Entrevista com Massimo Faggioli - Teólogo e Historiador
da Igreja Católica dos EUA
A
visita que o papa Francisco fará aos Estados Unidos da América (EUA) a partir
de amanhã terá o objetivo de construir ligações entre o pontífice e
segmentos da população que veem com desconfiança suas posições, avalia
Massimo Faggioli, professor de Teologia da Universidade de St. Thomas,
em Minnesota. “A maioria dos bispos americanos não gosta dele e muitos
católicos americanos não o entendem”, disse Faggioli, especialista em
história da Igreja Católica e autor de livros sobre o assunto, em entrevista ao
jornal O Estado de S. Paulo. Faggioli acredita que os principais temas
da vista aos EUA serão a questão ambiental, a justiça social e a economia
moderna, mas espera que Francisco use uma linguagem diferente da usada em
sua visita à Bolívia. A seguir, trechos da entrevista.
Quais
serão os principais temas da visita do papa aos EUA?
Massimo
Faggioli: Criar
uma relação de Francisco com a igreja nos EUA, uma relação que tem sido difícil
desde o começo. Não apenas porque o papa é da América Latina, e americanos
tendem a ter uma perspectiva particular sobre a região, mas porque ele é um
católico latino-americano radical. A maioria dos bispos americanos não gosta
dele e muitos católicos americanos não o entendem, não confiam em seu
julgamento em questões como aborto, sexo e dinheiro. Acredito que ele
tentará ser mais compreendido, não colocará ênfase nos temas tratados
normalmente pelos bispos nos EUA, como casamento entre pessoas do mesmo sexo e
aborto. O foco deverá ser a questão ambiental, a economia moderna e a justiça
social.
A tensão
existe porque ele tem uma visão mais tolerante?
Massimo
Faggioli: Não
diria mais tolerante, mas ele sabe que nas últimas duas ou três décadas a
Igreja Católica se tornou um agente da moralidade, o que afastou muitas
pessoas. Em termos de estratégia, a Igreja tem de mudar a linguagem.
Também há a ideia de que quando falamos dos temas sexualidade e aborto, não
podemos fazer julgamentos sem entender o contexto. Para o papa, esse contexto é
como a sociedade e a economia moderna se desenvolvem. Na carta do jubileu sobre
aborto, ficou claro que ele sabe as dificuldades de mulheres que não têm outra
escolha além do aborto. Ele não trata essas questões de maneira abstrata,
elas são parte de situações existenciais complexas – pessoas não têm dinheiro,
acesso à assistência médica. Nos EUA, isso não foi feito pelos líderes da
Igreja.
Eles
tendem a ser mais conservadores?
Massimo
Faggioli: É a ideia
típica da cultura conservadora dos EUA de que tudo gira em torno da
responsabilidade pessoal. Se você é pobre, é porque não trabalha. Se fez um
aborto, é porque não acredita que isso seja ruim. Francisco tem um
entendimento mais social. Se queremos tratar da questão da família, do
casamento e do aborto, temos que falar do sistema social que às vezes obriga as
pessoas a tomarem essas decisões ruins. Isso os bispos dos EUA não fazem. Em
grande parte eles usam uma linguagem conservadora para apresentar essas
questões – você tomou essas decisões e só você é responsável por elas. A
linguagem do papa é diferente. Ele não mudou o que a Igreja diz sobre aborto,
mas mudou a maneira como devemos tratar o problema.
A
parcela de católicos na população dos EUA está diminuindo?
Massimo
Faggioli: Não
está reduzindo graças aos imigrantes da América Latina. Sem eles, a Igreja
Católica nos EUA seria muito menor. Se ainda é grande, isso se deve em grande
parte aos imigrantes.
Muitas
posições do papa coincidem com prioridades da agenda política do presidente
Barack Obama. Há o risco de o papa afastar os republicanos?
Massimo
Faggioli: O
risco existe e ele já afastou alguns católicos republicanos. Acredito que nos
EUA ele tentará construir pontes entre o Vaticano e a Igreja americana e entre
diferentes tipos de católicos. Obama e Francisco têm uma relação muito boa e o
protocolo da visita enfatizará isso. O presidente irá com a família ao
aeroporto receber o papa, o que não é usual. Francisco tentará estender a
mão aos que não entendem o que ele fez até agora. Ele tentará se apresentar
também para os que se distanciaram e não captaram suas intenções.
Mas
ele tratará de justiça social, meio ambiente... O desafio será fazer isso e ser
inclusivo?
Massimo
Faggioli:
Exatamente. O papa demonstrou uma habilidade incrível de fazer diferentes
coisas, nos surpreendeu. Os EUA são mais difíceis por muitas razões. É uma
Igreja muito mais polarizada e dividida ideologicamente. Há dois
partidos políticos e duas maneiras diferentes de ser católico. É uma Igreja
única, muito viva, mas dividida, que saiu de uma crise difícil em relação ao
escândalo de abusos sexuais.
A
divisão é semelhante à partidária?
Massimo
Faggioli: Mais
ou menos. Há dois tipos de católicos que em grande parte coincidem com as
culturas políticas: os católicos democratas e os republicanos.
A
mensagem dele ecoou mais entre os católicos democratas?
Massimo
Faggioli: Por
enquanto sim. Mas Francisco não convenceu os defensores do casamento entre
pessoas do mesmo sexo ou as teólogas feministas, por exemplo. A maioria dos
democratas gosta dele e a maioria dos republicanos, não. Mas há exceções.
O papa
fez fortes críticas ao capitalismo e à idolatria do dinheiro. Isso é percebido
de maneira negativa nos EUA?
Massimo
Faggioli: Sim. A
religião do livre mercado é a verdadeira religião nacional da América.
Quando você critica isso, você faz inimigos. Eu espero que ele fale sobre a
economia moderna e o capitalismo de maneira diferente da que falou na Bolívia.
Eu ficaria surpreso se ele usasse a mesma linguagem. Ele manterá a mensagem,
mas terá em mente que a história dos EUA é muito diferente.
Há uma
desconexão entre a Igreja e a posição dos católicos americanos em relação a
divórcio, casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa é a principal razão da
perda de fiéis?
Massimo
Faggioli: É uma
delas. Se você ler artigos de conservadores católicos americanos brancos, eles
dizem que a Europa está perdida e os católicos deixaram a Igreja. O que eles
não aceitam é a ideia de que o cenário do catolicismo na América, quando
falamos de católicos brancos, não é muito diferente do europeu. Isso é difícil
para eles aceitarem porque é parte dessa ideia de que a América ainda é
religiosa e a Europa, pós-religiosa, secular, ateia. Esse papa está dizendo
que a Igreja nos EUA é importante, mas não é a melhor. Não há nenhuma Igreja
Católica melhor que a outra.
Como
ele está dizendo isso?
Massimo
Faggioli: Está
dizendo coisas duras para os católicos, especialmente os bispos. Não está
tratando a Igreja Católica americana como especial. Isso se reflete nas
indicações que ele fez no Vaticano e para o Sínodo dos Bispos. O papel que a
Igreja Católica americana desempenha no pontificado de Francisco é o de uma
enorme igreja, mas com João Paulo II e
Bento XVI, os católicos americanos tinham grande proeminência e eram muito mais
poderosos.
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Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional– Domingo, 20 de setembro de 2015 – Pg. A16 – Internet: clique aqui.
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