FH. “A Dilma está na presidência, mas o PT não consegue mais impor sua vontade no governo”
- Agência O GLOBO / Marcos Alves
Para tucano, poder da presidente se deteriorou
e é muito difícil reagir diante da perda de popularidade
SÃO
PAULO - Um “fiapo”. É o que resta, de acordo com o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, da base social que sustentou os governos de Lula e Dilma.
Para o tucano, “Lula é um mito que se quebrou” no processo de crise econômica e
política, que também arrastou a presidente Dilma a um recorde negativo de
popularidade, em torno de 7% de aprovação. FH diz que “é muito difícil” que
Dilma consiga se manter na cadeira presidencial diante de tal cenário. “O
vice-presidente já alertou que nessas condições a deterioração do poder é muito
grande”, afirmou ele, em referência à declaração de Michel Temer de que
“ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo”.
Essas
e outras ideias compõem o livro “A miséria da Política - Crônicas do
lulopetismo e outros escritos” (Editora Civilização Brasileira) que o
ex-presidente lança este mês. A obra é um compêndio dos artigos publicados pelo
ex-presidente em O GLOBO entre 2010 e 2015. Para falar sobre o trabalho e sobre
a conjuntura política do país, ele recebeu O GLOBO em sua casa, na capital
paulista. Descontraído e informal, FH trajava suéter cor de vinho e uma de suas
calças preferidas — que não à toa precisou ser remendada no joelho “de tanto
que eu uso”. Ele contou ter dispensado 50 entrevistas nesta semana e revelou
ter tido uma impressão de que o presidente Barack Obama é “difícil no trato
pessoal, com um ar indiferente”, na única vez em que estiveram juntos, em um
almoço ao lado da presidente Dilma.
O
que é o lulopetismo?
É
a ideia da hegemonia do partido, de que o partido domina o Estado e o Estado
muda a sociedade. Essa é a trajetória que o PT tentou imprimir.
Quais
as consequências disso?
Os
petistas aceitaram a democracia, mas uma democracia sob hegemonia, não
aceitando o outro, só quando o outro se submete. É uma variante
nacional-estatizante da esquerda.
Como
o senhor vê os conceitos de esquerda e direita considerando que o ministro da
Fazenda do governo petista é Joaquim Levy?
É
uma incoerência completa ter um ministro da Fazenda que tem uma visão mais
liberal da economia. Mais liberal que a minha. A esquerda preconizava o
controle coletivo dos meios de produção. Isso sumiu do mapa, ninguém mais
propõe. A base real socioeconômica do governo petista é uma relação
solidificada entre Estado, fundos de pensão, que representam os funcionários
das empresas estatais, e alguns setores privados. E utiliza o Estado para o
crescimento da economia. Portanto, o PT não propõe socialismo nenhum. É claro
que tem um ingrediente de distribuição (de renda), que já vinha de antes e foi
acentuado. Esse aspecto deu um elemento de esquerda ao lulopetismo, mas ele não
é (de esquerda).
O
senhor fala em crise da representatividade das lideranças. Quem a presidente
Dilma representa hoje?
Os
governos lulopetistas têm uma base nos estados em que há mais Estado e menos
mercado. Nesses lugares, ricos e pobres votam pelo PT. Mas essa base é
eleitoral, a base de sustentação de poder é outra, é o setor empresarial, com
os fundos de pensão e a burocracia. Mas essa também o governo deixou de
representar na medida em que a economia deu para trás pelo excesso de
intervencionismo, por erros. Essa base foi minguando. Ricos e pobres deixaram
de apoiar. No momento, Dilma representa um fiapo da base que já teve.
Como
a Lava-Jato influenciou?
A
investigação destruiu em parte essa estrutura de sustentação, conforme revelou
que o mecanismo de sustentação de poder do PT passou a ser corrupto. Não é a
corrupção tradicional, que é pessoal. É uma corrupção institucionalizada,
organizada e que sustenta partidos. No mensalão não chegava a tanto, era para
financiar a eleição, mas agora não.
É
uma falha do sistema político?
Não
é só isso. Com a pretensão hegemonista, você tem que ter recursos para manter a
máquina do partido. De que maneira o PT obtinha esses recursos? Já lá atrás
havia acusações. Pegue o caso da prefeitura de Santo André, em contratos de
lixo, de ônibus. Não é o único exemplo. Mas ainda não era uma coisa
sistemática. Agora, para surpresa de todo o mundo, se verificou que no poder
federal eles organizaram o sistema. Está se vendo pela Lava-Jato que não é só a
Petrobras, são todas as obras públicas, a Eletronuclear, o Ministério do
Planejamento, da Saúde.
Mas
é possível montar um esquema de corrupção no governo federal sem que o
presidente saiba?
Muito
dificilmente. É muito grande. Eu não posso afirmar porque não tenho informação.
Isso não foi feito pela Dilma, ela já encontrou assim. Eu acho até que a Dilma
tentou segurar no caso da Petrobras, quando nomeou a Graça (Foster), que
demitiu alguns dos que estão implicados hoje. Tentou fazer um governo ético,
mas, depois o sistema não permitiu, as forças políticas não permitem mais.
Em
2011, o senhor disse que a presidente Dilma recebeu uma “herança maldita” do
Lula. O senhor a considera uma vítima?
Eu
a considero vítima nesse processo. Ela não é só vítima, claro, até porque está
lá, enfim, mas é uma armadilha em que ela caiu. E como sair dessa armadilha? A
situação brasileira é tão anômala que qualquer um que fosse exercer o poder
teria um tremendo problema de se sustentar politicamente, porque você teve um
esfarelamento dos partidos, tem 40 ministérios. É uma anomalia que está ligada
a essa cooptação. Nós não temos mais um presidencialismo de coalizão, é um
presidencialismo de cooptação.
Na
situação em que a Dilma está, com uma popularidade tão baixa, é possível se
manter no poder?
É
difícil, muito difícil, o próprio vice-presidente já alertou que nessas condições
a deterioração de poder é grande. O poder definha, mas é possível ela reagir.
Só não sei como.
O
que o senhor quis dizer sobre renúncia ser um ato de grandeza?
Eu
não falei da renúncia, eu dei três caminhos: renúncia, ou ela assumir a
liderança, ou ficarmos nesse “ramerrão”. E de propósito eu não falei de
impeachment nem de anulação de eleição, porque são coisas definidas por
tribunais, não pela política. Renúncia é um ato individual, mas não só. Surge
quando a situação fica impossível. Acho que ainda não é, mas pode chegar a ser
impossível.
O
senhor defende que o auge da hegemonia petista está no passado. Isso quer dizer
que em 2018 temos o PT como perdedor certo?
Ah,
eu acho muito difícil o PT ganhar. Mas me refiro à hegemonia do partido. A Dilma
está na presidência, mas o PT não consegue mais impor sua vontade no governo.
O
senhor em 2010 disse que o Lula era um mito e que poderia eleger quem quisesse.
O senhor mantém a afirmação?
Isso
foi naquela época. O Lula é um mito que se quebrou, junto com o lulopetismo.
Lula cresceu e caiu junto porque o mito era sustentado pelos resultados. Isso
não quer dizer que esteja morto. O Lula tem lá suas virtudes pessoais, se
adapta às situações e tem olfato para coisas. Mas obviamente reconstruir é
muito difícil, é um cristal que se quebrou. Embora o sistema tenha se esboroado
nas mãos da Dilma, quem sabe ler a história percebe que não foi ela quem
construiu esse sistema.
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Reportagem
por Mariana Sanches
Jornal
O Globo online, 05/09/2015 7:00
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