sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Andrew Morlet, psicólogo e consultor : 'O problema do lixo é uma questão de design'

Para Andrew Morlet, o lixo não é um caso de mau comportamento: demonstra um sistema que ainda não funciona Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo

Para Andrew Morlet, o lixo não é um caso de mau comportamento: demonstra um sistema que ainda não funciona - Fernando Lemos / Agência O Globo

Especialista em ‘economia circular’, presidente de fundação no Reino Unido, australiano veio ao Rio apresentar novo modelo econômico para a cidade

“Nasci na Austrália e moro na Ilha de Wight, na costa sul inglesa, com minha esposa. Sou mestre em psicologia e trabalhei como pesquisador em epidemiologia antes de me tornar CEO da Fundação Ellen MacArthur, que propõe mudanças no manejo e no reaproveitamento do lixo urbano através do conceito da economia circular” 

Conte algo que não sei.
O lixo eletrônico não será um problema no futuro. Afinal, ele é cobiçado, tem valor alto: há U$ 16 mil de ouro embutidos em uma tonelada de lixo eletrônico. É rentável reaproveitá-lo. O grande problema para as cidades e a natureza é o plástico, que existe em volume muito maior e é caro e difícil para reciclar. 

Quais as cifras do plástico?
Hoje, após 40 anos de reciclagem, só 10% das garrafas são de fato recicladas no mundo. Outros tipos de plástico, menos de 1%. É preciso resolver com urgência o problema da emissão e do acúmulo, mas não será através da diminuição da produção.

De que maneira, então?
É aí que entra a economia circular, que é diferente de sustentabilidade. O problema do lixo é uma questão de design.A solução não é reduzir a quantidade de materiais, mas, sim, pensar em um redesign para eles. Redesenhá-los para, desde a concepção, ter como objetivo reaproveitá-los e ganhar um alto valor ao fim de seu uso.

Dê exemplos.
Já que plásticos são lançados no mar, é preciso repensar sua composição de origem, para que não causem tanto impacto. Isso é possível com a mudança das combinações dos materiais e dos tipos de coleta. Não precisamos mais desenvolver embalagens que durem 400 anos. Façamos com materiais biológicos, que podem ser despejados junto com os alimentos.

Estamos preparados?
Preparados e apressados: em 2025 a previsão é que tenhamos uma tonelada de plástico para cada três toneladas de peixes no oceano. É um acúmulo grave. Todos os sistemas naturais complexos, há bilhões de anos, têm um ciclo regenerador. Não há lata de lixo na natureza. Então, proponho às cidades e às companhias a aplicação dessa ideia aos sistemas tecnológicos: usar os materiais técnicos como nutrientes para a economia. 

O que há de utopia e o que há de plausível nisso?
Não há utopia. A tecnologia tornou isso mais fácil. Mas não creio que isso se realize por razões sustentáveis e, sim, por uma questão de negócios. O Airbnb, por exemplo, aproveitou os espaços domésticos, criando um novo mercado. O Uber é outro exemplo. É essa a síntese do modelo da economia circular: ter um fim econômico positivo para ações além dos benefícios para o meio ambiente.

O lixo está mais na matéria ou na mentalidade?
Na matéria, absolutamente. E no sistema. Lixo não é questão moral. É um desafio macro, de reformulação das indústrias.

O que o lixo de uma pessoa diz sobre ela? O que seu lixo diria sobre você?
Lixo não é um caso de mau comportamento. O lixo de qualquer pessoa demonstra que ela vive num sistema que ainda não funciona. O meu lixo é como o de todo mundo: cheio de coisas que não posso aproveitar. Como reciclar materiais que não foram desenvolvidos para serem reciclados?

Como analisa o lixo do Rio?
Não é diferente de nenhuma cidade: é reflexo de oportunidades não aproveitadas. Inclusive no caso de materiais valiosos, como ouro, descartados em locais inapropriados. Eu diria que aqui a vantagem é que pelo menos o lixo está evidente: você vai à praia, vê muitos canudos e sacolas, e entende o plástico como um problema sistêmico: plástico é impossível de coletar, pela sua grande quantidade.
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Reportagem por Gabriela Leal 
Fonte: Jornal O Globo online, 11/09/2015

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