Diretor no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, especialista, que vive em Paris, realizou palestra na Maison de France, Rio, na última semana
Hervé Le Treut é da primeira geração de franceses que não
foi à guerra. Ele foi criado perto do Atlântico
e tem preferência por céu
carregado - Ana Branco / Agência O Globo
“Tenho 59 anos.
Nasci em Toulon, cresci em Bordeaux e hoje vivo em Paris. Desde cedo, quis
estudar a Terra. Na década de 1980, me envolvi com discussões sobre o efeito
estufa. Como pesquisador, participei de relatórios do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas ”
Conte algo que
não sei.
Na minha geração
havia um quadrinho, “S.O.S Météores”, no qual um grupo tenta lutar contra
mudanças climáticas provocadas por vilões. No passado, ataques ao clima eram
atribuídos a grandes máquinas, a usinas nucleares. Hoje sabemos que as mudanças
ocorrem por conta de coisas aparentemente inofensivas — gases transparentes,
sem cheiro ou gosto em condições normais, como o gás carbônico. Não imaginamos
que o perigo viesse de algo tão banal.
Adianta usar
ecobags e reciclar lixo se temos estruturas poluentes, como na energia?Precisamos
de ações na escala do Estado e do coletivo. Mas ações individuais são
pedagógicas. Sozinhas, não são suficientes. Por exemplo, se você roubar uma
mercadoria no supermercado, isso não vai ter grandes impactos na economia. Mas
você não deve fazer isso.
A ciência ainda
está distante da sociedade?
Sim. De cara, a
ciência não pode responder a algumas questões, como: “O que é justo? Que
valores resguardar?” E a sociedade nos faz perguntas sutis. Primeiro, teremos
que estabilizar o clima. Depois, garantir a biodiversidade e ao mesmo tempo
alimentar pessoas e barrar a poluição... Se olhamos para tudo, é quase um
problema impossível.
Considera-se
pessimista?
Não necessariamente.
Sou da primeira geração de franceses que não foi à guerra. Meu pai lutou em
guerras coloniais, meu avô nas duas mundiais. Nem tudo está no lado errado.
Temos um novo problema, com muitas pessoas vivendo em um planeta pequeno. Mas
acho que podemos encontrar soluções.
Quais seriam
elas?
Está tarde pra
evitar mudanças climáticas. Teríamos que excluir todos os carros do mundo. Por
ora, temos duas linhas: reduzir e evitar emissões e parar energias poluentes. É
urgente. Outras mudanças na Terra demoraram séculos, como a transição da era
glacial. O homem pode mudar tudo em décadas.
Ainda há quem
diga que o problema não é real...
Os céticos abrem
fortes debates. Dizem que é invenção dos cientistas para dar visibilidade a
trabalhos. Uma minoria é cientista. O resto é pago por companhias para
sustentar a tese.
Você viveu 1968.
A ecologia já estava na pauta?
Foi uma época boa
porque a minha escola estava fechada e eu ficava em casa vendo os debates do
parlamento na TV. A preocupação com o meio ambiente, no mundo, veio com a
Conferência de Estocolmo, em 1972, e o primeiro presidenciável ambientalista,
René Dumont, na França, em 1974. Descobri um grupinho de cientistas estudando o
clima, tentando modelar a Terra. Meu trabalho de Phd foi uma pequena réplica.
Você estudou
nuvens. Gosta de observá-las?
No início meu interesse
nelas não eram os formatos. Mas ao estudá-las passei a observá-las. Muitas
questões sobre nuvens demoraram a ser respondidas, por exemplo: porque algumas
gotas caem e outras não?
Por quê?
Gotas pequenas são
viscosas e não caem; pouco a pouco, quando crescem, caem. São coisas que não
nos perguntamos. Mas prefiro as pedras e o mar.
Que clima mais o
agrada?
Eu preciso
justamente das nuvens. Fui criado perto do Atlântico, e gosto do céu carregado.
Só posso suportar um céu azul por alguns dias.
-------
Reportagem por Mariana
Alvim
Nenhum comentário:
Postar um comentário