Entrevista com Daniel Levitin
Neurocientista e professor da McGill University, Montreal (Canadá)
Dr. Daniel Levitin - neurocientista |
Lúcia Guimarães
Folgo e convido minha alma,
deito-me e folgo à vontade vendo
uma lança de capim no estio.
(Canção de mim mesmo, poema de Folhas de Relva de Walt Whitman)
Quem
tem tempo de se espalhar na grama e admirar a lança de capim em vez de
conferir a tela do smartphone? Em 1855, o poeta Walt Whitman não sabia
nem precisava saber o que era ser multitarefas, mas já ensinava, em seu poema clássico, que a mente precisa vadiar.
Vivemos uma era de aceleração de fontes de informação como nenhuma
outra na história da humanidade. Mas o nosso cérebro tem a mesma
capacidade fisiológica de enfrentar esse ataque de dados que tinha o
cérebro do poeta. Em um livro best-seller escrito para você e para mim,
não para cientistas, o celebrado autor Daniel Levitin oferece recursos para impedir que o leitor seja soterrado pela avalanche diária de informação. A Mente Organizada
combina a apresentação das descobertas recentes em estudos sobre o
cérebro e sugere rotinas para assumir o controle do ecossistema de
informação, e não ser controlado por ele. Levitin é um neurocientista, especialista em psicologia cognitivae músico, autor de outro best-seller, A Música no Seu Cérebro.
Ele dirige um laboratório de percepção musical na McGill University, em Montreal, e é cofundador e diretor do programa de Ciências Sociais do Projeto Minerva, universidade fundada em 2012 em San Francisco. O Minerva
é um programa de graduação com 120 alunos que visa a reformar a
educação superior do século 21 para enfrentar as rápidas mudanças em
vários campos de conhecimento. “Não achamos honesto cobrar altas
anuidades de estudantes que, ao se formar em certos campos
profissionais, não podem mais usar o que aprenderam porque seu
conhecimento já está superado”, diz Levitin, em entrevista exclusiva ao Aliás. “Temos foco em pensamento crítico, solução de problemas e 25% do currículo é concentrado em promover a comunicação efetiva.” Engraçado: na era dos nerds esquisitões da tecnologia, uma escola de vanguarda privilegia o diálogo.
Em A Mente Organizada, Levitin observa o que têm em comum as pessoas bem-sucedidas e produtivas.
Sugere estratégias de organizar a memória – esvaziá-la com exercício e
instrumentos que chama de extensões do cérebro, como calendários
eletrônicos, smartphones e cadernos de anotação. Curiosamente, ele
notou, entre seus mais ocupados interlocutores, um apego físico a
objetos analógicos, pequenos cadernos de anotação, fichas, canetas e
lápis. E especula sobre as vantagens de manter esse hábito.
O cérebro precisa de resets [reinícios, reconfigurações] neurais. São esses resets que nos tiram de situações como a de um carro atolado na lama. É frequente, depois de uma pausa de repouso, encontrar a solução para um problema que parecia fora de alcance.
A neurociência, conta Levitin, comprova que contemplar a natureza
oferece um poderoso reset – até mesmo olhar imagens da natureza.
A eficiência em organizar a informação nos torna mais do que produtivos.
É um instrumento de libertação para o ócio, para os momentos em que
podemos contemplar a grama e ter grandes ideias. Como ter inspiração
para escrever o maior clássico da poesia norte-americana.
O mais recente livro do Prof. Daniel Levitin foi publicado, neste ano, aqui no Brasil |
Por que falamos em sobrecarga de informações?
Daniel Levitin:
Para os cientistas, a sobrecarga é a diferença entre a quantidade de
informação com que somos bombardeados e a capacidade do nosso cérebro de
lidar com ela.
O que é a obsolescência evolucionária, que o senhor aponta como parte do obstáculo para lidar com o excesso de informação?
Daniel Levitin:
Todos os organismos vivos estão constantemente se adaptando ao meio
ambiente. A seleção natural exerce influência sobre essa adaptação. Por
exemplo, nós nos adaptamos à erosão da camada de ozônio e pessoas que
adquirirem maior resistência aos raios ultravioleta transmitirão aos
descendentes o gene de sobrevivência a eles. Mas é um longo e lento
processo. Nosso cérebro evoluiu para lidar com um ambiente que existia
há 10, 20 mil anos. O genoma humano precisa de tempo para se adaptar.
