De lá, voou para os Estados Unidos, onde foi recebido por
Barrack Obama, rezou em frente à Casa Branca, para uma multidão de fiéis, e
discursou, durante uma hora, sendo várias vezes interrompido por aplausos, no
Congresso norte-americano.
Falou também em Nova York, na tribuna das Nações Unidas,
denunciando a "asfixia" imposta pelo sistema financeiro
internacional, e no Marco Zero das Torres Gêmeas, reverenciando as vítimas do
11 de setembro, lembrando, no entanto,
ao lado de sacerdotes judeus e muçulmanos, que "a vida está sempre
destinada a triunfar sobre os profetas da destruição", que devemos ser
“forças da reconciliação, da paz e da justiça", e que é preciso se
"livrar dos sentimentos de ódio, vingança e rancor" para alcançar
"a paz, neste mundo vasto que Deus nos deu como casa de todos e para
todos".
Não foi apenas pela proximidade geográfica que o Papa fez
questão de ir a Cuba e aos EUA, em um único périplo.
Ao escolher visitar, praticamente ao mesmo tempo, o país
mais bem armado do mundo, e a pequena ilha do Caribe, que sobrevive, há
décadas, em frente à costa dos Estados Unidos, com um projeto alternativo, que
não segue a cartilha do "American Way of Life", o Papa quis mostrar
que não existem países mais importantes que os outros, e que todas as nações
têm direito a buscar seu próprio caminho para o desenvolvimento, que pode estar
simbolizado tanto por grandes foguetes e naves espaciais, como pela eliminação
do analfabetismo, uma medicina de qualidade, o aumento da expectativa de vida de
seus habitantes, ou um dos mais baixos índices de mortalidade infantil do
mundo.
É esse desejo, de paz na diversidade, tão presente na viagem
do Papa, que fez com que Francisco tenha participado ativamente do processo de
reaproximação diplomática entre os Estados Unidos e Cuba, concretizado com a
recente reabertura da embaixada dos EUA, com a presença do Vice-presidente
norte-americano, Joe Biden, em Havana.
O seu protagonismo foi reconhecido em discurso, nos jardins
da Casa Branca, pelo próprio presidente dos Estados Unidos, que agradeceu a
contribuição do Papa nesses acordos, que representam um dos momentos mais marcantes da história
recente.
O Papa Francisco também está por trás - por seu reiterado e
decidido apoio - de outro episódio inédito, de grande importância para o
continente, ocorrido em Havana, apenas um dia após a sua partida: o aperto de
mão, na presença do Presidente cubano Raul Castro como mediador, entre o Presidente da Colômbia, Juan Manuel
Santos, e o líder guerrilheiro e comandante das FARC - Forças Armadas
Revolucionárias, Rodrigo Londoño, também conhecido como Timoshenko, que sela a contagem regressiva para a
conquista de uma paz definitiva, depois de mais de 50 anos de guerra civil, em
um dos principais países latino-americanos.
É claro que os dois fatos - a reaproximação entre Cuba e os
EUA e entre o governo colombiano e as FARC - não podem agradar aos babosos,
ignorantes e hipócritas anticomunistas de sempre, que, movidos por outros
interesses, como a permanente gigolagem de fantasmas da Guerra Fria,
prefeririam ver os Estados Unidos tentando outra frustrada invasão da ilha,
quem sabe armando grupelhos radicais de vetustos, obtusos e anacrônicos
anticastristas de Miami, ou aumentando sua presença militar na Colômbia, transformando aquela nação em uma espécie de Vietnam
sul-americano.
Daí, por isso, o ódio dos conservadores, fundamentalistas e
tradicionalistas católicos contra Francisco, um latino-americano tão
independente com relação aos EUA, que nunca tinha pisado o território
norte-americano antes desta semana, e que, mesmo assim, teve a honra de ser
primeiro pontífice a ser recebido e a falar diretamente, como líder estrangeiro
de uma religião que não é a mais importante nos EUA, para dezenas de deputados
e senadores, dentro do edifício do
Capitólio.
Em um mundo em que países que alegam defender a democracia
bombardeiam e destroem outras nações, metendo-se em seus assuntos internos,
armando mercenários e terroristas para derrubar governos que consideram hostis,
sem levar em conta o terrível balanço de suas ações, em mortes, torturas,
estupros e na "produção" de milhões de refugiados; em que esses
mesmos refugiados morrem sem ter para onde ir, em desertos, montanhas,
fronteiras ou mares como o Mediterrâneo, e são recebidos, muitas vezes, a
patadas por onde chegam, ou mantidos em
cercados disputando no braço um naco de pão para seus filhos, que a polícia
lhes atira, com luvas de borracha, como se fossem cães; em que o egoísmo, o
fascismo, a arrogância, o ódio, a hipocrisia, a mentira, renascem com renovada
força, e muitos não tem mais vergonha de pregar o individualismo, o consumismo,
uma pseudo "meritocracia" como doutrina a justificar a exclusão, na
busca enriquecimento individual e material a qualquer preço - como se o destino
de cada um dependesse apenas de si mesmo, e em nada do meio que o cerca ou das
forças terrenas que o governam, explorando-o ou enganando-o, de forma
permanente, e a humanidade não fosse uma construção coletiva, fruto de centenas
de gerações que nos antecederam - Francisco, que une no lugar de dividir, que
ri, em vez de fazer cara feia, que prega
a paz e a solidariedade no lugar do ódio, da vingança e da cobiça, é um farol a
iluminar o que resta de sensatez na espécie humana - uma bússola para indicar o
caminho nestes tempos sombrios, em que as forças do ódio e do atraso insistem
em tentar impedir que amanheça, neste novo Século, um novo dia.
Que seu pontificado dure muitos e muitos anos, já que o
mundo e a História poucas vezes precisaram tanto, diante de tanto preconceito e
ignorância, de um Papa como ele à frente da Igreja Apostólica Romana.
O diabo, se existir, deve estar espumando pela boca, e
esbravejando impropérios que só ele
conhece, pelos nove círculos do Inferno.
De nada adiantou que, eventualmente, tenha tentado cardeais
ou soprado segredos e sortilégios no ouvido daqueles que votaram no último
Conclave.
Francisco está onde está - no lugar em que o Mal não queria
ver, nunca, um homem como ele:
À frente do Vaticano, no trono de São Pedro, com a Estola, o
Anel do Pescador e o Báculo que o sustenta quando se move, com a certeza de que
Deus caminha a seu lado, Peregrino da Paz, contra a insanidade do mundo.
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* Jornalista
Fonte: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2015/09/25/o-peregrino/
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