Gérald Bronner*
Ícones da fantasia infantil influem nos relacionamentos na idade adulta
Às vezes descobrir a verdade pode ser
muito desagradável e até mesmo violento. Todos nós, no decorrer da
vida, passamos pela experiência dolorosa da perda de ilusões. Umas das
mais comuns no mundo ocidental é a crença na existência do bom velhinho
vestido de vermelho e branco, guiando um trenó puxado por renas que voam
e distribuindo presentes para todas as crianças do mundo. A descoberta
da ficção ocorre geralmente quando a criança tem por volta de 6 ou 7
anos, Nem todos se recordam do “desaparecimento” desse personagem, mas
entre os que conservaram alguma lembrança, muitos lamentam a desilusão
que sofreram. E ela não vem sozinha.
O fim da primeira infância é acompanhado pela mudança dos sistemas de representação, pelo abandono de certa visão de mundo. É preciso deixar para trás um universo ao mesmo tempo terrível e encantado, o que gera perdas e ganhos. Desaparece o monstro no armário, mas também a fada capaz de realizar os nossos desejos.
Estes mitos são muitas vezes vistos pelos adultos como tolices sem importância, e alguns pais tendem a considerar o desaparecimento da possibilidade de acreditar em Papai Noel apenas como uma fase necessária no processo de amadurecimento. Desse modo, porém, subestimam aspectos importantes. Um deles é o fato de que essa etapa possa ser fundamental na constituição das bases de relacionamento consigo mesmo e com o outro ao longo da vida. Afinal, não se trata apenas do desaparecimento de uma crença, mas envolve a natureza das relações que a criança mantém com as pessoas que estão à sua volta – ainda que com boa intenção, mentiram para ela. Além disso, os adultos podem menosprezar a capacidade lógica dos pequenos, embora seja justamente na qualidade de ser racional que a criança adere a esse mito, inacreditável aos olhos do adulto – e, numa nova etapa do desenvolvimento cognitivo, se liberta dele.
Então, como enfrentar o problema para permitir que esta ruptura se produza sem traumas? A garantia de continuar a receber presentes parece servir como compensação para a agitação cognitiva – é útil lembrar-se dela quando a criança confessa o fim da própria crença. Além disso, deixando de acreditar em Papai Noel as crianças têm a impressão de entrar no “círculo das pessoas grandes”, em uma espécie de rito de passagem que pode ocorrer de maneira indolor se os pequenos tiverem a impressão de tirar uma vantagem da fantasia. Por exemplo, a passagem será sentida positivamente se a criança tiver irmãos, primos ou amiguinhos menores e aceitará de bom grado transformar-se em um dos atores da pequena comédia anual. Participando do segredo, ela tem a impressão de compartilhar algo do mundo dos adultos: obtém uma missão de confiança.
Se a criança é filha única, com certeza apreciará a ideia de fazer uma brincadeira com os adultos, vestindo-se ela própria de Papai Noel na noite de Natal. Isso lhe permitirá rir com os outros – e não se sentir traída. Em geral, quando a criança começa a ter dúvidas é melhor parar de mentir. Não se trata de lhe dizer brutalmente a verdade, porque o fim inesperado da crença poderia ser mal vivenciado, mas de lhe fazer as mesmas perguntas. Se a criança perguntar por que o Papai Noel não faz isto ou aquilo, basta dizer: “E você? O que você acha?”. Mas, se ela indagar diretamente se o velhinho existe, é possível dizer algo como “É uma pergunta que você deve responder sozinha, talvez você já saiba a resposta”. Se a criança estiver pronta para juntar suas constatações próprias, como os indícios que se conectam no fim de um livro policial para que o enigma seja solucionado, ela apresentará essa conclusão. E, nesse caso, merece receber os cumprimentos por sua perspicácia. Se ainda não for a hora de abrir mão da fantasia cabe aos adultos respeitar – e aguardar.
