Mauro Santayana*
Europa de hoje não está colhendo mais do que plantou
Embora não o admita - principalmente os países que participaram
diretamente da sangrenta imbecilidade - a Europa de hoje, nunca antes
sitiada, por tantos estrangeiros, desde pelo menos os tempos da queda de
Roma e das invasões bárbaras - não está colhendo mais do que plantou,
ao secundar a política norte-americana de intervenção, no Oriente Médio e
no Norte da África.
Não tivesse ajudado a invadir, destruir,
vilipendiar, países como o Iraque, a Líbia, e a Síria; não tivesse
equipado, com armas e veículos, por meio de suas agências de espionagem,
os terroristas que deram origem ao Estado Islâmico, para que estes
combatessem Kadafi e Bashar Al Assad, não tivesse ajudado a criar o
gigantesco engodo da Primavera Árabe, prometendo paz, liberdade e
prosperidade, a quem depois só se deu fome, destruição e guerra,
estupros, doenças e morte, nas areias do deserto, entre as pedras das
montanhas, no profundo e escuro túmulo das águas do Mediterrâneo, a
Europa não estaria, agora, às voltas com a maior crise humanitária deste
século, só comparável, na história recente, aos grandes deslocamentos
humanos que ocorreram no fim da Segunda Guerra Mundial.
Lépidos e
fagueiros, os Estados Unidos, os maiores responsáveis pela situação,
sequer cogitam receber - e nisso deveriam estar sendo cobrados pelos
europeus - parte das centenas de milhares de refugiados que criaram, com
sua desastrada e estúpida doutrina de "guerra ao terror", de
substituir, paradoxalmente, governos estáveis por terroristas,
inaugurada pelo "pequeno" Bush, depois do controvertido atentado às
Torres Gêmeas.
Depois que os imigrantes forem distribuídos, e se
incrustarem, em guetos, ou forem - ao menos parte deles - integrados, em
longo e doloroso processo, que deverá durar décadas, aos países que os
acolherem, a Europa nunca mais será a mesma.
Por enquanto,
continuarão chegando à suas fronteiras, desembarcando em suas praias,
invadindo seus trens, escalando suas montanhas, todas as semanas,
milhares de pessoas, que, cavando buracos, e enfrentando jatos de água,
cassetetes e gás lacrimogêneo, não tendo mais bagagem que o seu sangue e
o seu futuro, reunidos nos corpos de seus de seus filhos, irão cobrar
seu quinhão de esperança e de destino, e a sua parte da primavera, de um
continente privilegiado, que para chegar aonde chegou, fartou-se de
explorar as mais variadas regiões do mundo.
É cedo para dizer
quais serão as consequências do Grande Êxodo. Pessoalmente, vemos toda
miscigenação como bem-vinda, uma injeção de sangue novo em um continente
conservador, demograficamente moribundo, e envelhecido.
Mas é
difícil acreditar que uma nova Europa homogênea, solidária, universal e
próspera, emergirá no futuro de tudo isso, quando os novos imigrantes
chegam em momento de grande ascensão da extrema-direita e do fascismo, e
neonazistas cercam e incendeiam, latindo urros hitleristas, abrigos com
mulheres e crianças.
Se, no lugar de seguir os EUA, em sua
política imperial em países agora devastados, como a Líbia e a Síria, ou
sob disfarçadas ditaduras, como o Egito, a Europa tivesse aplicado o
que gastou em armas no Norte da África e em lugares como o Afeganistão,
investindo em fábricas nesses mesmos países ou em linhas de crédito que
pudessem gerar empregos para os africanos antes que eles precisassem se
lançar, desesperadamente, à travessia do Mediterrâneo, apostando na paz e
não na guerra, o velho continente não estaria enfrentando os problemas
que enfrenta agora, o mar que o banha ao sul não estaria coalhado de
cadáveres, e não existiria o Estado Islâmico.
Que isso sirva de
lição a uma União Europeia que insiste, por meio da OTAN, em continuar
sendo tropa auxiliar dos EUA na guerra e na diplomacia, para que os
mesmos erros que se cometeram ao sul, não se repitam ao Leste, com o
estímulo a um conflito com a Rússia pela Ucrânia, que pode provocar um
novo êxodo maciço em uma segunda frente migratória, que irá multiplicar
os problemas, o caos e os desafios que está enfrentando agora.
As
desventuras das autoridades europeias, e o caos humanitário que se
instala em suas cidades, em lugares como a Estação Keleti Pu, em
Budapeste, e a entrada do Eurotúnel, na França, mostram que a História
não tolera equívocos, principalmente quando estes se baseiam no
preconceito e na arrogância, cobrando rapidamente a fatura daqueles que
os cometeram.
Galinha que acompanha pato acaba morrendo afogada.
É isso que Bruxelas e a UE precisam aprender com relação a Washington e aos EUA.
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* Jornalista
Fonte: JB online, 03/09/2015
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