quinta-feira, 10 de setembro de 2015

André Lara Resende - Entrevista

  André Lara Resende:
economista, ex-ministro de Estado e presidente do Banco Central

"Todo o avanço de duas décadas pode ser perdido se crise não for superada"
Economista do Plano Real alerta, em novo livro, 
para a urgência de se repensar
o papel do Estado, do mal-estar contemporâneo e pede
“desenvolvimento com qualidade de vida e cidadania”
 

Não é o crescimento em alto ritmo, em si, mas a estabilidade, com regras adequadas, que pode conduzir um país ao desenvolvimento. Receitas inspiradas no “Consenso de Washington” ou no “neodesenvolvimento estatal” não resolvem. O que pode ser útil, na atual situação brasileira, é um “reformismo modernizador” – que passa, sim, pelo Estado, pela Previdência, pelos tributos. E no mundo de hoje qualidade de vida não depende mais, necessariamente, de crescimento material. O desenvolvimento tem de incluir “a valorização da cidadania e do espírito público”.

É de ideias assim, entre tantas, que se compõem as 200 páginas de Devagar e Simples, o novo livro do economista André Lara Rezende, recém-lançado pela Cia. das Letras. Avesso a declarações definitivas sobre certos e errados de um mundo que não para de mudar, ele admite, nesta entrevista a Sonia Racy e Gabriel Manzano, que “não está claro quão longa e profunda será a crise brasileira, e muito menos como dela sairemos”. Mas deixa a advertência: “Tudo o que se avançou em duas décadas pode regredir se ela não for superada o quanto antes.”

De mudança para Nova York, onde será sênior visiting professor da School of International and Public Affairsda Universidade Columbia, o filho de Otto Lara Resende (e, talvez, seu maior admirador) André, carioca de 64 anos, ex-banqueiro, ex-integrante de governos brasileiros, está hoje voltado às letras e à reflexão.

O economista também gosta de disputar corridas de carro, está pedalando 240 quilômetros de bicicleta por semana e já praticou salto a cavalo. Um dos pais dos planos Cruzado e Real, ex-presidente do BC que também comandou o BNDES, Lara Rezende avisa: “Não gosto de falar de coisas já feitas e vividas. O que passou, passou. Não sou mais ator de nada”. O que lhe interessa– e ele o diz com ênfase – “é o que temos pela frente”.

Nos 13 capítulos do livro – uma compilação de textos publicados nos últimos 15 anos – seu olhar sobre a economia se entrelaça com história, sociologia e até ciência para, no conjunto, harmonizar uma visão de macroeconomia com um amplo quadro da sociedade e suas circunstâncias.

Muitos títulos dos ensaios falam por si. Como este: Não há lugar para velhos remédios. Ou ainda O otimismo cético: 15 anos de século 21. Há conceitos recorrentes – como o de que “é preciso repensar o papel do Estado”. E o olhar é sempre rigoroso. Ao abordar o medo de se assumir reformas, diz que o preço é “uma mediocridade cautelosa, uma política de pequenos curativos sucessivos, que é frustrante”.

Em um capítulo inédito, Em busca do heroísmo genuíno, Lara Rezende passeia o olhar pelos limites do conhecimento e da percepção, para afirmar: uma possível receita para a vida humana “é ter esperança, apesar de não se saber o que esperar”. Aqui vão os melhores momentos da “conversa” por e-mail. “Falo melhor escrevendo”, justifica. O economista não quis falar sobre a atual situação econômica ou dar receitas para se sair dela. Tampouco se dispôs a discorrer sobre política passada, atual ou futura.

Armínio Fraga e José Roberto Mendonça de Barros mencionaram o “fim de uma era” – ao falar sobre o papel do Estado e a atual crise brasileira. Concorda?

André Lara Resende: O fim de um ciclo parece mais correto. Um ciclo político, que teve início com o fim do regime militar, consolidou-se em torno de dois partidos, o PSDB e o PT, representantes de propostas alternativas para a condução do país, e com o PMDB, como o partido essencialmente sem proposta, pragmático, mas sem o qual é difícil governar.

Mendonça fala em um “modelo heterodoxo que fracassou espetacularmente”. Isso se deveria ao peso da ideologia na formação de muitos economistas?

A.L.R.: Não me parece que classificar propostas de condução macroeconômica como ortodoxas ou heterodoxas ajude na compreensão dos problemas. Ao contrário, na maioria das vezes é uma simplificação esquemática para que se possa, preguiçosamente, tomar partido sem analisar. Classificar de forma caricatural é um artifício recorrente dos que professam crença ideológica. Ideologia e fé têm em comum o horror à análise racional dos fatos.

Que tipo de cenário tem em mente, diante da ideia, admitida por muitos estudiosos, de que nos próximos 12 meses o País vai piorar antes de melhorar?

A.L.R.: É evidente que estamos numa crise séria, com dimensões políticas, econômicas e morais. Ainda não está claro quão longa e profunda será. Muito menos, como dela sairemos.

Em um dos artigos de seu livro, sobre as manifestações de junho, você elegeu a crise de representação e o projeto de Estado que não mais servia à sociedadecomo causas do mal-estar do País. Seu diagnóstico hoje é o mesmo? Ou a crise econômica, mais as Lava Jatos, pedaladas e panelaços tornaram o quadro mais grave?