Porém, uma última questão permanece suspensa: por que induzir as crianças a acreditar que Papai Noel existe? Não é apenas uma maneira de fazer com que tenham uma decepção no futuro? Todo pai ou mãe deve tomar a própria decisão, mas – sem pretender ter a resposta certa e definitiva – vale lembrar que as pessoas têm a possibilidade de acreditar de maneira tão pura no mundo mágico apenas uma vez na vida. Além disso, as fronteiras do país das maravilhas se fecham cedo, por volta dos 6 ou 7 anos. Mas ele pode deixar boas recordações.
O fim da primeira infância é acompanhado pela mudança dos sistemas de representação, pelo abandono de certa visão de mundo. É preciso deixar para trás um universo ao mesmo tempo terrível e encantado, o que gera perdas e ganhos. Desaparece o monstro no armário, mas também a fada capaz de realizar os nossos desejos.
Estes mitos são muitas vezes vistos pelos adultos como tolices sem importância, e alguns pais tendem a considerar o desaparecimento da possibilidade de acreditar em Papai Noel apenas como uma fase necessária no processo de amadurecimento. Desse modo, porém, subestimam aspectos importantes. Um deles é o fato de que essa etapa possa ser fundamental na constituição das bases de relacionamento consigo mesmo e com o outro ao longo da vida. Afinal, não se trata apenas do desaparecimento de uma crença, mas envolve a natureza das relações que a criança mantém com as pessoas que estão à sua volta – ainda que com boa intenção, mentiram para ela. Além disso, os adultos podem menosprezar a capacidade lógica dos pequenos, embora seja justamente na qualidade de ser racional que a criança adere a esse mito, inacreditável aos olhos do adulto – e, numa nova etapa do desenvolvimento cognitivo, se liberta dele.
Então, como enfrentar o problema para permitir que esta ruptura se produza sem traumas? A garantia de continuar a receber presentes parece servir como compensação para a agitação cognitiva – é útil lembrar-se dela quando a criança confessa o fim da própria crença. Além disso, deixando de acreditar em Papai Noel as crianças têm a impressão de entrar no “círculo das pessoas grandes”, em uma espécie de rito de passagem que pode ocorrer de maneira indolor se os pequenos tiverem a impressão de tirar uma vantagem da fantasia. Por exemplo, a passagem será sentida positivamente se a criança tiver irmãos, primos ou amiguinhos menores e aceitará de bom grado transformar-se em um dos atores da pequena comédia anual. Participando do segredo, ela tem a impressão de compartilhar algo do mundo dos adultos: obtém uma missão de confiança.
Se a criança é filha única, com certeza apreciará a ideia de fazer uma brincadeira com os adultos, vestindo-se ela própria de Papai Noel na noite de Natal. Isso lhe permitirá rir com os outros – e não se sentir traída. Em geral, quando a criança começa a ter dúvidas é melhor parar de mentir. Não se trata de lhe dizer brutalmente a verdade, porque o fim inesperado da crença poderia ser mal vivenciado, mas de lhe fazer as mesmas perguntas. Se a criança perguntar por que o Papai Noel não faz isto ou aquilo, basta dizer: “E você? O que você acha?”. Mas, se ela indagar diretamente se o velhinho existe, é possível dizer algo como “É uma pergunta que você deve responder sozinha, talvez você já saiba a resposta”. Se a criança estiver pronta para juntar suas constatações próprias, como os indícios que se conectam no fim de um livro policial para que o enigma seja solucionado, ela apresentará essa conclusão. E, nesse caso, merece receber os cumprimentos por sua perspicácia. Se ainda não for a hora de abrir mão da fantasia cabe aos adultos respeitar – e aguardar.
Porém, uma última questão permanece suspensa: por que induzir as crianças a acreditar que Papai Noel existe? Não é apenas uma maneira de fazer com que tenham uma decepção no futuro? Todo pai ou mãe deve tomar a própria decisão, mas – sem pretender ter a resposta certa e definitiva – vale lembrar que as pessoas têm a possibilidade de acreditar de maneira tão pura no mundo mágico apenas uma vez na vida. Além disso, as fronteiras do país das maravilhas se fecham cedo, por volta dos 6 ou 7 anos. Mas ele pode deixar boas recordações.
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* Sociólogo francês.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/adeus_papai_noel.html
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