segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Os melhores finais de livros (2ª parte)

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Dando sequência a série de melhores finais, perguntei colaboradores, leitores e seguidores do Twitter e Facebook quais os melhores finais de livros, excetuando aqueles que apareceram no primeiro levantamento. Os livros relacionados na primeira parte foram: “Nada de Novo no Front”, de Erich Maria Remarque; “On The Road”, de Jack Kerouc; “À Espera dos Bárbaros”, de J. M. Coetzee; “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez; “1984”, de George Orwell; “Notas do Subsolo”, de Fiódor Dostoiévski; “O Grande Gatsby”, de F. Scott Fitzgerald; e “O Estrangeiro”, de Albert Camus. Cada participante poderia indicar até três finais, de autores brasileiros ou estrangeiros de todas as épocas. Abaixo, os trechos selecionados baseados no número de sugestões recebidas.

Carta ao Pai (Franz Kafka)
Tradução: Marcelo Backes

Uma certa legitimidade à objeção, que além do mais contribui com algo novo para a caracterização do nosso relacionamento, eu não posso negar. Naturalmente as coisas não se encaixam tão bem na realidade como as provas contidas na minha carta, pois a vida é mais do que um jogo de paciência; mas com a correção que resulta dessa réplica, uma correção que não posso nem quero discutir nos detalhes, alcançou-se a meu ver algo tão aproximado da verdade, que isso pode nos tranquilizar um pouco e tornar a vida e a morte mais fáceis para ambos.

Visões de Cody (Jack Kerouac)
Tradução: Guilherme da Silva Braga

Adeus Cody — os teus lábios nos momentos de pensamento lúcido e bondade responsável recém-descoberta são tão silenciosos, fazem tão pouco barulho, se confundem com as razões da natureza, como o reflexo da luz dos carros na pintura prateada de um tanque na calçada nesse exato instante, silencioso como tudo isso, como um pássaro atravessando o raiar do dia em busca da cruz na montanha e do mar além da cidade no fim do mundo. Adios, você que viu o sol se pôr, nos trilhos, ao meu lado, sorrindo — Adios, Rei.

Os Miseráveis (Victor Hugo)
Tradução: José Maria Machado
Esta pedra está completamente nua. Não pensaram ao talhá-la, senão no que era necessário para o túmulo; só tiveram em vista fazê-la bastante comprida e estreita, para que só cobrisse o corpo de um homem. Não se vê escrito nome algum. Há muitos anos, porém, houve quem escrevesse nela, a lápis, estes quatro versos, que pouco a pouco se tornaram ilegíveis, pela ação da chuva e da poeira, e que decerto estão hoje de todo apagados: Dorme. Viveu na terra em luta contra a sorte/ Mal seu anjo voou, pediu refúgio à morte/ O caso aconteceu por essa lei sombria/ Que faz que a noite chegue, apenas foge o dia.

Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley)
Tradução: Felisberto Albuquerque
A porta do farol estava entreaberta. Empurraram-na e penetraram na penumbra em que tudo estava fechado. Por um arco na outra extremidade da sala, podiam ver o começo da escada que levava para os andares superiores. Exatamente no fecho da abóboda pediam dois pés. — Sr. Selvagem! Lentamente, muito lentamente, como duas agulhas de bússola, os pés se voltaram para a direita: norte, nordeste, este, sudeste, sul, sul-sudoeste; então pararam e, após alguns segundos, viraram-se vagarosamente para a esquerda: sul, sudeste, este...

Orgulho e Preconceito (Jane Austen)
Tradução: Lúcio Cardoso

Depois de alguma resistência o ressentimento de Lady Catherine cedeu, talvez diante da afeição que tinha pelo sobrinho ou da curiosidade de ver como a sua esposa se conduzia; e ela consentiu em ir visitá-los em Pemberley, apesar da ofensa que seus ilustres antepassados tinham recebido, não somente pela presença de uma esposa de tão baixa extração, como pelas visitas dos seus tios de Londres. Com os Gardiner eles ficaram sempre em termos muito íntimos. Darcy, a exemplo de Elizabeth, tinha a maior afeição por eles. E além disso nunca se esqueceram da gratidão que deviam às pessoas por cujo intermédio eles tinham reatado suas relações, durante aquele passeio pelo Derbyshire.

A Revolução dos Bichos (George Orwell)
Tradução: Heitor Ferreira

Doze vozes gritavam cheias de ódio e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco.

Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra 
(Mia Couto)

Neste dias, deitado naquela sala sem telhado, fui contemplado por luas e por estrelas. Às vezes, me descia um frio sem remédio. Me chegavam visões de uma fundura: o abismo que nenhuma ave nunca cruzou. E eu tombando, tombando sempre. Da rocha para a pedra, da pedra para o grão, do grão para a funda cova do nada. Mas depois eu sentia-o chegar, meu filho, e a minha cabeça dedilhava em sua mão: e você escrevia as minhas cartas. Me sustinha a simples certeza: a mim ninguém, nunca, me iria enterrar. E assim veio a suceder. Fui eu, por meu passo, que me encaminhei para a terra. E me deitei como faz a tarde no amolecido chão do rio. Mais antigo que o tempo. Mais longe que o último horizonte. Lá onde nenhuma casa alguma vez engravidou o chão.

1933 Foi um Ano Ruim (John Fante)
Tradução: Lúcia Brito

Peguei o rolo de dinheiro e caminhei de volta até o misturador. Estava surrado e rebentado, como as mãos de meu pai, uma parte da vida dele, tão estranhamente antiga, como que vinda de um país distante, de Torricella Peligna. Coloquei os braços em volta dele, beijei-o com minha boca e chorei por meu pai e por todos os pais, e filhos também, por estarem vivos naquela época, por mim mesmo, porque agora eu tinha que ir para a Califórnia, eu tinha que me dar bem.
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Fonte:  http://www.revistabula.com/10/12/2012

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