Liz Long
Três dias antes de Adam Lanza, de 20
anos, matar sua mãe, depois abrir fogo contra uma classe cheia de alunos
da primeira série de Connecticut, meu filho de 13 anos, Michael (não é o
nome verdadeiro dele), perdeu o ônibus porque ele estava usando calças
da cor errada.
“Eu posso ir com essa calça”, ele disse,
com o tom de voz cada vez mais beligerante, e o buraco negro do centro
das pupilas de seus olhos engolindo a íris azul.
“Ela é azul marinho”, eu respondi. “A sua escola permite apenas calças pretas ou caqui.”
“Eles me disseram que eu posso usar
esta”, ele insistiu. “Você é uma puta burra. Eu posso usar a calça que
eu quiser. Estamos na América. Eu tenho direitos!”
“Você não pode usar a calça que você
quiser”, eu disse, em tom afável e racional. “E definitivamente você não
pode me chamar de puta idiota. Você está de castigo sem eletrônicos
pelo resto do dia. Agora entre no carro, e eu te levo para a escola.”
Eu vivo com um filho que tem problemas mentais. Amo meu filho. Mas ele me apavora.
Algumas semana atrás, Michael pegou um
faca e ameaçou me matar e depois a si mesmo porque eu pedi que ele
devolvesse na biblioteca os livros que já estavam atrasados. Os irmãos
de 7 e 9 anos sabiam qual era o plano de emergência — correram para o
carro e se trancaram antes mesmo que eu dissesse qualquer coisa. Eu
consegui tirar a faca de Michael, e depois metodicamente recolhi todos
os objetos cortantes da casa e os coloquei dentro de uma sacola gigante
que agora anda sempre comigo. Depois de tudo isso, ele seguiu gritando,
me insultando e ameaçando me matar e me machucar.
O conflito terminou com três policiais
corpulentos e um paramédico lutando com o meu filho para colocá-lo em um
maca e levá-lo para a emergência do hospital local. A ala psiquiátrica
não tinha nenhum leito livre no dia. Michael foi atendido no pronto
socorro e nos mandaram de volta para casa com uma prescrição de Zyprexa e
um retorno agendado com um psiquiatra infantil.
Ainda não sabemos o que há de errado com
Michael. Espectro do Autismo, TDAH, Transtorno Explosivo Intermitente
foram mencionados em reuniões com assistentes sociais, terapeutas,
professores e pedagogos. Michael tem tomado uma enorme quantidade de
antipsicóticos e drogas alteradoras de humor. Nada parece funcionar.
No começo da sétima série, Michael foi
aceito em um programa avançado para alunos com talento em Matemática e
Ciências. Seu QI é altíssimo. Quando está de bom humor, ele ocupa seu
tempo com assuntos que vão de mitologia grega às diferenças entre a
física Newtoniana e Einsteiniana. Eles está bem a maior parte do tempo.
Mas quando não está, cuidado. E é impossível prever o que o
desequilibra.
Algumas semanas depois de começar no
novo colégio, Michael passou a exibir um comportamento cada vez mais
estranho e ameaçador. Decidimos transferi-lo para programa
comportamental mais restrito, um ambiente escolar onde crianças que não
podem ficar em turmas normais tem acesso a uma guarda vigiada gratuita
das 7h30 da manhã a 13h50 da tarde. De segunda a sexta até que completem
18 anos.
Na manhã do incidente da calça, Michael
estava discutindo comigo enquanto eu dirigia. Ele ocasionalmente se
desculpava e demonstrava remorso. Um pouco antes de chegarmos no
estacionamento da escola, ele disse, “Olha mãe, eu sinto muito. Posso
ter de volta meu videogame hoje?”
“De jeito nenhum”, eu respondi. “Você
não pode fazer o que você fez esta manhã e achar que vai recuperar seus
privilégios assim tão depressa.”
O rosto dele ficou frio, e seus olhos
cheios de ódio. E disse: “Então eu vou me matar, eu vou pular deste
carro agora e vou me matar”.
Eu não respondi, só fiz a conversão.
“Para onde você está me levando? Onde estamos indo?”, perguntou preocupado.
“Você sabe para onde estamos indo”, respondi.
“Não! Você não pode fazer isso comigo! Você está me mandando para o inferno!”
Eu encostei no hospital e chamei um atendente que estava do lado de fora. “Chame a polícia, depressa.”
