Marcelo Gleiser*
Como um apanhado de 80 a 100 bilhões de neurônios gera a experiência que temos de sermos nós?
Gostaria de retornar a um assunto que deixa muita gente perplexa,
inclusive eu: a natureza da consciência e como ela "surge" no nosso
cérebro. Se você acha que sabe a resposta, provavelmente não entende a
questão. Nenhum cientista ou filósofo sabe como respondê-la.
Existem vários modos de formular a questão, mas eis um: como o cérebro,
um apanhado de 80 a 100 bilhões de neurônios, gera a experiência que
temos de sermos nós?
O filósofo australiano David Chalmers chama a questão de "o difícil
problema da consciência". Faz isso para diferenciá-lo dos demais
problemas que poderão ser resolvidos pela pesquisa nas ciências
neurocognitivas e neurocomputacionais. Mesmo que isso possa demorar um
século, o nível de dificuldade não se compara ao do problema que, alguns
especulam, é insolúvel.
Eis alguns dos problemas que Chalmers considera fáceis: a habilidade de
discriminar, categorizar e reagir a estímulos externos; a integração de
informação sensorial; o controle intencional de comportamento; a
diferença entre dormir e estar acordado.
Essas questões são localizadas, passíveis de uma descrição reducionista
de como funcionam partes do cérebro, usando a conexão entre neurônios e
grupos de neurônios.
Henry Markram, na Suíça, recebeu uma bolsa de 1 bilhão de euros para
liderar o Projeto do Cérebro Humano, uma colaboração de centenas de
cientistas que visa criar uma simulação do cérebro humano. Para tal,
eles precisarão de computadores capazes de bilhões de bilhões de
operações por segundo, um fator cerca de 50 vezes maior do que os
supercomputadores mais rápidos do mundo são capazes hoje.
Markram e os "computacionalistas" acreditam que, se o nível de
informação da simulação for suficientemente detalhado, incluindo desde o
trânsito de neurotransmissores entre sinapses até as milhares de
conexões interneuronais em partes diferentes do cérebro, a simulação
funcionará como um cérebro humano dotado de uma consciência tão complexa
quanto a nossa. Markram acredita que o problema "difícil" não existe:
tudo pode ser obtido de neurônio a neurônio.
Apesar de concordar com a relevância científica do projeto de Markram,
não vejo como uma simulação poderá criar uma entidade com consciência
semelhante à humana. Talvez crie algum outro tipo de consciência, mas
não a nossa.
Outro filósofo, Thomas Nagel, mostrou que somos incapazes de perceber a
experiência consciente de outro cérebro. Como exemplo, usou os morcegos,
que constroem sua realidade a partir da ecolocalização. Usando ideias
do linguista Noam Chomsky, que defende a limitação cognitiva de cada
cérebro (por exemplo, um rato jamais poderá falar), Nagel mostra que não
podemos entender o que é "ser" um morcego.
Essa é outra versão do problema de Chalmers, que o filósofo Colin McGinn
chama de "clausura cognitiva". Não existe um modo de capturar a
essência do consciente, pois este não se presta a uma análise metódica
das propriedades do cérebro: está em toda a parte e em nenhuma parte.
Talvez, McGinn especula, uma inteligência mais avançada saiba responder à
pergunta. Mas nós, simulações ou não, temos que viver com o mistério.
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