John Thavis na praça de São Pedro (Vaticano):
especialista em Vaticano norte-americano
Escritor e jornalista especializado em Vaticano
Francisco desembarca no dia 19 em território cubano; depois,
segue para sua primeira visita oficial aos Estados Unidos
O
papa Francisco poderá pedir o fim do embargo dos Estados Unidos da
América (EUA) a Cuba durante a viagem que fará aos dois países a partir
de sábado (19 de setembro), avalia o jornalista e escritor americano John Thavis, que há 30 anos cobre o Vaticano. "A
questão é se ele falará isso em Cuba, no discurso na ONU ou no
Congresso. Se falar no Congresso, é um grande desafio, porque eles são
os que podem retirar ou manter o embargo."
Thavis
acompanhou de perto três papas e estudou a trajetória de muitos outros.
O que mais o impressiona em Francisco é a determinação em implementar
reformas. "Além de ser um pastor, ele é um executivo que não tem medo de tomar decisões", disse Thavis em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. O escritor também destaca a capacidade de comunicação do pontífice.
Em 2013, Thavis lançou o livro The Vatican Diaries
(Os Diários do Vaticano), no qual narra as lutas de poder e as intrigas
que se desenrolam na instituição que governa a Igreja Católica. A
seguir, trechos da entrevista:
O sr. cobre o Vaticano há 30 anos. O que mais o impressiona no estilo do papa Francisco?
John Thavis: Esse
papa não tem medo de mudar as coisas. Quando são eleitos, a maioria dos
papas chega com a ideia de reformar algumas coisas na Igreja Católica e
especialmente no Vaticano, mas tendem a abandonar esses projetos porque
há muita resistência interna. O papa Francisco chegou e imediatamente
criou um círculo de conselheiros que vieram de fora do Vaticano e
realizou profundas mudanças institucionais. Isso é o mais
impressionante. Além de ser um pastor, ele é um executivo que não tem
medo de tomar decisões. Na semana passada (retrasada), ele mudou as
regras para anulações (de casamentos), por exemplo. E fez isso com um
documento chamado motu proprio, que é o equivalente a um decreto
presidencial. Ele também emitiu vários decretos para reformar a Cúria do
Vaticano, instituiu níveis burocráticos para fiscalizar as finanças e
as comunicações do Vaticano e criou um novo tribunal para analisar como
bispos lidaram com casos de abuso sexual. É um papa determinado, que
sabe que é o papa.
Que outros aspectos o diferenciam de seus predecessores?
John Thavis: Outra questão é a linguagem. Esse papa não fala da maneira que teólogos falam, bispos falam ou o Vaticano fala. Ele usa uma linguagem real e é um grande comunicador.
Quão grande é a resistência dentro do Vaticano?
John Thavis: Há
resistência considerável a algumas das mudanças que ele quer
implementar. É difícil resistir quando o papa quer limpar as finanças do
Vaticano. E ele realizou isso com sucesso. Não houve muita resistência
explícita. Mas quando o papa toca em questões como comunhão para
católicos divorciados e mesmo mudanças no procedimentos para anulação
(de casamentos), há pessoas que se levantam e dizem “não, nós não
podemos fazer isso”. Mesmo a ideia do papa de transformar o Sínodo dos
Bispos em um organismo com mais poder de decisão provocou resistência. Certamente, autoridades do Vaticano - algumas das quais estão lá há muito mais tempo que o papa - resistem.
E quais são os pontos fortes?
John Thavis: Seu ponto forte é a atividade pastoral. Ele é o evangelizador em chefe. Ele sabe que as pessoas só escutarão caso a Igreja se aproxime delas com uma mensagem positiva – “você está salvo, a Igreja quer você e o recebe de braços abertos, por favor, venha a nossa comunidade”.
Se a Igreja chega com um livro de regras e diz “leia isso e se você
concordar poderá ser um católico”, isso não levará a lugar algum. Esse
papa entende isso. E é por isso que ele é acolhedor e estende a mão a pessoas que se afastaram. Além disso, é cheio de alegria, ele sorri, o que faz diferença.
Papa Francisco e Raúl Castro, presidente de Cuba, durante visita do mandatário cubano ao Papa em maio deste ano |
Qual o significado do fato de o papa ter decidido ir à Cuba e aos EUA na mesma visita?
John Thavis: Esse
é um papa que queria vir aos EUA pela fronteira com o México, o que
seria impossível. Então, ele está vindo de Cuba, o que é muito
significativo. Primeiro, porque o papa é latino-americano. Ele estará
vindo da América Latina e de um dos mais pobres países do hemisfério
para o mais rico país do hemisfério. Ele está manifestando uma posição. Ele certamente falará dos contrastes que verá na viagem.
Ao mesmo tempo, vai aproximar as pessoas. Ele frisará que agora Cuba e
os EUA têm um acordo diplomático e mencionará isso como algo positivo
que aconteceu no mundo.
O sr. espera que ele peça o fim do embargo econômico?
John Thavis: Sim,
eu acredito que em algum momento ele falará sobre o embargo. A questão é
se ele falará isso em Cuba, no discurso na ONU [em Nova York] ou no
Congresso [em Washington]. Se falar no Congresso, é um grande desafio,
porque eles são os que podem retirar ou manter o embargo.
O discurso do papa na Bolívia, em julho, foi muito crítico ao capitalismo. Como essa posição ecoou nos EUA?
John Thavis: Há
críticas de católicos conservadores ao discurso, porque se sentem
desconfortáveis quando o papa tenta determinar como a economia deveria
funcionar. E sempre foram, especialmente porque papas tendem a enfatizar
a justiça social. Mas acredito que, de maneira geral, a maioria dos americanos o aplaude por dizer o que ele disse. Há muita gente pobre nesse país também. E há muitos na classe média que enfrentam dificuldades econômicas.
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Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional– Terça-feira, 15 de setembro de 2015 – Pg. A10 –
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Reportagem por Cláudia Trevisan
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