Rubem Alves*
Deve ser coisa da idade. Não consigo me lembrar do
nome dele, o menino. Pois o Natal, se a minha memória está boa, tem a
ver com o nascimento de um menino filho de pais pobres, numa estrebaria,
no meio de bois, vacas, ovelhas e jumentos. Ligo a televisão na
esperança de que o nome dele seja dito. Mas nada. Os nomes celebrados no
Natal são os nomes de tabletes, câmaras fotográficas, telefones
celulares… Mas ninguém fala o nome dele, do menino. É possível que eu
esteja procurando no lugar errado. O jornal contou de uma mulher que,
não tendo onde morar com sua filha, foi morar com as galinhas, num
galinheiro. Quem sabe o nome que procuro é o nome dessa menina que vive
com as galinhas…
“Nos, julgamentos por crimes de guerra em Nurenberg compareceu uma
testemunha que havia vivido por um tempo num túmulo num cemitério
judaico. Naqueles dias sinistros as casas dos mortos eram lugares onde
os vivos se escondiam para se livrar das câmaras de gás. Durante esse
tempo ele escreveu poesia – podem imaginar isso, escrever poesia num
túmulo? – e um dos seus poemas era a descrição de um nascimento. Numa
sepultura próxima uma jovem mulher deu à luz um menino. O coveiro, um
ancião de oitenta anos, envolto num lençol de linho, foi o parteiro.
Quando o menininho recém nascido deu o seu primeiro grito, o velho homem
orou: “Grande Deus, será que Tu finalmente nos enviaste o Messias? Pois
quem, além do Messias, poderia nascer numa sepultura?”
Na tradição judaica o Messias era o símbolo da esperança. Ele seria o herói que haveria de sarar as feridas do mundo.
A literatura profética está cheia de poemas que descrevem a esperança que se realizaria quando o Messias chegasse:
“As botas com que andam os guerreiros no tumulto da batalha e
toda veste machada de sangue serão queimadas… As nações converterão suas
espadas em relhas de arados e as suas lanças em tesouras de podar… A
vaca e a ursa pastarão juntas e o leão comera palha como o boi. E no
deserto arrebentarão águas e nos lugares desolados ribeiros correrão. A
areia esbraseada se transformará em lagos e a terra sedenta em
mananciais de águas.”
Diferente dos heróis comuns, líderes políticos e revolucionários
que prometiam a justiça através da força, o Messias era o herói que não
usava a espada. Era pequeno demais para segurar uma. Era uma criança
recém-nascida. O que ele tinha na mão era um brinquedo. O Messias é uma
criança que brinca…
A renovação do mundo se faz através de uma criança. O mundo se
salvará quando os adultos voltarem a ser criança. Porque essa é a
mensagem do Natal: Deus é criança.
Os adultos são doentes. Compreendeu bem isso a Adélia Prado que rezou: “Oh Deus, me cura de ser grande…”
Os adultos não entendem. Eles se julgam muito importantes e
inteligentes, superiores às crianças que um dia, se a educação for
bem-sucedida, serão como eles.
Somente os sábios e os poetas percebem que os adultos são tolos…
Bernardo Soares se referia à “diferença hedionda entre a
inteligência das crianças e a estupidez dos adultos…” E Groddeck,
precursor da psicanálise afirmava que “o objetivo da vida é ser
criança”. E Nietzsche chegou a dizer que “a maturidade de um homem
consiste em achar de novo a seriedade que se tinha, ao brincar.”
Janucz Korcak, educador que recolhia crianças abandonadas no seu
orfanato em Varsóvia (ele e suas crianças morreram numa câmara de gás)
assim se dirigiu aos professores:
“Vocês dizem: Cansa-nos de conviver com as crianças. Cansa-nos
porque precisamos descer ao seu nível de compreensão. Estão equivocados.
Não é isso que cansa. O que nos cansa é o fato de termos de nos elevar
até alcançar o nível dos sentimentos das crianças. Elevar-nos, subir,
ficar na ponta dos pés, estender a mão para não ferir…”
É Natal! Só nos resta uma coisa a fazer: brincar como crianças! Fiquemos divinos por um momento.
Lembrei-me, de repente, do nome dele. É “Jesus”! Juntos cantemos: “Noite da paz, noite do amor…
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* Educador. Escritor. Teólogo.
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