quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Brinquemos

 Rubem Alves*
presépio
Deve ser coisa da idade. Não consigo me lembrar do nome dele, o menino. Pois o Natal, se a minha memória está boa, tem a ver com o nascimento de um menino filho de pais pobres, numa estrebaria, no meio de bois, vacas, ovelhas e jumentos. Ligo a televisão na esperança de que o nome dele seja dito. Mas nada. Os nomes celebrados no Natal são os nomes de tabletes, câmaras fotográficas, telefones celulares… Mas ninguém fala o nome dele, do menino. É possível que eu esteja procurando no lugar errado. O jornal contou de uma mulher que, não tendo onde morar com sua filha, foi morar com as galinhas, num galinheiro. Quem sabe o nome que procuro é o nome dessa menina que vive com as galinhas…
 
“Nos, julgamentos por crimes de guerra em Nurenberg compareceu uma testemunha que havia vivido por um tempo num túmulo num cemitério judaico. Naqueles dias sinistros as casas dos mortos eram lugares onde os vivos se escondiam para se livrar das câmaras de gás. Durante esse tempo ele escreveu poesia – podem imaginar isso, escrever poesia num túmulo? – e um dos seus poemas era a descrição de um nascimento. Numa sepultura próxima uma jovem mulher deu à luz um menino. O coveiro, um ancião de oitenta anos, envolto num lençol de linho, foi o parteiro. Quando o menininho recém nascido deu o seu primeiro grito, o velho homem orou: “Grande Deus, será que Tu finalmente nos enviaste o Messias? Pois quem, além do Messias, poderia nascer numa sepultura?”
 
Na tradição judaica o Messias era o símbolo da esperança. Ele seria o herói que haveria de sarar as feridas do mundo.
 
A literatura profética está cheia de poemas que descrevem a esperança que se realizaria quando o Messias chegasse:
 
“As botas com que andam os guerreiros no tumulto da batalha e toda veste machada de sangue serão queimadas… As nações converterão suas espadas em relhas de arados e as suas lanças em tesouras de podar… A vaca e a ursa pastarão juntas e o leão comera palha como o boi. E no deserto arrebentarão águas e nos lugares desolados ribeiros correrão. A areia esbraseada se transformará em lagos e a terra sedenta em mananciais de águas.”
 
Diferente dos heróis comuns, líderes políticos e revolucionários que prometiam a justiça através da força, o Messias era o herói que não usava a espada. Era pequeno demais para segurar uma. Era uma criança recém-nascida. O que ele tinha na mão era um brinquedo. O Messias é uma criança que brinca…
 
A renovação do mundo se faz através de uma criança. O mundo se salvará quando os adultos voltarem a ser criança. Porque essa é a mensagem do Natal: Deus é criança.
 
Os adultos são doentes. Compreendeu bem isso a Adélia Prado que rezou: “Oh Deus, me cura de ser grande…”
 
Os adultos não entendem. Eles se julgam muito importantes e inteligentes, superiores às crianças que um dia, se a educação for bem-sucedida, serão como eles.
 
Somente os sábios e os poetas percebem que os adultos são tolos…
 
Bernardo Soares se referia à “diferença hedionda entre a inteligência das crianças e a estupidez dos adultos…” E Groddeck, precursor da psicanálise afirmava que “o objetivo da vida é ser criança”. E Nietzsche chegou a dizer que “a maturidade de um homem consiste em achar de novo a seriedade que se tinha, ao brincar.”
 
Janucz Korcak, educador que recolhia crianças abandonadas no seu orfanato em Varsóvia (ele e suas crianças morreram numa câmara de gás) assim se dirigiu aos professores:
 
“Vocês dizem: Cansa-nos de conviver com as crianças. Cansa-nos porque precisamos descer ao seu nível de compreensão. Estão equivocados. Não é isso que cansa. O que nos cansa é o fato de termos de nos elevar até alcançar o nível dos sentimentos das crianças. Elevar-nos, subir, ficar na ponta dos pés, estender a mão para não ferir…”
 
É Natal! Só nos resta uma coisa a fazer: brincar como crianças! Fiquemos divinos por um momento.
 
Lembrei-me, de repente, do nome dele. É “Jesus”! Juntos cantemos: “Noite da paz, noite do amor…
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* Educador. Escritor. Teólogo.

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