José
Monserrat Filho*
O espaço nos brinda com as luminosas imagens da longa noite da desigualdade global. O primeiro satélite Suomi NPP, de observação da Terra, criado e lançado pela NASA e a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration - Admistração Nacional Oceânica e Atmosférica), dos EUA, acaba de nos revelar em detalhes inéditos: 1) a beleza da Terra iluminada; 2) o brilho de fenômenos naturais e outros de responsabilidade humana em todo o planeta; 3) a profunda desigualdade hoje existente no mundo; e 4) a crescente poluição de luz.
Essa maravilha se deve às observações realizadas a partir do espaço, no decorrer de 2012, livres da barreira das nuvens, pelo sistema VIIRS (Visible Infrared Imaging Radiometer Suite - Conjunto Radiométrico de Imagens em Luz Visível e Infravermelho), notável avanço tecnológico.
O novo mapa mundi evidencia que o Hemisfério Norte é muito mais iluminado à noite do que a maior parte do mundo, onde as regiões mais subdesenvolvidas enfrentam tremendas carências econômicas e sociais, além da falta de energia.
Não por acaso, pesquisa da Universidade de Yale, EUA, constatou claro paralelo entre a iluminação noturna de países e continentes e o baixo valor do Produto Interno Bruto (PIB) de cada um deles. No mesmo sentido, a Agência Internacional de Energia calculou, em recente relatório, que nada menos de 1,3 bilhões de pessoas - num mundo de 7 bilhões - ainda vivem às escuras, sem energia elétrica, sobretudo na África e Ásia. Lá, a taxa de eletrificação não vai além dos 41,8%.
Claro que esta realidade sombria é conhecida há muito tempo. O que temos hoje é a dramatização do fato, com um quadro mundial mais detalhado e preciso que os anteriores, elaborado graças aos avanços vertiginosos das tecnologias espaciais.
Há um contraste bem à vista, ilustrado como nunca antes. As atividades espaciais, que desenvolvemos com êxito nos últimos 55 anos, nos permitem o conhecimento mais feérico da desigualdade cada vez maior do planeta em que vivemos. Ao mesmo tempo, as próprias atividades espaciais dividem e distanciam os países que dominam suas tecnologias e os que não as dominam e enfrentam dificuldades quase insuperáveis para usufruírem de seus benefícios. O progresso tecnológico e a intensificação das atividades espaciais não têm contribuído na mesma proporção para reduzir as diferenças econômicas e sociais. Muito pelo contrário, não são poucos os que sustentam que a Era Espacial ajudou a ampliar o fosso entre os "have" e os "have not".
Justamente por isso, nos anos 60 e 70, quando nos quadros das Nações Unidas se discutia a elaboração do acordo destinado a regulamentar as atividades dos Estados na Lua, os países em desenvolvimento, que então gozavam de grande prestígio na política mundial, lograram incluir no Artigo 11, parágrafo 7, do novo acordo a cláusula do "compartilhamento de benefícios" entre os objetivos da autoridade internacional a ser criada para coordenar a exploração ordenada e segura dos recursos naturais lunares. A cláusula ficou assim definida como meta a ser atingida: "Promover a participação equitativa de todos os Estados (...) nos benefícios auferidos destes recursos, tendo especial consideração para os interesses e necessidades dos países em desenvolvimento, bem como para os esforços dos Estados que contribuíram, direta ou indiretamente, na exploração da Lua."
Por esse caminho, na visão dos então chamados "países do terceiro mundo", a exploração dos recursos lunares ajudaria a reduzir a crescente brecha entre países ricos e pobres aqui na Terra. Embora o projeto do acordo tenha sido aprovado por aclamação pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1979, poucos países decidiram assiná-lo e ratificá-lo, sobretudo em vista da cláusula do "compartilhamento de benefícios", inaceitável para as empresas investidoras.
O resultado é que o Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e outros Corpos Celestes, em vigor desde 1984, após ter sido ratificado por cinco países, conta hoje com apenas 13 ratificações, o que lhe confere pouco peso jurídico e político. A comunidade espacial internacional não se mostra sensível ao tema da desigualdade global, em particular no próprio setor.
Mas a verdade, como frisa o economista norte-americano Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de 2001, é que "a desigualdade nos custa muito caro". A seu ver, "o preço da desigualdade é a deterioração da economia, que se torna menos estável e menos eficiente, com menos crescimento, e com a subversão da democracia".
Para Stiglitz, a globalização em si mesma não é má ou perversa. Seu argumento central dá o que pensar: "O problema é que nós a gerimos muito mal - basicamente em proveito dos interesses particulares. Interconectar os povos, os países e as economias em redor do globo pode ser tão eficaz para estimular a prosperidade, quanto expandir a cupidez e a miséria".(¹)
Por sua vez, Branko Milanovic, Economista-Chefe do Banco Mundial, afirma, em livro lançado em 2005, que nos últimos 20 anos "cresceu o fosse entre as regiões [do mundo] e também entre os indivíduos". E lembra: "Enquanto parte do mundo rico discutia técnicas para prolongar o tempo de vida humana a mais de 100 anos, milhões morriam de doenças facilmente evitáveis, por falta de água potável ou por infecções; tuberculose, sífilis e outras moléstias que pareciam ser coisa do passado voltaram na esteira de crises econômicas e anomalias sociais. E pesquisadores debatiam seriamente em que medida a pobreza e as privações estavam por trás das muitas guerras civis que eclodiram após o fim do a Guerra Fria, bem como por trás de atentados terroristas."(²)
O crescente desafio da desigualdade global não passa desapercebido entre nós. Vemos o espaço com sensibilidade social. Toda a população brasileira, seus órgãos públicos e empresas privadas têm acesso gratuito, pela Internet, às nossas imagens de satélites. Outros países também tiveram o mesmo benefício. Cerca de 1,5 milhão de imagens já foram distribuídas. Daí que o Brasil é hoje o maior distribuidor dessas imagens no mundo. E igualmente oferece de graça programas de geoprocessamento e resultados de projetos e estudos científicos.
Na mesma linha, o novo Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE 2012-2021) busca tornar o país "capaz de usufruir, soberanamente e em grande escala, dos benefícios das tecnologias, da inovação, da indústria e das aplicações do setor em prol da sociedade brasileira".
O novo PNAE também pergunta "Por que o espaço é indispensável ao Brasil?" e responde: "Porque precisamos de mais telecomunicações, mais conhecimentos e uso sustentável dos recursos naturais, maior e melhor acompanhamento das mudanças ambientais e climáticas, mais rapidez e competência para enfrentar os desastres naturais, mais vigilância nas fronteiras e costas marítimas, mais redução das desigualdades regionais, mais promoção da inclusão social."
Quanto mais acesa for mantida essa chama, melhor para nós e para todo o mundo.
Referências
1) Stiglitz, Joseph, Le prix de l'ingalité, Paris: Les Liens Qui Libèrent, 2012, p. 11.
2) Milanovic, Branko, Worlds Apart - Measuring International and Global Inequality, United Kingdom: Princeton University Press, 2007,p. 2. ------------------
* É chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Artigo enviado ao JC Email pelo autor.
Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/10/12/2012
Imagem da Internet
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