terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Ficando Longe do Fato de já Estar Meio que Longe de Tudo

Eli Boscatto*

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“De um certo ponto adiante não há mais retorno. 
Esse é o ponto que deve ser alcançado.”
Franz Kafka

O título deste livro me intrigou. Fui então me informar sobre ele e descobri que o autor, o escritor americano David Foster Wallace, era praticamente desconhecido no Brasil até 2008 por ocasião de sua morte por suicídio aos 46 anos. Embora se possa pensar que o livro tem um conteúdo melancólico, seus textos são na verdade bem humorados e pertinentes. 
Dizem que sua obra de ficção é de difícil entendimento e Wallace é um escritor de ficção. Porém este livro é uma coletânea de textos de não ficção mais acessíveis e bem humorados, mas trazendo os mesmos temas centrais da sua ficção, entre eles, o narcisismo como motor da alienação moderna, o poder destrutivo da ironia como visão de mundo totalizante, o niilismo travestido de liberdade e inconformidade, o preço espiritual dos vícios (em especial o vício em entretenimento) e a questão do que podemos fazer para tentar fugir da prisão de nossas próprias cabeças. Sobre sua obra de ficção, Wallace numa entrevista de 1993 diz: “A ficção pode oferecer uma visão de mundo tão sombria quanto desejar, mas para ser realmente boa ela precisa encontrar uma maneira de, ao mesmo tempo, retratar o mundo e iluminar as possibilidades de permanecer vivo e humano dentro dele”.

Wallace foi colaborador de algumas revistas e jornais, mas não se considerava um jornalista. No entanto faz uma incursão pelo jornalismo literário em seus ensaios escrevendo sobre a cobertura de alguns eventos, e com uma observação detalhada, sagaz e bem humorada, vai registrando o que vê em forma de diário, e partindo da observação do modo de vida americano (modelo para muitos), acaba por dissecar o modo de vida contemporâneo.

Em uma Feira Rural no meio-oeste americano em Illinois, onde ele mesmo passou a infância e adolescência, vai discorrendo sobre o cotidiano daquela região, onde os cidadãos se movimentam bovinamente numa paisagem insípida e estéril, daquela esterilidade de onde parece não brotar nenhuma emoção instigante ou natural. Uma das principais atrações são as barracas de fast food onde todos se empanturram das mais estranhas comidas. A relação dos fazendeiros com seus animais em exposição é apenas do dono para com suas mercadorias, e creio que ele tem razão quando diz que não se pode ter outro tipo de relação com a Natureza, quando dela se tira o sustento.

A população rural do meio-oeste vive num isolamento por excesso de planura, distante de tudo, até do vizinho mais próximo, e parece ansiar por multidões, razão do sucesso de eventos como a Feira Rural. Um contraponto à fuga do cotidiano da população das grandes cidades.

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Ao embarcar num cruzeiro de luxo para o Caribe, onde a expressão “megacruzeiro” não é empregada à toa, tudo é mega do navio ao serviço, lhe causa estranheza que sendo Férias uma trégua de coisas desagradáveis como a consciência da morte e da decomposição, os americanos queiram justamente passar as férias num imenso mecanismo primordial de morte e decomposição.

Então Wallace faz uma analogia entre os cuidados obssessivos e os mimos excessivos da tripulação para com os hóspedes-passageiros, e o adornamento pessoal, como sendo formas variadas de fantasia para suprir a necessidade de negação dessa morte, assim como a outra maneira de “triunfar” sobre ela: o empolgamento. E os estímulos para o empolgamento no navio são variados e intensos, fazem parte do pacote. Mas tudo é muito bem conduzido, calculado, a persuasão é refinada, tudo muito profissional a um extremo irritante. Em uma espécie de férias cosméticas, ao invés do trabalho esforçado, a diversão esforçada.

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Ao cobrir o Festival da Lagosta do Maine, ele levanta questões complexas por trás da ética sobre a morte cruel de animais para o nosso deleite gustativo, questões nas quais preferimos não pensar porque afinal, gostamos de “comer lagostas”. Porém, ele o faz por interesse genuíno nessas questões, sem tomar partido desse ou daquele, portanto não se pode querer classificá-lo num certo jargão atual muito recorrente.

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Em 2005 num ensaio que se tornou viral na internet chamado “Isto é Água”, Wallace em um discurso de paraninfo para uma turma de formandos, partindo de uma parábola sobre dois peixinhos incapazes de perceber a água em que vivem imersos, fala sobre a necessidade de prestar atenção constante ao mundo e exercitar a empatia para conseguir enfrentar a solidão essencial de uma vida adulta, e que podemos buscar outras formas possíveis de liberdade, além daquela liberdade enganosa na qual desejamos ser senhores todo poderosos e absolutos. Para ele, ensinar a pensar é uma pretensão das ciências humanas que não funciona, aprender a pensar teria muito mais a ver com a escolha sobre o que pensar.

Os contos de Kafka para Wallace são engraçados e uma frustração marcante para ele é tentar ler Kafka com universitários e ser quase impossível fazê-los perceber que ele é engraçado. Poderia pedir por exemplo para imaginarem que todos os contos de Kafka tratam de uma espécie de porta e se visualizarem chegando perto dessa porta batendo cada vez com mais força em desespero para entrar, precisando disso e, quando enfim a porta se abre, ela se abre para fora – estávamos o tempo todo dentro daquilo que queríamos. É a comicidade trágica do absurdo.
“De um certo ponto adiante não há mais retorno. Esse é o ponto que deve ser alcançado.”
Franz Kafka
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Formada em Ciências Políticas e Sociais.
Fonte:  http://lounge.obviousmag.org/por_tras_do_espelho/2012/12/10

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