A.L.R.: As manifestações de meados de 2013 foram a expressão de um mal-estar, quando o País, ainda que aos trancos e barrancos, tinha progredido, superado a inflação crônica, conseguido avanço nos indicadores sociais e queria mais. Queria melhor qualidade de vida, mais mobilidade urbana, mais segurança, melhor educação e serviços públicos de qualidade. Queria também a melhora da representatividade política. Eleições livres são apenas um dos pilares da democracia representativa, mas para que a sociedade se sinta adequadamente representada o Estado e as instituições não podem ser patrimonialistas e arbitrários, criadores de dificuldades de toda ordem. Hoje, infelizmente, a situação é diferente, não progredimos, ao contrário, regredimos e muito. Estamos no início de uma recessão econômica que pode vir a ser profunda e da perspectiva de uma longa estagnação. Tudo o que se avançou nas últimas duas décadas pode regredir se a crise não for superada o quanto antes.

De que modo você compara os desafios de arrumar a economia hoje com os que viveu (com toda a equipe) em 1994, pré-Plano Real? Em termos de espaço político para propor soluções, dificuldades para criá-las, e força para impô-las?

A.L.R.: Os ensaios do meu livro foram escritos nos últimos quinze anos, durante os quais meu objetivo foi tentar compreender e ajudar a compreender os desafios da economia, do Estado e da vida contemporânea. Para isso, tenho certeza, é preciso um distanciamento das pressões da conjuntura, de tudo aquilo que é a matéria-prima do dia a dia da política e do jornalismo. Embora eu considere a verdadeira ação política da mais alta relevância, não sou mais, nem tenho intenção de voltar a ser, ator – no sentido de quem participa diretamente – da vida política. Faltam-nos atores competentes. Assim como diagnosticou Ortega Y Gasset, em A Espanha Invertebrada, sobre a Espanha na primeira metade do século 20, também hoje no Brasil, há uma dramática falta dos “melhores” na política e na vida pública.

Na apresentação do livro, você junta três precondições para o Brasil de hoje: repensar o Estado, valorizar a vida pública e assumir o crescimento como um imperativo. Qual partido, ou qual força social levaria isso adiante hoje?

A.L.R.: Repensar o Estado e valorizar a vida pública são duas questões essenciais no mundo contemporâneo. No Brasil, como em toda parte. Quanto ao crescimento, ao contrário, o que sustento é que é preciso deixar de considerar o crescimento econômico como um imperativo, como a solução de todos os problemas. A qualidade de vida, na grande maioria dos países, mesmo nos de renda média como o Brasil, não está mais necessariamente vinculada ao crescimento material. Não é a maior produção de automóveis que irá aumentar a qualidade de vida – para usar um exemplo gritante – mas sim a qualidade da segurança, da educação, da saúde e da mobilidade urbana.

Ainda em seu livro: em um mundo que respira alta tecnologia e muda a toda hora, “a democracia representativa e o próprio Estado-nação serão questionados e precisarão se adaptar”. No Brasil de hoje, acha que o poder e a sociedade estão se adaptando?

A.L.R.: Aqui, como em toda parte, seremos todos obrigados a nos adaptar. A questão é saber se essa adaptação será inteligente e natural, ou traumática, imposta pela nova realidade.

Você define nos ensaios uma visão velha de mundo, marcada por nacionalismos, crescimento material, consumo supérfluo, embates ideológicos. Considera “possível que o modelo de representação democrática constituído há mais de dois séculos, para sociedades menores e mais homogêneas, tenha deixado de cumprir o seu papel e precise ser revisto”. O que imagina que se poderia pôr no lugar? Tem esperança de que o mundo, em 2050, esteja melhor?

A.L.R.: A menos que venhamos a passar por algum grande cataclismo, ou um novo e agora verdadeiramente mundial conflito armado, o mundo será cada vez mais integrado pela tecnologia da comunicação. O mundo da internet é globalizado, mais do que nunca, um mundo de massas. Os Estados nacionais e a democracia representativa precisam ser repensados e revistos para não ficarem definitivamente anacrônicos.

Em um de seus textos, Em busca do heroísmo genuíno, você repensa os últimos 500 anos do Ocidente e afirma que uma possível receita de vida para os homens “é ter esperança, apesar de não saber o que esperar”. Quanto pesa, nessa percepção, o fato de vivermos em um planeta cujo clima vai piorar e onde os recursos têm prazo de validade?

A.L.R.: “Em busca do heroísmo genuíno” é um texto diferente, por ser mais filosófico. É uma reflexão pessoal, que procura sintetizar as ideias de muitos autores que li, ao longo de muitas décadas, sobre a questão primeira, que é a dos valores e dos objetivos na vida. Não se pode dele nada inferir sobre otimismo ou pessimismo, especialmente sobre a sociedade e a humanidade. São reflexões sobre o caminho individual de cada um de nós, um caminho que não pode ser delegado, que deve ser necessariamente percorrido só consigo mesmo.

O que quis dizer ao sentenciar que o planeta chegou ao seu limite? Como o mundo deve proceder em relação a esse tema? E o Brasil em particular?

A.L.R.: Não tenho a pretensão de sentenciar nada. Parece-me evidente– pois não exige mais do que alguns minutos de análise dos dados – que não poderemos continuar a crescer e utilizar os recursos escassos, como fizemos nos últimos séculos, sem esbarrar nos limites físicos do planeta. Simplesmente isso.
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Fonte: O Estado de S. Paulo – Caderno 2 – Direto da Fonte / Sonia Racy – Segunda-feira, 7 de setembro de 2015 – Pg. C2 – Internet: clique aqui.

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