Nem só a literatura portuguesa alimentou polémicas e criou
inimigos. Mesmo no Olimpo onde moram grandes escritores e poetas há
cenas de murros, tiros e ciúme.
Mesmo que nós, os mortais, tenhamos tendência para colocar os
artistas num Olimpo onde o seu talento é sinónimo de grandeza e
sabedoria, a verdade é que os escritores, os poetas, são humanos. São
até demasiado humanos. Quantos deles hiper-sensíveis, egocêntricos,
neuróticos, psicopatas. Talvez por isso, as querelas acabam por ser
inevitáveis e qualquer pequeno rastilho pode detonar uma guerra
fraticida.
Como se a opinião que têm uns dos outros fosse, afinal,
a mais importante de todas, eles não perdoaram críticas, esquecimentos,
ou amores demasiado violentos. E há histórias para todos os gostos:
murros, tiros, cartas abertas, mulheres, ciúmes…
Arthur Rimbaud e Paul-Marie Verlaine: uma temporada no inferno
Poucas paixões tempestuosas terão dado origem a tão grande literatura
como a que uniu Rimbaud, aos 17 anos, e Verlaine, aos 26. Hoje seriam
chamados de pedófilos, mas no século XIX causava mais desagrado as suas
diatribes contra o que escreviam uns e outros do que propriamente a sua
homossexualidade. Cesariny bem o sabia, e por isso traduziu Un Saison en Enfer, de Rimbaud — a criança prodígio que enlouqueceu Paul Verlaine –, por Uma Cerveja no Inferno. Mesmo que fosse absinto, e não cerveja, aquilo que os dois amantes bebiam pelos cafés de Paris.
A história conta-se em poucas linhas: Rimbaud, génio precoce, que aos
14 anos já escrevia longos e belos poemas em latim, decide enviar as
suas criações a Verlaine, já poeta consagrado. Este, mais velho, casado e
com um filho, convida o jovem Rimbaud para ir para Paris e instalar-se
na sua casa. Consta que entre ambos a paixão foi imediata e fulgurante.
Em apenas três anos amaram-se, exilaram-se, escreveram-se, tentaram
matar-se, separaram-se.
Verlaine, expoente do romantismo, era um
homem brutal, uma personalidade doentia, que violentava a sua jovem
mulher e o seu filho durante as suas crises alcoólicas. Quando se
refugia com Rimbaud em Bruxelas tem nova crise depressiva e compra um
revólver para se suicidar. As zangas com Arthur tinham-se tornado
constantes, ambos viviam numa enorme precaridade financeira e o
adolescente ameaçava abandoná-lo. Numa dessas discussões, Verlaine
desferiu dois tiros em Rimbaud. Acertou-lhe no braço. Foi preso durante
quase dois anos.
Neste tempo, o jovem regressa a casa dos pais e afasta-se de Verlaine que, por sua vez, se converte ao catolicismo. Une Saison en Enfer,
é a obra-prima que resulta desta quase tragédia. Depois, o jovem
prodígio há-de abandonar a poesia, far-se-á viajante, mercenário,
traficante de armas e morrerá com apenas 37 anos. Verlaine foi
reabilitado no meio literário parisiense com a ajuda de Oscar Wilde e
morreu alcoólico aos 52 anos, sem nunca ter deixado de promover a poesia
de Rimbaud.
Jean-Paul Sartre e Albert Camus: um combate existencialista
Apesar da náusea existencial, da passagem pela Resistência francesa e
da relação “aberta” com Simone de Beauvoir, o filósofo Jean-Paul
Sartre, totalmente comprometido com o partido comunista francês, há-de
calar-se acerca dos Gulag soviéticos e de todos os morticínios
perpetrados em nome do comunismo. Albert Camus, pied noir,
escritor e filósofo, preferiu a revolta das palavras ditas e as suas
consequências. Foi uma amizade que se tornou símbolo de um combate que
haveria de marcar a Europa da segunda metade do século XX.
Camus e Sartre conheceram-se em 1943, numa França ainda ocupada pelos Nazis. O primeiro é editor do jornal da Resistência Combat. O segundo dirige a revista política e filosófica Les Temps Moderns.
A amizade e a colaboração fazem deles dois ícones da França do
pós-guerra, mas, apesar da proximidade intelectual, a sua relação
acabará por se desfazer.
A forma como os livros de Camus
desembocavam num absurdo sem redenção não agradava a muita da esquerda
francesa, mais dada a sonhar com os amanhãs que cantam. O filosofo
Merleau-Ponty foi o primeiro a escrever contra Camus… na revista
dirigida por Sartre. Mas é no final dos anos 40 que a crise entre ambos
eclode abertamente.
