quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Hervé Le Treut, ambientalista: 'Se olharmos, é quase um problema impossível'

Diretor no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, especialista, que vive em Paris, realizou palestra na Maison de France, Rio, na última semana

Hervé Le Treut é da primeira geração de franceses que não foi à guerra. Ele foi criado perto do Atlântico e tem preferêcia por céu carregado Foto: Ana Branco / Agência O Globo 
Hervé Le Treut é da primeira geração de franceses que não foi à guerra. Ele foi criado perto do Atlântico
e tem preferência por céu carregado - Ana Branco / Agência O Globo

“Tenho 59 anos. Nasci em Toulon, cresci em Bordeaux e hoje vivo em Paris. Desde cedo, quis estudar a Terra. Na década de 1980, me envolvi com discussões sobre o efeito estufa. Como pesquisador, participei de relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas ”

Conte algo que não sei.
Na minha geração havia um quadrinho, “S.O.S Météores”, no qual um grupo tenta lutar contra mudanças climáticas provocadas por vilões. No passado, ataques ao clima eram atribuídos a grandes máquinas, a usinas nucleares. Hoje sabemos que as mudanças ocorrem por conta de coisas aparentemente inofensivas — gases transparentes, sem cheiro ou gosto em condições normais, como o gás carbônico. Não imaginamos que o perigo viesse de algo tão banal.

Adianta usar ecobags e reciclar lixo se temos estruturas poluentes, como na energia?Precisamos de ações na escala do Estado e do coletivo. Mas ações individuais são pedagógicas. Sozinhas, não são suficientes. Por exemplo, se você roubar uma mercadoria no supermercado, isso não vai ter grandes impactos na economia. Mas você não deve fazer isso.

A ciência ainda está distante da sociedade?
Sim. De cara, a ciência não pode responder a algumas questões, como: “O que é justo? Que valores resguardar?” E a sociedade nos faz perguntas sutis. Primeiro, teremos que estabilizar o clima. Depois, garantir a biodiversidade e ao mesmo tempo alimentar pessoas e barrar a poluição... Se olhamos para tudo, é quase um problema impossível.

Considera-se pessimista?
Não necessariamente. Sou da primeira geração de franceses que não foi à guerra. Meu pai lutou em guerras coloniais, meu avô nas duas mundiais. Nem tudo está no lado errado. Temos um novo problema, com muitas pessoas vivendo em um planeta pequeno. Mas acho que podemos encontrar soluções.

Quais seriam elas?
Está tarde pra evitar mudanças climáticas. Teríamos que excluir todos os carros do mundo. Por ora, temos duas linhas: reduzir e evitar emissões e parar energias poluentes. É urgente. Outras mudanças na Terra demoraram séculos, como a transição da era glacial. O homem pode mudar tudo em décadas.

Ainda há quem diga que o problema não é real...
Os céticos abrem fortes debates. Dizem que é invenção dos cientistas para dar visibilidade a trabalhos. Uma minoria é cientista. O resto é pago por companhias para sustentar a tese.

Você viveu 1968. A ecologia já estava na pauta?
Foi uma época boa porque a minha escola estava fechada e eu ficava em casa vendo os debates do parlamento na TV. A preocupação com o meio ambiente, no mundo, veio com a Conferência de Estocolmo, em 1972, e o primeiro presidenciável ambientalista, René Dumont, na França, em 1974. Descobri um grupinho de cientistas estudando o clima, tentando modelar a Terra. Meu trabalho de Phd foi uma pequena réplica.

Você estudou nuvens. Gosta de observá-las?
No início meu interesse nelas não eram os formatos. Mas ao estudá-las passei a observá-las. Muitas questões sobre nuvens demoraram a ser respondidas, por exemplo: porque algumas gotas caem e outras não?

Por quê?
Gotas pequenas são viscosas e não caem; pouco a pouco, quando crescem, caem. São coisas que não nos perguntamos. Mas prefiro as pedras e o mar.

Que clima mais o agrada?
Eu preciso justamente das nuvens. Fui criado perto do Atlântico, e gosto do céu carregado. Só posso suportar um céu azul por alguns dias.
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Reportagem por Mariana Alvim

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