Marina Novaes*
Definitivamente não vivemos uma época boa para os opostos se atraírem. Mas atire o primeiro título eleitoral quem nunca tentou mudar a pessoa amada
Superado o luto pelo fim de um relacionamento amoroso que durou dez
anos (cujos motivos do término não cabe aqui abordar, pois intimidade
com o leitor tem limite), decidi testar o Tinder, encorajada por amigos preocupados com o grau de seriedade da minha relação com o Netflix. Primeiro choque: em poucos minutos nesse menu humano me deparo com vários colegas de profissão e, sem jeito, quero sumir (já era meu anonimato!). Em tempos de passaralhos e crise na mídia,
parece ter mais jornalistas no Tinder que em muitas redações por aí.
Segunda surpresa: as pessoas agora se importam com política –ao ponto de
isso virar nota de corte na hora da paquera. Como se já não estivesse suficientemente difícil...
No começo, achei que quem tinha mudado era eu. Afinal, há uma década (jovem), importava mais se o pretendente usava crocs (fuééém!
Reprovado!) do que saber em quem ele tinha votado nas últimas eleições.
Mas não, não foi só eu quem revi as minhas prioridades. O Brasil mudou.
E agora não basta apenas sair bem na foto: é preciso sair bem na foto E não ser coxinha –ou não ser petralha (a inclinação política fica a gosto do freguês).
Qual não foi o meu espanto ao ver ditados da Clarice Lispector –como o simpático “amar os outros é a única salvação individual que conheço”– dividindo o espaço da descrição pessoal com frases bem menos receptivas como “você que votou na Dilma: FOOOORA!!!” ou “reaças,
nem gastem seu tempo comigo”. Definitivamente não vivemos uma época boa
para os opostos se atraírem. Ou melhor, os opostos podem até se atrair,
mas considerando as demonstrações de agressividade da nossa era de polarização, eles correm o risco de protagonizar uma versão politizada do Romeu & Julieta (e a gente sabe como isso acabou, não?). A torcer por um final mais feliz.
De olho nesse nicho, crescem os rumores de que empreendedores do amor estariam desenvolvendo o PoliTinder: um app
para unir pretendentes com as mesmas inclinações ideológico-partidárias
e, assim, quem sabe diminuir as chances de uma desilusão amorosa mais
adiante (já que a desilusão política ninguém pode garantir que não vá
ocorrer).
Os mais românticos dirão que tudo não passa de um exagero. Convenhamos, no calor da paixão, esses detalhes tão pequenos de nós dois pouco importam.
Apaixonados, nos iludimos na esperança de convencer o outro a trocar de
lado até a próxima votação. “Mas amor, esse Governo adotou a mesma
política econômica que a gente adotaria. Até nomearam o Joaquim Levy!”, falaria o nosso Romeu da oposição. "Até a Kátia Abreu virou ministra" –ele não desiste. “Nem me venha com esse golpe pra cima de mim! Ou vai dormir no sofá!”, rebateria nossa Julieta governista, enfática.
Quem nunca tentou mudar a pessoa amada que atire o primeiro título de eleitor.
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Marina Novaes é jornalista no EL PAÍS Brasil. Não tem nenhum livro publicado, mas é gente fina.
Fonte: El País, acesso 09/09/2015
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