sábado, 2 de março de 2013

A renúncia do papa e o fim do celibato obrigatório dos padres

Jung Mo Sung*


 
Por que padre não pode casar? Geralmente, a pessoa que faz essa pergunta não sabe a diferença entre o clero religioso, que faz voto de castidade e assume a vida comunitária religiosa, e o clero diocesano ou secular, que não faz votos, mas é obrigado viver o celibato por uma questão de disciplina da igreja católica. Ademais, a pergunta não busca uma resposta objetiva das razões teológicas ou canônicas da obrigatoriedade do celibato. Por detrás dessa pergunta está escondida outra pergunta: pode um homem ou uma mulher vencer, por causa da sua vocação, o seu instinto sexual natural e a necessidade antropológica de sentir-se em uma família?

Talvez um grupo pequeno de pessoas realmente tenha forças para vencer de modo saudável os seus instintos e encontre na vida comunitária religiosa um meio para se sentir em família e assim vivam sua vocação religiosa de modo humanizante. Mas, haverá no mundo o número suficiente de homens para cobrir a necessidade de padres das paróquias e capelas do mundo que sejam capazes de viver sozinhos, ou na companhia de mais um ou dois padres, a vida celibatária? Tanta gente com força suficiente para vencer de modo saudável duas "necessidades” que fazem parte da condição humana?

A resposta tradicional, ou mais comum, é ou costumava ser: se Deus escolheu para o sacerdócio, ele dará forças espirituais para vencer a condição humana. De certa forma, o celibato é ou era a "comprovação” empírica da vocação, a prova de que Deus ainda chama pessoas no meio do seu povo para servi-lo, que ele é especial. Em um mundo em que se acredita cada vez menos no sagrado das religiões tradicionais, o celibato dos sacerdotes é, para muitos, a principal mostra da presença do sagrado na forma tradicional.

Diante de casos cada vez mais públicos de desvio de conduta sexual dos padres, a crítica costuma recair somente sobre pessoas –as que cometeram e as que encobertaram–, mas com pouca discussão sobre essa concepção de vocação em que Deus daria força espiritual para vencer a condição humana natural. As orações e a vida espiritual fariam o ser humano escolhido superar os limites e características da condição humana. A graça sobrenatural anularia as forças e condicionamento do natural.

É contra essa visão de vocação que os motivos dados pelo papa Bento XVI para sua renúncia entra em choque. Ele disse: "Após ter repetidamente examinado minha consciência perante Deus, eu tive certeza de que minhas forças, devido à avançada idade, não são mais apropriadas para o adequado exercício do ministério de Pedro”. Em outras palavras, nem ele, o papa, encontra um caminho "espiritual” para vencer completamente os limites da condição humana para um exercício adequado da sua vocação. Isso significa que a graça sobrenatural não anula os limites, as potencialidades e os condicionamentos da condição humana. A vocação deve ser vivida dentro das condições humanas!

Muitos críticos disseram que, se o papa não tem mais força para exercer e renuncia, o Espírito Santo teria escolhido pessoa errada ou não teria nada a ver com a escolha do papa. Eu não quero entrar em discussão aqui sobre o papel do Espírito Santo na escolha do papa ou na vocação sacerdotal, mas apontar para essa concepção de "chamado” sobrenatural que negaria a condição humana. É essa concepção que a renúncia do papa desconstrói.

A renúncia do papa não pode ser vista somente como um capítulo nas lutas internas no Vaticano ou na Igreja Católica, nem como uma mera "modernização” da administração da Igreja. Alguns da própria igreja chegaram a dizer que a o próximo papa deveria ser um tipo de CEO da Igreja, fazendo das corporações capitalistas o modelo de todas as instituições e da vida social. A renúncia tem implicações teológicas sérias e uma boa consequência poderia ser repensar a disciplina do celibato obrigatório e a exclusividade masculina do clero da Igreja Católica.
-------------
 * Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo. Autor, com Hugo Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus. 
Twitter: @jungmosung.
Fonte: Adital

Nenhum comentário:

Postar um comentário