Ferreira Gullar*
Oscar Niemeyer foi o assunto principal do país, que se voltou inteiramente para essa perda inaceitável
AMANHECE O dia 6 de dezembro de 2012, mas o meu amigo Oscar Niemeyer já
não está aqui para vivê-lo. Saio à rua a caminhar e sinto que o mundo
não é mais o mesmo. É verdade que fazia algum tempo que não nos víamos
nem nos falávamos, coisas da vida. Mas a minha admiração e meu afeto por
ele se mantinham os mesmos que ao longo desses mais de 50 anos.
Desde o momento em que ele morreu, no Hospital Samaritano, aqui no Rio,
todos os meios de comunicação se mobilizaram, e não apenas para noticiar
o fato, mas também para colher o pronunciamento de pessoas que privaram
com ele ou que estudaram sua obra.
E durante aquela noite e os dias seguintes, a morte de Oscar Niemeyer
foi o assunto principal do país, que se voltou inteiramente para essa
perda inaceitável.
De minha parte, não apenas me solicitaram a falar sobre ele, como me
mantive diante da televisão a acompanhar esse acontecimento que foi
transmitido, minuto a minuto, durante todo aquele primeiro dia, a noite e
os dois dias seguintes.
Vi quando o caixão mortuário foi retirado do hospital, posto no carro
funerário e transportado, ladeado de batedores, para o aeroporto Santos
Dumont. Não pude evitar de pensar que ele, quando vivo, não queria saber
de avião, mas agora, morto, voaria para Brasília. Os mortos se defendem
mal. E foi. Chegado a Brasília, um carro do Corpo de Bombeiros o levou
até o Palácio do Planalto, onde seria velado. E eu me dizia: ele jamais
supôs que isso fosse acontecer após sua morte. E o imaginava dentro
daquele caixão mortuário, sendo conduzido sob os olhos da nação inteira
para o velório no palácio que ele mesmo concebera.
Tenho certeza de que, se lhe perguntassem se estava de acordo com tal
procedimento ritual, diria que não, já que sempre foi pouco afeito a
pompas e solenidades. Isso não tem nada a ver com ele, mas não importa; o
que significou para todos nós excede sua modéstia e sua simplicidade.
E me lembrei de nossos encontros em diferentes momentos, desde quando o
conheci, em 1955, ao entrevistá-lo para a revista "Manchete", ou de
nosso convívio em Brasília, em 1961, quando dirigi a Fundação Cultural.
Nessa ocasião, propus-lhe que projetasse um pequeno museu onde
reuniríamos um acervo de arte popular brasileira. Ele o projetou, o
museu foi construído: as paredes eram de tijolos de vidro e o teto de
palha, uma mistura inusitada e bela. Ficava perto do antigo aeroporto,
que foi abandonado. E o museu também.
Mas a vida prosseguiria, e o golpe militar de 1964 mudou nossas vidas.
Ele foi para Paris e eu para Moscou. Mais tarde, eu já em Buenos Aires,
ele me enviou um exemplar do livro sobre sua arquitetura que acabara de
ser editado na França. Era fascinante ver cada uma de suas obras ali. E
desse fascínio nasceu o poema "Lições da Arquitetura", que escrevi e lhe
mandei pelo correio.
Permito-me citar alguns versos:
"No ombro do planeta / (em Caracas) /
Oscar depositou / para sempre / uma ave uma flor / (ele não faz de pedra
/ nossas casas: / faz de asa)".
É verdade, pois seus prédios, de tão leves, parecem flutuar. Essa é uma
das inovações que ele introduziu na arquitetura moderna, que se
caracterizava pela construção ortogonal e a linha reta, tendo a
funcionalidade como princípio básico: a forma segue a função.
Le Corbusier era o mestre por excelência dessa nova arquitetura e foi
nele que Oscar se inspirou, mas sempre dissentindo, como no caso do
prédio do MEC, no Rio, hoje Palácio Gustavo Capanema. Mas a ruptura se
dá mesmo é quando ele concebe o conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, e
introduz a linha curva na linguagem dessa nova arquitetura. Muda-lhe o
rumo e a história: agora é antes e depois de Oscar Niemeyer.
Brasília foi um passo a mais nessa reinvenção da arquitetura, pois, em
seus palácios, a forma arquitetônica nasce da estrutura construtiva: as
colunas do Palácio da Alvorada, por exemplo, são ao mesmo tempo
sustentação e beleza. Oscar realizava a milagre de ser ao mesmo inovador
e popular.
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* Poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista. Cronista da Folha.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/84046-a-beleza-e-leve.shtml
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