O
intelectual pós-moderno
Juremir
Machado da Silva
Em
2014, Michel Maffesoli, professor na Sorbonne e um dos grandes teóricos da
pós-modernidade, lançou na França, junto com sua mulher, Hélène Strohl, um
livro que provocou polêmicas incendiárias. “O Conformismo dos Intelectuais”(
Sulina) chega agora no Brasil. Com a violência de um panfleto, dispara uma
artilharia pesada contra o modismo, a covardia e o compadrismo dos
intelectuais. Nada escapa.
Caderno
de Sábado – Os intelectuais não conseguem se separar de uma utopia controlada e
alimentada pelo Estado? É uma dependência?
Michel
Maffesoli – Não são só os intelectuais, mas toda uma elite (políticos,
gestores, jornalistas, acadêmicos) que ainda funcionam baseados no antigo
esquema da modernidade: uma sociedade de indivíduos, ligados por um contrato
social, que dependem do Estado para o exercício da função de coesão e de
solidariedade. Os intelectuais, assim como o restante dessa elite, tiram o
poder que têm dessa relação com o Estado. Compreende-se, então, que sofram para
aceitar as evoluções em curso na sociedade. Vê-se muito bem, entretanto, que o
individualismo cede lugar aos princípio da alteridade e da tribo. Não é mais o
Estado que tem o papel principal na vida das pessoas, mas diferentes
comunidades (tribos), às quais cada um de nós pertence em dado momento.
CS –
Nessa postura clássica do intelectual de esquerda apegado à ideia de
emancipação pelo Estado há certo conservadorismo?
Maffesoli
– Os intelectuais de esquerda não são reacionários, mas são, com frequência,
conservadores. Digo isso no sentido de que eles não querem ver as coisas como
elas são, mas querem que elas sejam como eles gostariam que fossem: uma
sociedade imutável para a qual eles devem dizer como agir e pensar. Estou
acostumado a fazer, como faço neste livro, a diferença entre a opinião pública,
o povo, todos nós, e a opinião publicada, a de todos os que têm o poder de
dizer as coisas e de fazer, as elites, os intelectuais, os políticos, a mídia e
os gestores. Essas elites se agarram ao poder e não percebem a grande potência
das mudanças em curso por toda parte na sociedade.
CS –
Qual deve ser o papel do intelectual na pós-modernidade?
Maffesoli
– O intelectual não pode mais querer ser uma vanguarda nem ser o guia das
classes populares. Isso não corresponde nem à nova organização social, muito
mais horizontal, na qual o saber não pode mais ser afirmado com argumentos de
autoridade, nem, de resto, à situação real dos intelectuais, que são, em geral,
os últimos a compreender o que está acontecendo no mundo pós-moderno. Apesar
disso, considero que é o nosso papel de intelectuais encontrar as palavras
justas para descrever o que está aí. Servir de eco ao que se diz e ao que se
faz no cotidiano. É, sem dúvida, um papel menos glorioso que o do intelectual “engajado”
do pós –guerra, em especial de todos os movimentos esquerdistas maoístas,
leninistas, trotskistas e outros. Não podemos esquecer que esses intelectuais
engajados, tendo o filósofo Jean-Paul Sartre à frente, defenderam os piores
tipos de barbárie, os gulags stalinistas, Pol Pot, o castrismo, a revolução
cultural chinesa. O papel dos intelectuais na pós-modernidade não é certamente
aquele prezado pelos velhos militantes, que não se constrangem de esquecer os
seus erros mortíferos e continuam querendo ditar o que as pessoas devem pensar
e fazer. O papel do intelectual deve ser capaz de compreender o que está
acontecendo e, humildemente, transmitir isso. Ele não está à frente da
sociedade, mas no meio dela.
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Fonte: Correio do Povo, Cad. de Sábado, 05/09/2015, pág.2.
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