Priscila Pasko*
John Ruskin_Divulgação_The Ruskin Museum
Apoiado nos textos do crítico de arte, poeta e desenhista inglês John Ruskin (1819- 1900), o filósofo Allain de Botton aborda em seu livro A arte de viajar,
entre outras reflexões a respeito das viagens, a necessidade premente
que o turista manifesta ao tentar se apoderar da beleza de certos
lugares.
“Um impulso dominante ao nos depararmos com a beleza é o desejo
de nos agarrar a ela: possui-la e conferir-lhe peso em nossas vidas.
Sentimos a necessidade de dizer: ‘eu estive aqui, vi isso e foi
importante para mim.’”
Levando em conta que, de fato, o momento seja único, percebo que o
turista moderno faz do clique o seu próprio passo e do registro da
paisagem o seu olhar. Para ele, nada pode escapar de sua mira. Sem
notar, o olhar também se automatiza, pois o tempo de observação se
restringe ao da captação da imagem. E o forasteiro segue sua artilharia
de pixel.
Se assim for, bloqueio, portanto, a carga emocional que transfiro ao
espaço onde estou. Minhas desilusões, vitórias, amores e perdas: tudo
está na paisagem, no detalhe arquitetônico de um prédio, na ruína
esquecida ou nas pessoas que cruzam o meu caminho. Eu também sou a
paisagem, por isso, ela merece tanta atenção.
“Podemos muito bem ver a beleza apenas abrindo os olhos, mas sua
sobrevivência na memória depende de quão intencionalmente a apreendemos.”
Envolvida pela volatilidade do meu olhar, corro o risco de esquecer
que nesta odisseia pessoal tenho a chance de me conhecer, já que não
estou acomodada no meu meio ambiente. Saio de uma viagem sabendo muito
mais de mim do que sobre o local que visito, pois este mantém suas
fronteiras definidas e, quase sempre, estanques. Aqui dentro,
territórios são anexados, pontes são interrompidas e estradas são
construídas. Uma geografia inconstante e permanente. Preciso me conhecer
e estar inteira para também saber onde estou.
A viagem não se basta, ela é um processo de translação e intersecção.
Eu viajo a algum lugar e lá percorro outros caminhos dentro de mim,
fazendo despertar novos trajetos mentais e afetivos. E, quando retorno
ao meu lar, já sou outra, assim como o espaço que me rodeia.
Study of young leaves of plane (1857): na infância, Ruskin amou tanto a aparência
da grama que quis comê-la_© University of Oxford -
Ashmolean Museum
Botton lembra em A arte de viajar que Ruskin
destacava que uma das maneiras de se apossar da beleza é entendê-la. O
desenhista lastimava a cegueira dos turistas modernos que “se orgulhavam
em atravessar a Europa em uma semana”, dizendo que nenhuma mudança de
lugar à velocidade de 150 quilômetros faria o homem mais forte, feliz ou
sábio.
“No mundo, sempre houve mais do que os homens podiam ver, por mais devagar que caminhassem.”
Ruskin, que publicou dois livros - The elements of drawing (1857) e
Elements perspective (1859) - desde a infância sempre esteve atento aos
detalhes e às características da natureza. Botton destaca em seu livro
que Ruskin ainda criticava a fotografia, dizendo que, ao invés de usá-la
como um complemento ao ato ativo e consciente de ver, os turistas a
utilizavam como alternativa, prestando menos atenção ao mundo do que
antes, confiando que a fotografia automaticamente lhes asseguraria a
posse dele.
Muito se vê, porém, quase nada se enxerga. E, partindo da observação
precoce, tento, em vão, conservar o sublime através da fotografia.
Entendam que este texto não é uma manifestação contra a captação de
imagens, mas o pedido para que se dê uma chance ao olhar contemplativo.
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* Jornalista.
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/12/12/2012
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