Michael estava fazendo um escândalo,
gritando e se debatendo. Eu o abracei com força para que não fugisse do
carro. Ele me mordeu diversas vezes e deu cotoveladas nas minhas
costelas. Eu ainda sou mais forte que ele, mas não serei por muito
tempo.
A polícia chegou e carregou meu filho
aos chutes para as entranhas do hospital. Eu comecei a tremer, e as
lágrimas encheram meus olhos enquanto eu preenchia a papelada. “Houve
dificuldade com... Em qual idade seu filho começou a... Houve problemas
com... Seu filhou já vivenciou... Seu filho tem...”
Pelo menos nós temos agora seguro saúde.
Eu recentemente aceitei um emprego em uma faculdade local, abrindo mão
da minha carreira independente porque quando você tem um filho assim,
você precisa de benefícios. Você faz qualquer coisa por benefícios.
Nenhum plano de saúde individual vai cobrir esse tipo de coisa.
Durante dias meu filho insistiu que eu
estava mentindo — que eu tinha inventado a coisa toda para me livrar
dele. No primeiro dia quando eu liguei para saber como ele estava, ele
me disse, “eu te odeio e eu vou me vingar assim que sair daqui”.
No terceiro dia, ele era o meu calmo e
doce garoto de novo, se desculpando e prometendo melhorar. Eu escutei
essas promessas durante anos. Eu não acredito mais nelas. No formulário
de internação, na pergunta “O que você espera do tratamento?”, eu
escrevi, “preciso de ajuda”.
E eu preciso mesmo. Esse problema é grande demais para eu administrar sozinha.
Eu estou dividindo essa história porque
eu sou mãe de um Adam Lanza. Eu sou mãe de um Dylan Klebold e um Eric
Harris. Eu sou mãe de um James Holmes. Eu sou mãe de um Jared Loughner.
Eu sou mãe de um Seung-Hui Cho. E esses rapazes — e suas mães — precisam
de ajuda. No despertar de mais uma tragédia nacional, é fácil falar
sobre armas. Mas é hora de falarmos sobre doenças mentais.
De acordo com uma revista especializada,
desde 1982 —, 61 assassinatos em massa envolvendo armas de fogo
aconteceram no país. Desses, 43 dos assassinos eram homens brancos, e
apenas uma era mulher. A revista voltou seu foco para a questão dos
assassinos terem obtido ou não suas armas legalmente (a maioria sim).
Mas esse visível sinal de problema mental deveria nos levar a considerar
quantas pessoas nos Estados Unidos vivem com medo, como eu vivo.
Quando eu perguntei para o assistente
social que cuida do meu filho quais eram as minhas opções, ele respondeu
que a única coisa a fazer é acusá-lo de um crime. “Se ele estiver no
sistema, eles vão criar um rastro de documentos”, disse. “Essa é a única
forma de conseguir que algo seja feito. Ninguém vai te dar atenção a
menos que você tenha uma queixa formal.”
Eu não acredito que meu filho deva ir
para a cadeia. Mas parece que os Estado Unidos estão usando as prisões
como uma solução opcional para doentes mentais. De acordo com entidades
de Direitos Humanos, o número de internos mentalmente doentes
quadruplicou entre 2000 e 2006, e continua aumentando — na verdade a
proporção de doentes mentais entre prisioneiros é cinco vezes maior que
entre a população não encarcerada.
Ninguém quer mandar o gênio de 13 anos
que ama Harry Potter e seu bichinho de pelúcia para a cadeia. Mas nossa
sociedade, com o estigma que as doenças mentais provocaram o declínio do
sistema público de saúde, não nos dá outra opção.
Aí então outra alma torturada atira em
um restaurante. Um shopping. Uma classe de primeira série. E nós
cerramos nossas mãos e dizemos: “Algo tem que ser feito”.
Eu concordo que algo tem que ser feito. É
hora de uma significativa e abrangente discussão nacional a respeito da
saúde mental. É o único jeito de realmente curarmos o país.
Deus me ajude. Deus ajude Michael. Deus ajude nós todos.
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publicado em tradução
(Texto publicado no San Francisco Chronicle. Traduzido especialmente para Revista Bula por Carolina Mendes).
Fonte: http://www.revistabula.com/posts/traducao/eu-sou-a-mae-de-adam-lanza 20/12/2012
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