sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Kenneth Miller - Entrevista


"NUNCA VI UMA TEORIA QUE LUTARAM TANTO PARA DERRUBAR"

Entrevista | KENNETH MILLER - Biólogo celular

Kenneth Miller é um biólogo celular americano reconhecido por defender a teoria da evolução de Charles Darwin, principalmente quando ela é colocada em questionamento por criacionistas e defensores do design inteligente – tese de que seres vivos são projetos de inteligência sobrenatural. Autor de um famoso livro didático de biologia, usado amplamente nos Estados Unidos, obteve importante vitória na Justiça quando conseguiu impedir a tentativa de criacionistas de colocar adesivos com a frase “evolucionismo é uma teoria, não um fato” no capítulo da publicação que aborda o tema. Miller esteve na PUCRS para um seminário sobre inovação, ciência e transcendência e conversou com o Planeta Ciência.

Por que o tema do ensino da evolução e do criacionismo nas escolas é um debate tão duradouro nos Estados Unidos? Não vemos tantas discussões sobre esse tema aqui no Brasil.
Dados mostram que isso é verdade também no Brasil (mostra pesquisa do Ibope de 2004 que revelou que 89% dos brasileiros acreditam que o criacionismo deve ser ensinado nas escolas). Mas a principal razão é que lá, as escolas são controladas localmente. A educação, na maioria dos países, é uma função federal, com ministérios de educação, currículo nacional etc. Nos EUA, educação é uma função dos Estados e das comunidades, e os americanos sentem que devem controlar o que é ensinado nas suas cidades, sentem-se com poder para isso.

Se você tivesse apenas alguns argumentos a favor da teoria da evolução, quais seriam?
As linhas gerais da teoria da evolução foram articuladas por Charles Darwin em 1859. Isso é antes do desenvolvimento da genética, bioquímica, biologia molecular, radioatividade, quando poucos fósseis haviam sido estudados. Cada uma dessas ciências poderia ter contradito a teoria. Darwin esperava que a Terra tivesse pelo menos 100 milhões de anos para a evolução ter funcionado. Quando a radioatividade foi descoberta, mostrou que o planeta era ainda mais antigo do que ele imaginou. Darwin não sabia o mecanismo pelo qual novas características são geradas. A genética mostrou exatamente como isso acontece, com mutações que deram origem à matéria-prima para novas formas de vida. A biologia molecular nos fez olhar diretamente para o DNA e o genoma. No DNA, descobrimos os chamados “fósseis moleculares”, que mostram que não fomos criados do nada, mas que temos parentes próximos e eles são primatas. Nunca vi uma teoria científica que as pessoas lutaram tanto para derrubar. E aqui estamos, quase 160 anos depois, com ela de pé.

Quando o debate sobre o ensino do criacionismo emergiu e como ele deu lugar ao design inteligente?
O que aconteceu é que, em 1980, alguns Estados aprovaram leis que incluíam o ensino do criacionismo nas escolas (similares ao que o deputado Marco Feliciano apresentou na Câmara dos Deputados). Elas foram questionadas na Justiça e consideradas inconstitucionais. A lei de Louisiana foi até a Suprema Corte americana, que disse que o criacionismo, por envolver um criador, é exclusivamente religioso, e a primeira emenda da constituição proíbe um ator governamental de estabelecer alguma religião. Esse foi o fim do criacionismo. Mas as pessoas que ainda se opunham à evolução criaram uma nova estratégia: dizer que os seres vivos foram projetados, mas sem citar um criador. Deixaram Deus de fora e começaram a falar em design em vez de criação. Acharam que essa estratégia possibilitaria vencer a primeira emenda.

Como o senhor vê a relação entre evolucionismo e fé?
Muitas pessoas assumem, de forma equivocada, que a igreja, por ensinar a crer em Deus, precisa se opor ao evolucionismo, mas isso não é verdade. Eu acredito que há uma lógica e uma inteligência no universo e isso reflete o criador. Sou católico e acredito, assim como os últimos três papas, que Deus proveu a racionalidade para o universo, que conseguiu criar a vida sozinho.

Em seu livro Finding Darwin’s God (Encontrando o Deus de Darwin), você diz que é possível acreditar em Deus e defender a evolução. Ateístas e mesmo criacionistas usam uma interpretação literal da bíblia para justificar suas escolhas. Qual sua interpretação de Gênesis e como o relaciona à ciência e à evolução?
A primeira coisa a se pensar sobre Gênesis é quando foi escrito e por que. Isso é o essencial. Eu leio Gênesis não como um documento histórico ou científico, mas algo que fala do criador e da criação. É um documento teológico. Se você lê do ponto de vista científico, é claro que está errado.

Estamos perto de entender a origem da vida?
Está muito claro que os tijolos básicos da vida como aminoácidos, nucleotídeos e açúcares simples podem se formar em condições como as da Terra primitiva. Nós sabemos isso de experiências de laboratório e, mais importante, sabemos isso do espaço. Quando olhamos os cometas, essas moléculas estão lá. Não precisamos de um projetista, pois sabemos que isso é verdade. Também sabemos que há algumas pequenas moléculas que conseguem replicar e copiar a si mesmas. Pequenos pedaços de RNA podem gerar reações químicas e copiar a si mesmos. Se um sistema pode copiar a si mesmo, nesse ponto você pode ter a evolução. Não sabemos como esse sistema se forma, se é em argila, no barro, no oceano ou outro lugar. Às vezes, as pessoas dizem que, como cristãs, querem acreditar que Deus tenha criado a primeira forma de vida. A minha resposta é sempre que isso é possível. Mas, na ciência, temos o hábito de gerar dúvidas e respondê-las. Se a sua razão para acreditar em Deus depende de ele ter criado a vida, tome cuidado, porque o dia que entendermos isso, você terá de dizer que não acredita mais nele.

O fato de a origem da vida não ter sido explicada ajuda o design inteligente a sobreviver?
Qualquer coisa sem explicação pode ser definida como obra de uma força superior. Se você for um fã de futebol, como eu, como explicaria a derrota do Brasil para a Alemanha? É impossível. Era vontade de Deus? Pode ser. Mas isso não é ciência, porque não há como provar isso.
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bruno.felin@zerohora.com.br
BRUNO FELIN
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4850619.xml&template=3898.dwt&edition=27483&section=4390

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