sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Sobre como os turistas tornaram-se cegos

Priscila Pasko*

John Ruskin_Divulgação_The Ruskin Museum.jpg
John Ruskin_Divulgação_The Ruskin Museum
 
Muito se vê, porém, quase nada se enxerga. E, partindo da observação precoce, tento, em vão, conservar o sublime através da fotografia. Entendam que este texto não é uma manifestação contra a captação de imagens, mas o pedido para que se dê uma chance ao olhar contemplativo.
 
Apoiado nos textos do crítico de arte, poeta e desenhista inglês John Ruskin (1819- 1900), o filósofo Allain de Botton aborda em seu livro A arte de viajar, entre outras reflexões a respeito das viagens, a necessidade premente que o turista manifesta ao tentar se apoderar da beleza de certos lugares. 

Um impulso dominante ao nos depararmos com a beleza é o desejo de nos agarrar a ela: possui-la e conferir-lhe peso em nossas vidas. Sentimos a necessidade de dizer: ‘eu estive aqui, vi isso e foi importante para mim.’”

Levando em conta que, de fato, o momento seja único, percebo que o turista moderno faz do clique o seu próprio passo e do registro da paisagem o seu olhar. Para ele, nada pode escapar de sua mira. Sem notar, o olhar também se automatiza, pois o tempo de observação se restringe ao da captação da imagem. E o forasteiro segue sua artilharia de pixel. 

Se assim for, bloqueio, portanto, a carga emocional que transfiro ao espaço onde estou. Minhas desilusões, vitórias, amores e perdas: tudo está na paisagem, no detalhe arquitetônico de um prédio, na ruína esquecida ou nas pessoas que cruzam o meu caminho. Eu também sou a paisagem, por isso, ela merece tanta atenção. 

Podemos muito bem ver a beleza apenas abrindo os olhos, mas sua sobrevivência na memória depende de quão intencionalmente a apreendemos.”

Envolvida pela volatilidade do meu olhar, corro o risco de esquecer que nesta odisseia pessoal tenho a chance de me conhecer, já que não estou acomodada no meu meio ambiente. Saio de uma viagem sabendo muito mais de mim do que sobre o local que visito, pois este mantém suas fronteiras definidas e, quase sempre, estanques. Aqui dentro, territórios são anexados, pontes são interrompidas e estradas são construídas. Uma geografia inconstante e permanente. Preciso me conhecer e estar inteira para também saber onde estou.

A viagem não se basta, ela é um processo de translação e intersecção. Eu viajo a algum lugar e lá percorro outros caminhos dentro de mim, fazendo despertar novos trajetos mentais e afetivos. E, quando retorno ao meu lar, já sou outra, assim como o espaço que me rodeia.

Ruskin_ Study of young leaves of plane, in light and shade_© University of Oxford - Ashmolean Museum.jpg
Study of young leaves of plane (1857): na infância, Ruskin amou tanto a aparência 
da grama que quis comê-la_© University of Oxford - Ashmolean Museum

Botton lembra em A arte de viajar que Ruskin destacava que uma das maneiras de se apossar da beleza é entendê-la. O desenhista lastimava a cegueira dos turistas modernos que “se orgulhavam em atravessar a Europa em uma semana”, dizendo que nenhuma mudança de lugar à velocidade de 150 quilômetros faria o homem mais forte, feliz ou sábio.

No mundo, sempre houve mais do que os homens podiam ver, por mais devagar que caminhassem.” 

Ruskin, que publicou dois livros - The elements of drawing (1857) e Elements perspective (1859) - desde a infância sempre esteve atento aos detalhes e às características da natureza. Botton destaca em seu livro que Ruskin ainda criticava a fotografia, dizendo que, ao invés de usá-la como um complemento ao ato ativo e consciente de ver, os turistas a utilizavam como alternativa, prestando menos atenção ao mundo do que antes, confiando que a fotografia automaticamente lhes asseguraria a posse dele.

Muito se vê, porém, quase nada se enxerga. E, partindo da observação precoce, tento, em vão, conservar o sublime através da fotografia. Entendam que este texto não é uma manifestação contra a captação de imagens, mas o pedido para que se dê uma chance ao olhar contemplativo.
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* Jornalista.
Fonte:  http://lounge.obviousmag.org/12/12/2012

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