Para você ter uma ideia, em 30 anos quintuplicou a quantidade de informação que recebemos a cada dia. Pense nisso como o equivalente a ler 175 jornais de ponta a ponta diariamente. Outro número extraordinário: em 1976, nos Estados Unidos, havia cerca de 9 mil produtos únicos à venda num supermercado. Hoje, há cerca de 40 mil. O consumidor americano, que compra uma média de 150 produtos, tem que navegar entre uma quantidade muito maior de escolhas.
Embora a evolução do cérebro esteja “atrasada”, há duas gerações essa obsolescência era muito menos sentida, certo?
Daniel Levitin:
Vamos considerar um aprendizado que foi necessário para nossos avós.
Eles tiveram que aprender a usar o telefone uma ou duas vezes – tiveram
que fazer chamadas com ajuda de telefonistas e depois aprenderam a
discar. Hoje, os smartphones não param de mudar. Você troca de modelo e
tem que aprender inúmeras funções, que daqui a poucos anos serão
trocadas.
Há
um site chamado “Deixe eu googlar isto pra você” inspirado na
exasperação que muitos sentem quando alguém faz uma pergunta que pode
ser respondida online. Qual a importância de ter tanta informação
disponível em poucos segundos?
Daniel Levitin:
Quando eu cursava a Universidade Stanford, na Califórnia, gostava de
estudar dentro da enorme biblioteca principal. Havia ali respostas para
tudo o que eu queria saber. Mesmo se eu me distraísse e quisesse
conferir algo que não tinha ligação direta com o trabalho em questão,
era preciso levantar, localizar um livro ou publicação num sistema de
classificação. Hoje, a nossa atenção é desviada o tempo todo para novas fontes e isso afeta a possibilidade de recuperar o foco inicial.
Há enorme variação na nossa capacidade de virar a chave da atenção.
Mulheres e jovens tendem a ser mais rápidos do que homens e idosos. Mas
varia muito. Se me distraio de algo, demoro uns cinco minutos para
retomar a concentração.
A
palavra multitarefas, executar várias tarefas ao mesmo tempo, é
indissociável da rotina do século 21. Mas o senhor diz que multitarefas
não passam de ficção.
Daniel Levitin: Não existem multitarefas, é um mito. O cérebro simplesmente não comporta isso. A
pessoa pensa que está lidando com várias coisas ao mesmo tempo quando,
de fato, o cérebro está experimentando rápidas mudanças de foco que mal
percebemos, o que resulta numa atenção fragmentada a várias coisas e
nenhuma atenção sólida a uma que seja. Recentemente ficou provado
que conseguimos prestar atenção a, no máximo, três ou quatro coisas de
uma vez. O cérebro é eficaz em provocar autoilusão. Achamos que estamos
no controle das coisas. Mas executar várias tarefas ao mesmo tempo
libera um hormônio de estresse, o cortisol. O cortisol tem um papel
evolucionário, mas também provoca ansiedade, nervosismo e afeta a
clareza de pensamento. Comparo o ato de fazer várias tarefas ao
mesmo tempo com uma espécie de embriaguez. Há trabalhos que exigem essa
capacidade, como tradutor simultâneo ou controlador de tráfego aéreo. E
não é à toa que, nessas funções, as pessoas são obrigadas a fazer várias
pausas de descanso para recuperar a capacidade de se concentrar.
Pesquisas e testemunhos de pessoas têm reforçado a ideia que: faz bem parar, "reiniciar" o cérebro, contemplar a natureza, a vida, as pessoas. Tudo isso dá novo vigor e criatividade ao cérebro! |
No
entanto, há uma noção de que as pessoas bem-sucedidas, e o senhor
entrevistou mais de 100 para escrever o livro, são as que têm o poder de
acumular mais tarefas do que os outros.
Daniel Levitin:
Exato, mas a história e a ciência de laboratório nos provam o
contrário. Estudos mostram que o trabalho de quem mantém o foco numa
tarefa é mais criativo. Isso vale tanto para grandes empresários,
atletas e inovadores como para artistas. Valia para Da Vinci e
Michelangelo. Olhe para o alto na Capela Sistina, considere grandes
conquistas como o cubismo, a 5ª Sinfonia de Beethoven, a obra de William
Shakespeare – tudo é resultado de atenção sustentada ao longo do tempo.
Por que o senhor diz que as crianças devem aprender na escola, já aos 10 anos, a enfrentar a sobrecarga de informação?
Daniel Levitin:
Qualquer criança alfabetizada sabe que pode encontrar uma informação em
segundos. Mas a maior parte do que está online é desinformação. Ficções
mascaradas de fatos. Até estudantes universitários se deixam confundir.
Recolhem informações sem perguntar quem está por trás. Como saber que a
fonte é confiável? Na escola, os professores devem ensinar, para
começo de conversa, que websites não são iguais. Devem incutir um
questionamento crítico na pesquisa. À medida que os alunos crescem,
vão adquirindo mais nuances para se informar. Por exemplo, se a criança
quer um brinquedo, pode-se ensinar a ela que o website do fabricante não
é a fonte mais confiável sobre a segurança do brinquedo. Antes, no
ecossistema analógico, tínhamos curadores de informação, era mais fácil
distinguir a credibilidade de fontes.
O senhor diz que as pessoas mais produtivas são as que melhor estabelecem prioridades.
Daniel Levitin:
A maioria de nós chega ao trabalho hoje em dia e é bombardeada com o
“por fazer”. É como entrar cambaleando num ambiente em que há muitas
exigências e começamos a atacar o que passa pela frente. Não fazemos um
esforço consciente e deliberado de evitar que o ambiente em volta nos
domine. Isso aumenta o cansaço e diminui a produtividade. Todas as
pessoas altamente bem-sucedidas com quem converso têm em comum o fato de
que elas anotam o que há por fazer e já começam a trabalhar cientes de
prioridades.
O senhor diz que uma ferramenta útil para priorizar são os chamados exercícios de limpeza da mente.
Daniel Levitin: Sim. O David Allen, um guru da produtividade e autor de A Arte de Fazer Acontecer,
aponta para a importância de externalizar a informação. Recomenda
anotar tudo o que está se passando na sua cabeça, coisas que têm a ver
com a tarefa em questão e preocupações que podem distrair a pessoa. É um
processo neurológico, porque o cérebro teme esquecer o que é
importante. Quando o cérebro sabe que a informação foi arquivada
externamente, nas anotações, e o efeito é de nos acalmar, é libertador. Retira o entulho mental que prejudica a atenção.
A sobrecarga de informação se estende ao excesso de objetos. Por que o senhor defende uma gaveta de bagunça?
Daniel Levitin:
Um profissional precisa saber exatamente onde estão seus instrumentos.
Pode ser um cirurgião, um dentista, um bombeiro. Este tipo de
organização nos libera para pensar e tomar decisões. Mas excesso de
organização é contraprodutivo, uma perda de tempo. O importante é deixar visíveis os objetos que utilizamos regularmente.
Quantas vezes você encontra um parafuso, uma peça e não se lembra de
onde vem? Jogue na gaveta de bagunça, a que tem objetos de utilidades
diferentes. Isso é uma forma de fazer economia cognitiva, porque não é preciso classificar tudo.
O senhor aponta a correlação entre eliminar o excesso de informação e de pertences e a felicidade.
Daniel Levitin: Se quiser destilar tudo o que se conhece sobre pessoas que se consideram felizes, a frase é a seguinte: elas se satisfazem com o que têm.
E são as que querem conquistar algo, não receber prêmios e elogios. O
que é diferente de não ter ambição pessoal ou criativa. O empresário Warren Buffett, o terceiro homem mais rico do mundo, com uma fortuna de mais de US$ 70 bilhões, mora na mesma casa há mais de cinco décadas. Ele inventou o neologismo “satisficing”,
sobre as coisas que bastam. Não perde tempo com o que não lhe interessa
e tem uma agenda diária de trabalho quase vazia, de poucas reuniões,
que o deixa livre para ser produtivo.
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Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 13 de setembro de 2015 – Pg. E2 – Internet: clique aqui.
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