Jung Mo Sung*
Por que padre não pode casar? Geralmente, a
pessoa que faz essa pergunta não sabe a diferença entre o clero religioso, que
faz voto de castidade e assume a vida comunitária religiosa, e o clero
diocesano ou secular, que não faz votos, mas é obrigado viver o celibato por uma
questão de disciplina da igreja católica. Ademais, a pergunta não busca uma
resposta objetiva das razões teológicas ou canônicas da obrigatoriedade do
celibato. Por detrás dessa pergunta está escondida outra pergunta: pode um
homem ou uma mulher vencer, por causa da sua vocação, o seu instinto sexual
natural e a necessidade antropológica de sentir-se em uma família?
Talvez um grupo pequeno de pessoas
realmente tenha forças para vencer de modo saudável os seus instintos e
encontre na vida comunitária religiosa um meio para se sentir em família e
assim vivam sua vocação religiosa de modo humanizante. Mas, haverá no mundo o
número suficiente de homens para cobrir a necessidade de padres das paróquias e
capelas do mundo que sejam capazes de viver sozinhos, ou na companhia de mais
um ou dois padres, a vida celibatária? Tanta gente com força suficiente para
vencer de modo saudável duas "necessidades” que fazem parte da condição humana?
A resposta tradicional, ou mais comum, é ou
costumava ser: se Deus escolheu para o sacerdócio, ele dará forças espirituais
para vencer a condição humana. De certa forma, o celibato é ou era a
"comprovação” empírica da vocação, a prova de que Deus ainda chama pessoas no
meio do seu povo para servi-lo, que ele é especial. Em um mundo em que se
acredita cada vez menos no sagrado das religiões tradicionais, o celibato dos
sacerdotes é, para muitos, a principal mostra da presença do sagrado na forma tradicional.
Diante de casos cada vez mais públicos de
desvio de conduta sexual dos padres, a crítica costuma recair somente sobre
pessoas –as que cometeram e as que encobertaram–, mas com pouca discussão sobre
essa concepção de vocação em que Deus daria força espiritual para vencer a
condição humana natural. As orações e a vida espiritual fariam o ser humano
escolhido superar os limites e características da condição humana. A graça
sobrenatural anularia as forças e condicionamento do natural.
É contra essa visão de vocação que os
motivos dados pelo papa Bento XVI para sua renúncia entra em choque. Ele disse:
"Após ter repetidamente examinado minha consciência perante Deus, eu tive
certeza de que minhas forças, devido à avançada idade, não são mais apropriadas
para o adequado exercício do ministério de Pedro”. Em outras palavras, nem ele,
o papa, encontra um caminho "espiritual” para vencer completamente os limites
da condição humana para um exercício adequado da sua vocação. Isso significa
que a graça sobrenatural não anula os limites, as potencialidades e os
condicionamentos da condição humana. A vocação deve ser vivida dentro das
condições humanas!
Muitos críticos disseram que, se o papa não
tem mais força para exercer e renuncia, o Espírito Santo teria escolhido pessoa
errada ou não teria nada a ver com a escolha do papa. Eu não quero entrar em
discussão aqui sobre o papel do Espírito Santo na escolha do papa ou na vocação
sacerdotal, mas apontar para essa concepção de "chamado” sobrenatural que
negaria a condição humana. É essa concepção que a renúncia do papa desconstrói.
A renúncia do papa não pode ser vista
somente como um capítulo nas lutas internas no Vaticano ou na Igreja Católica,
nem como uma mera "modernização” da administração da Igreja. Alguns da própria
igreja chegaram a dizer que a o próximo papa deveria ser um tipo de CEO da
Igreja, fazendo das corporações capitalistas o modelo de todas as instituições
e da vida social. A renúncia tem implicações teológicas sérias e uma boa
consequência poderia ser repensar a disciplina do celibato obrigatório e a
exclusividade masculina do clero da Igreja Católica.
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* Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo. Autor, com Hugo Assmann, de "Deus em nós:
o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus.
Twitter:
@jungmosung.
Fonte: Adital
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