas desnecessárias. Não é justo exigir que o
leitor faça complicados exercícios mentais para compreender a matéria"
(Manual de Redação e Estilo, jornal O Estado de S. Paulo, 1990, página 16).
Para o ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça, devem
os julgadores decidir de maneira justa, sem preocupações com ornamentos
literários. O juiz não é profissional incumbido de tecer brilhantes
considerações literárias, doutrinárias ou eruditas: "Pode ele ter também
conhecimento que o alce à condição de doutrinador, mas, para isso, em
princípio, deverá procurar outros campos de atividade, que não o
jurisdicional. Fará concursos, defenderá teses, exercerá atividade
docente permitida. No processo, entretanto, não haverá lugar para esse
lado da atividade" (O juiz e o serviço judiciário, 1988).
Portanto, a cultura da prolixidade é mais um fator de morosidade na
marcha processual. Ao economizar palavras, os operadores do Direito
propiciam um processo mais sintético e célere.
Mauro Cappelletti e Bryanth Garth (Acesso à Justiça, ed. brasileira,
1988, páginas 22 a 24) identificaram barreiras a ser superadas para os
indivíduos, sobretudo os mais carentes, terem efetivo acesso à justiça:
Necessidade de reconhecer a existência de um direito juridicamente exigível;
aquisição de conhecimentos a respeito da maneira de ajuizar uma demanda;
e disposição psicológica das pessoas para recorrer a processos judiciais.
As pessoas, especialmente nas classes menos favorecidas, receiam
litigar: "Procedimentos complicados, formalismo, ambientes que
intimidam, como o dos tribunais, juízes e advogados, figuras tidas como
opressoras, fazem com que o litigante se sinta perdido, um prisioneiro
num mundo estranho. (...) Nosso Direito é frequentemente complicado.
(...) Se a lei é mais compreensível, ela se torna mais acessível às
pessoas comuns. No contexto do movimento de acesso à justiça, a
simplificação também diz respeito à tentativa de tornar mais fácil que
as pessoas satisfaçam as exigências para a utilização de determinado
remédio jurídico".
Jürgen Habermas, filósofo alemão, elaborou teoria sobre a sociedade
democrática contemporânea, a qual se deve pautar pela "ação discursiva".
Em outras palavras, o Estado, por seus órgãos de poder, deve dialogar
de forma compreensível e transparente com a sociedade civil: "A
comunicação pública perde vitalidade discursiva quando lhe falta
informação fundamentada ou discussão vivaz. (...) Vivemos em sociedades
pluralistas. O processo de decisão democrático só pode ultrapassar as
cisões profundas entre visões de mundo opostas se houver algum vínculo
legitimador aos olhos de todos os cidadãos. O processo de decisão deve
conjugar inclusão (isto é, a participação universal em pé de igualdade) e
condução discursiva do conflito de opiniões" (O valor da notícia,
versão traduzida, 2007).
Deveras oportuna, pois, a reflexão do ministro Joaquim Barbosa em sua
investidura na presidência da Suprema Corte. Os magistrados brasileiros
devem estar imbuídos da urgência de lhe conferir realidade. Já
assinalei no livro Aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Editora
RT, 2003): "A magistratura deverá apressar-se, porque o Brasil clama por
mudanças. Não podemos mais viver com velhas estruturas. Não podemos
mais estar presos a soluções que nada têm a ver com o povo. Como na
canção de Milton Nascimento, a Justiça tem de ir aonde o povo está".
---------------------------
* DOUTOR PELA UFMG, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, É DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,justica-prolixa-,10/12/2012
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário