Para Andrew Morlet, o lixo não é um caso de mau comportamento: demonstra um sistema que ainda não funciona - Fernando Lemos / Agência O Globo
Especialista em ‘economia circular’, presidente
de fundação no Reino Unido, australiano veio ao Rio apresentar novo modelo
econômico para a cidade
“Nasci na Austrália e
moro na Ilha de Wight, na costa sul inglesa, com minha esposa. Sou mestre em
psicologia e trabalhei como pesquisador em epidemiologia antes de me tornar CEO
da Fundação Ellen MacArthur, que propõe mudanças no manejo e no
reaproveitamento do lixo urbano através do conceito da economia circular”
Conte algo que
não sei.
O lixo eletrônico não
será um problema no futuro. Afinal, ele é cobiçado, tem valor alto: há U$ 16
mil de ouro embutidos em uma tonelada de lixo eletrônico. É rentável
reaproveitá-lo. O grande problema para as cidades e a natureza é o plástico,
que existe em volume muito maior e é caro e difícil para reciclar.
Quais as cifras do plástico?
Hoje, após 40 anos de
reciclagem, só 10% das garrafas são de fato recicladas no mundo. Outros tipos
de plástico, menos de 1%. É preciso resolver com urgência o problema da emissão
e do acúmulo, mas não será através da diminuição da produção.
De que
maneira, então?
É aí que entra a
economia circular, que é diferente de sustentabilidade. O problema do lixo é
uma questão de design.A solução não é reduzir a quantidade de materiais, mas,
sim, pensar em um redesign para eles. Redesenhá-los para, desde a concepção,
ter como objetivo reaproveitá-los e ganhar um alto valor ao fim de seu uso.
Dê exemplos.
Já que plásticos são
lançados no mar, é preciso repensar sua composição de origem, para que não
causem tanto impacto. Isso é possível com a mudança das combinações dos
materiais e dos tipos de coleta. Não precisamos mais desenvolver embalagens que
durem 400 anos. Façamos com materiais biológicos, que podem ser despejados
junto com os alimentos.
Estamos
preparados?
Preparados e
apressados: em 2025 a previsão é que tenhamos uma tonelada de plástico para
cada três toneladas de peixes no oceano. É um acúmulo grave. Todos os sistemas
naturais complexos, há bilhões de anos, têm um ciclo regenerador. Não há lata
de lixo na natureza. Então, proponho às cidades e às companhias a aplicação
dessa ideia aos sistemas tecnológicos: usar os materiais técnicos como
nutrientes para a economia.
O que há de
utopia e o que há de plausível nisso?
Não há utopia. A
tecnologia tornou isso mais fácil. Mas não creio que isso se realize por razões
sustentáveis e, sim, por uma questão de negócios. O Airbnb, por exemplo,
aproveitou os espaços domésticos, criando um novo mercado. O Uber é outro
exemplo. É essa a síntese do modelo da economia circular: ter um fim econômico
positivo para ações além dos benefícios para o meio ambiente.
O lixo está
mais na matéria ou na mentalidade?
Na matéria,
absolutamente. E no sistema. Lixo não é questão moral. É um desafio macro, de
reformulação das indústrias.
O que o lixo
de uma pessoa diz sobre ela? O que seu lixo diria sobre você?
Lixo não é um caso de
mau comportamento. O lixo de qualquer pessoa demonstra que ela vive num sistema
que ainda não funciona. O meu lixo é como o de todo mundo: cheio de coisas que
não posso aproveitar. Como reciclar materiais que não foram desenvolvidos para
serem reciclados?
Como analisa o
lixo do Rio?
Não é diferente de
nenhuma cidade: é reflexo de oportunidades não aproveitadas. Inclusive no caso
de materiais valiosos, como ouro, descartados em locais inapropriados. Eu diria
que aqui a vantagem é que pelo menos o lixo está evidente: você vai à praia, vê
muitos canudos e sacolas, e entende o plástico como um problema sistêmico:
plástico é impossível de coletar, pela sua grande quantidade.
--------------
Reportagem por Gabriela Leal
Fonte: Jornal O Globo online, 11/09/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário