domingo, 27 de setembro de 2015

CORAGEM DE MUDAR

 Marcos Rolim*
 
O nome Ângela Moss tornou-se conhecido nas redes sociais depois que uma matéria dos anos 80, levada ao ar pela extinta TV Manchete, foi postada em um blog e alcançou mais de 2 milhões de visualizações. A matéria, disponível em http://migre.me/rCAeU, é chocante pela dimensão de preconceito, racismo e demofobia dos entrevistados, todos jovens da classe média carioca.

Aos 18 anos, Ângela aparece indignada com o fato de uma nova linha de ônibus ter sido inaugurada, permitindo que os pobres, “pessoas horríveis”, chegassem às praias da zona sul. Ela sustenta que se deveria cobrar ingresso para o acesso às praias, assim, só pessoas “educadas” frequentariam aqueles espaços. Ao final, ela diz que sente vergonha de morar num país com gente daquele tipo que, em sua opinião, não são brasileiros, mas uma “sub-raça”.

Ocorreu que Ângela, agora com 47 anos, postou nas redes um comentário no qual se declara envergonhada pela pessoa que foi. “Eu era uma criança retardada e com pouco conhecimento, embora culta, era uma alienada (...) Não há como negar, (o vídeo) é a face triste de uma sociedade sem compaixão e egoísta e, sim, um dia já foi a minha face. Fico feliz quando as pessoas ficam indignadas com esse vídeo, o que me perturba mesmo são as muitas que me escrevem dando parabéns”, disse.

A matéria da Manchete foi veiculada há, aproximadamente, 30 anos, sem qualquer polêmica. Era perfeitamente normal que declarações racistas e proponentes da exclusão fossem tratadas como parte da paisagem. Pobres deviam mesmo ficar no morro. As coisas estavam definidas e a hierarquia entre os “educados” e os “horríveis” aparecia como uma lei natural. A menina inimiga dos “farofeiros” não existe mais. Ângela poderia simplesmente ter se calado, mas escolheu dizer que aquele rosto de ódio era o seu e, porque era, não é mais.

As pessoas mudam, se reinventam e, às vezes, não se reconhecem no que foram. Nada estranho. Somos constituídos da matéria fluida de sonhos e medos e agimos a partir de valores cujos sentidos nunca se esgotam para nós mesmos. Em cada percurso individual, há o que persiste e o que deixamos, o que se prolonga e o que se rompe.

Há, entretanto, quem prefira não se deslocar e se repetir em uma invariância compulsiva, o que não guarda relação com a coerência, mas com a fragilidade cognitiva. Que o Brasil mudou muito nos últimos 30 anos parece evidente. Quantos dos brasileiros, entretanto, mudaram como Ângela? E quantos mudaram para melhor?
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*Jornalista e sociólogo marcos@rolim.com.br
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4857000.xml&template=3898.dwt&edition=27534&section=70

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