As deportações de dissidentes soviéticos para os campos de
trabalho forçado tornam-se conhecidas no Ocidente. Sartre nada diz. Em
1951, Camus escreve O Homem Revoltado. A esquerda
existencialista francesa purga-o com ataques quase sempre escritos na
revista de Sartre. Isolado, Camus escreve uma carta ao director de Les Temps Moderns,
onde diz: “Estou farto de ser criticado por pessoas que sempre se
sentaram confortavelmente dentro da história.” Sartre responde que uma
amizade “é sempre totalitária”. Afastam-se para sempre.
Albert
Camus morre em 1960. No fim da vida, Sartre há-de dizer sobre ele, numa
entrevista: “Foi o último dos meus melhores amigos.”
Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa: ménage à trois
Nesta história há três nomes a reter: Mario, Gabriel e Patricia, e o
que quer que seja que tenha ligado estas três pessoas é um segredo que
não deve ser quebrado. García Márquez guardou sobre o episódio quase
quatro décadas de silêncio e morreu sem nada dizer. Vargas Llosa também
não parece inclinado a quebrar este acordo tácito. Embora
actualmente esteja a viver com a rainha das revistas cor-de-rosa, Isabel
Preysler, é duvidoso que o prémio Nobel peruano venha a fazer
revelações indiscretas vestido de roupão num hotel de cinco estrelas do
Caribe…
Llosa e Marques viviam com as respectivas famílias em
Barcelona nos anos 70. Tinham casa lado a lado e carreiras promissoras,
apesar de Mario começar a tomar um desvio à direita que não agradava a
Márquez. Não se sabe se por ideologias políticas, se por razões
sentimentais, as discussões entre Mario e Patricia eram constantes, e
Gabo (Gabriel) era chamado a apaziguar os conflitos. Que meios utilizava
para tal, ninguém sabe. A verdade é que no dia 14 de Fevereiro de 1976,
num encontro de escritores no México, Gabo exclama, ao ver Llosa,
“hermanito!”, ao que Mario lhe responde com um murro. A lenda reza que
Llosa lhe terá dito “isto é pelo que fizeste a Patricia”, antes de
disferir o soco em cheio no olho de Gabriel.
O que Gabo fez a Patricia e por que raio terá ela ido queixar-se ao
marido, é algo que não sabemos. Mas nunca mais Llosa e Márquez reataram
relações.
A história deu origem a muitas anedotas no meio
literário sul-americano, até porque Llosa acabaria por se tornar
conhecido por se apaixonar por mulheres… da sua família. Primeiro, foi
Júlia, 10 anos mais velha, mulher da irmã do seu tio, e que dá origem ao
famoso romance Tia Júlia e o Escrevedor; depois foi Patricia Llosa, sua prima-irmã (e sobrinha de Júlia). Aguardamos saber que parentesco tem com Isabel Preysler.
Gore Vidal e Norman Mailer
No Alentejo há uma expressão que serve para designar pessoas
irrequietas, excessivas e duvidosas: uma boa bisca. Ora, se há forma
perfeita de descrever estes dois escritores norte-americanos é dizer que
eles eram “duas boas biscas”.
Norman Mailer nasce como escritor
dentro do chamado New Journalism, como Tom Wolf ou Truman Capote. As
suas histórias partiam sempre de acontecimentos ou personagens reais,
eram uma espécie de reportagem alargada. Mailer via-se a si próprio como
um boxeur, um touro enraivecido sempre pronto para a violência.
Gore Vidal vinha de meios aristocratas, era neto de um antigo
senador, parente de Jackie O., homossexual assumido, cujos romances
chocaram a América conservadora dos anos 40. Homem com uma veia
sarcástica genial, ficou mais conhecido pelas suas críticas demolidoras e
pelas suas boutades do que pela sua obra literária. Escreveu
sobre literatura em vários jornais nos anos 60 e 70 e consta que os seus
textos eram mais temidos do que as crónicas de António Guerreiro no Público.
O
seu inimigo de estimação era Truman Capote, mas foi com Norman Mailer
que as coisas chegaram a vias de facto. Vidal detestava o género de
romances realistas deste grupo de escritores e não perdia uma
oportunidade de os satirizar com recurso à sua enorme erudição.
Um debate televisivo entre ambos no famoso programa David Cavett Show ficou
para a história, tal a acidez utilizada na troca de argumentos. Vidal,
contudo, nunca perdeu a pose, enquanto Norman parecia explodir.
A propósito
de um romance de Mailer sobre a temática feminista, Gore classifica-o
de “uma mistura entre Marilyn Monroe e Charles Manson” (o assassino de
Sharon Tate).
Por um acaso do destino, os dois acabam por se
encontrar numa festa em Nova Iorque. Mailer não se controla e dá um
murro a Gore, antes de lhe despejar um copo de gin tónico na cara. Ainda
estremunhado, Gore ergue-se do chão e exclama: “Como sempre,
faltaram-te as palavras.”
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