Zygmunt Bauman: internet abala atenção, paciência e
perseverança para construir um conhecimento sólido -
Foto Pablo Jacob / Agência
O Globo
Para pensador polonês Zygmunt Bauman,
internet dificulta a lida diária com a realidade
Uma
busca no Google com os termos “O que é modernidade líquida?” rende 187 mil
resultados em 0,34 segundo. São, todos eles, “fragmentos de conhecimento”, na
visão do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que discursou neste sábado para um
auditório lotado na Escola Sesc de Ensino Médio durante o encontro
internacional Educação 360, realizado pelos jornais O GLOBO e “Extra” em
parceria com a prefeitura do Rio e o Sesc, com apoio da TV Globo e do Canal
Futura. O filósofo defende que “não vamos nos livrar da realidade” e que “o
problema é como utilizar”.
—
A educação é vítima da modernidade líquida, que é um conceito meu. O pensamento
está sendo influenciado pela tecnologia. Há uma crise de atenção, por exemplo.
Concentrar-se e se dedicar por um longo tempo é uma questão muito importante.
Somos cada vez menos capazes de fazer isso da forma correta — disse o pensador.
— Isso se aplica aos jovens, em grande parte. Os professores reclamam porque
eles não conseguem lidar com isso. Até mesmo um artigo que você peça para a
próxima aula eles não conseguem ler. Buscam citações, passagens, pedaços.
Como
o próprio Bauman mencionou, a modernidade líquida — definida nos resultados do
Google como a época em que vivemos, caracterizada por “volatilidade” ,
“incerteza” e “insegurança” — norteou as obras do filósofo; ele escreveu cerca
de 30 livros apenas em torno dessa maneira de enxergar a
contemporaneidade.
—
Não há como contestar que a internet nos trouxe grandes vantagens. A facilidade
de acesso à informação, a facilidade com que podemos ignorar as distâncias...
Lembro-me de que, quando era jovem, passava muito tempo na biblioteca tentando
ler cem livros para encontrar um pedacinho de informação de que precisava.
Agora, basta pedir para o Google. Em décimos de segundo ele dá milhares de
respostas. Um problema foi eliminado: nós não precisamos passar horas na
biblioteca. Mas há um novo problema. Como vou compreender essas milhares de
respostas? — questionou Bauman, logo recorrendo à Grécia Antiga para para
continuar. — Só agora, idoso, consegui entender Sócrates: “Só sei que nada
sei”.
Há ainda, na visão de Bauman, outras crises que chegam com a internet e precisam ser superadas. O filósofo defende que vivemos com cada vez menos paciência, pela quantidade de informação que recebemos ao mesmo tempo. E, quando não temos isso, o resultado é a irritação.
—
Se demoramos mais de um minuto para acessar a internet quando ligamos o
computador, ficamos furiosos. Um minuto só! Nosso limiar de paciência diminuiu.
As informações mais bem-sucedidas, que têm mais probabilidade de serem
consumidas, são apenas pedaços — diz o polonês. — Outra coisa é a persistência.
Conseguir algo contém em si um número de fracassos que faz com que você perca
tempo e tenha que recomeçar do zero. E isso é muito complicado. Não é fácil
manter essa persistência nesse ambiente com tanto ruído e tantas informações
que fluem ao mesmo tempo de todos os lados.
Todo
esse novo cenário, explicou o pensador à plateia de educadores, desafia e
transforma a posição secular do docente. Para Bauman, “não há como voltar à
situação em que o professor é o único conhecedor, a única fonte, o único guia”.
E dá caminhos:
—
Não há como conceber a sociedade do futuro sem tecnologia. Então, se não pode
vencê-la, una-se a ela. Tente contrabalancear o impacto negativo, como a crise
da atenção, da persistência e de paciência. É preciso ter determinadas
qualidades se você deseja construir conhecimento e não só agregá-lo: paciência,
atenção e a habilidade de ocupar esse local estável, sólido, no mundo que está
em constante movimento. É preciso trabalhar a capacidade de se manter focado.
Educação
desigual
Hoje,
de acordo com o filósofo, a educação reproduz privilégios em vez de aperfeiçoar
a sociedade. Ele lembra que, nos EUA, 70% dos alunos na universidade vêm das
classes mais altas, enquanto só 3% são das camadas de renda mais baixa. Segundo
Bauman, essa é “uma forma de reafirmar a desigualdade social”, tema do livro “A
riqueza de poucos favorece a todos nós?”, o mais recente lançamento (no mês
passado) do escritor no Brasil.
—
Uma das tarefas da educação é conferir a todas as pessoas que tenham talento a
possibilidade de adquirir conhecimento para que isso acabe tendo um uso
criativo para a sociedade. Mas esse objetivo não está sendo perseguido em
muitos lugares. Na Grã-Bretanha, os preços, em vez de diminuírem para as
pessoas com menos dinheiro, vão subindo. E cada vez menos pais têm a
possibilidade de economizar a quantia necessária para seus filhos cursarem a
universidade.
O
problema, segundo Bauman, é que a educação está pressionada pela política e
pelos interesses corporativos. E isso, explica ele, se reflete na mente do
estudante. O polonês critica o fato de os alunos escolherem a área de estudos
baseados “no fato de se vão conseguir emprego ou não”.
—
Se você quer conhecimentos especializados, que são as condições para um bom
emprego, precisa estudar quatro ou cinco anos, e isso requer muito esforço.
Mas, se você está sendo guiado pelo atual estado de coisas, tudo vai mudar
nesse tempo de estudo. E você vai perceber que não vai conseguir encontrar um
uso rentável para o tipo de qualificação e habilidade que adquiriu nesses anos
de trabalho árduo na faculdade — argumenta.
Mesmo
após toda essa lista de desafios, a mensagem que o dono de uma das mais
influentes mentes no mundo deixou para o auditório na noite de ontem foi de
pura esperança:
—
Educar, senhoras e senhores, é fazer um investimento nos próximos cem anos.
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Por
Bruno Alfano*
(*)
Do “Extra”
Fonte:
Jornal O Globo online, 12/09/2015
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