Mario Vargas Llosa*
É bom que os países mais ricos e livres do mundo tomem consciência
da encruzilhada moral representada pelas
migrações maciças e
espontâneas. Mas uma solução
real e duradoura depende dos países de
origem
A fotografia de Aylan Kurdi,
um menino sírio de três anos de idade morto em uma praia da Turquia
quando sua família tentava emigrar para a Europa, comoveu o mundo
inteiro. E serviu para que vários países europeus –nem todos, registre-se– aumentassem a sua cota de refugiados
e para que a opinião pública internacional tomasse consciência da
dimensão do problema representado pelas centenas de milhares, talvez
alguns milhões, de famílias que buscam fugir da África e do Oriente
Médio em direção ao mundo ocidental, onde acreditam que encontrarão
trabalho, segurança e, em suma, a vida digna e decente que seus países
não podem lhes oferecer.
É
bom que haja, agora, nos países mais ricos e livres do mundo, uma
consciência ampla da encruzilhada moral representada pelo problema
dessas migrações maciças e espontâneas, mas seria necessário que, por
mais positivo que seja o esforço realizado pelos países avançados para
receber mais refugiados em seu território, estes não se iludissem
achando que, com isso, o problema estará solucionado. Nada mais falso.
Mesmo que os países ocidentais adotassem a política de fronteiras
abertas que os liberais radicais defendem –defendemos–, jamais haveria
neles infraestrutura e trabalho suficientes para todos os que quisessem
escapar da miséria e da violência que assolam algumas regiões do mundo. O
problema está nelas, e só nelas mesmas é que se poderá encontrar uma
solução real e duradoura. Lamentavelmente, tal como se apresentam as
coisas na África e no Oriente Médio, isso ainda levará algum tempo. Mas
os países desenvolvidos poderiam abreviar o processo se orientassem os
seus esforços nessa direção, sem se deixar desviar por paliativos
momentâneos de eficácia duvidosa.
A raiz do problema está na pobreza e na insegurança terríveis em que
vive a maioria das populações africanas e do Oriente Médio, seja por
responsabilidade de regimes despóticos, ineptos e corruptos, seja pelos
fanatismos religiosos e políticos –por exemplo, o Estado Islâmico
ou a Al Qaeda—gerados por guerras como as da Síria e do Iêmen, seja
pelo terrorismo que acaba com vidas humanas diariamente, destrói
moradias e submete milhões de pessoas a uma situação de pânico,
desemprego e fome, como ocorre no Iraque, um país que vem se
desintegrando lentamente. Não se trata de países pobres, pois, hoje em
dia, qualquer país, mesmo sendo carente em termos de recursos naturais,
pode prosperar, como demonstram os casos extraordinários de Hong Kong e
Cingapura, mas sim de países empobrecidos pela cobiça suicida de
pequenas elites dominantes que exploram com cinismo e brutalidade essas
massas populacionais que antes se resignavam à sua sorte.
Isso já não é mais assim, graças à globalização e, sobretudo, à
grande revolução das comunicações, que abre os olhos dos mais desvalidos
e marginalizados para aquilo que acontece no restante do planeta. Essas
multidões exploradas e sem esperança sabem agora que em outras regiões
do mundo existe paz, coexistência pacífica, níveis de qualidade de vida
elevados, seguridade social, liberdade, legalidade, oportunidades de
trabalho e de progresso. E, com toda razão, dispõem-se a fazer todos os
sacrifícios, inclusive o de arriscar a vida, para tentar chegar a esses
países. Essa emigração jamais será contida à base de muros ou cercas de
arame farpado, como as que foram ingenuamente erguidas ou se pretendem erguer na Hungria
e em outras nações. Ela passará por baixo ou por cima destes e sempre
encontrará máfias que facilitem a passagem, mesmo que estas às vezes
enganem os migrantes e os levem não ao paraíso, e sim à morte, como no
caso dos 71 infelizes que morreram semanas atrás asfixiados em um
caminhão frigorífico nas estradas da Áustria.
A capacidade de um país desenvolvido de receber refugiados possui um
limite que não se deve ultrapassar, pois isso pode se tornar
contraproducente e, em vez de resolver um problema, gerar outro, qual
seja, reforçar movimentos xenófobos e racistas, como a Frente Nacional
na França. Isso está ocorrendo inclusive em países mais avançados, como a
Suécia, onde uma recente pesquisa de opinião aponta um partido
anti-imigrantes como o mais popular. Não há nenhuma dúvida de que a
imigração é algo indispensável para os países desenvolvidos, os quais,
sem ela, não conseguiriam jamais manter no futuro os seus elevados
níveis de qualidade de vida. Mas, para ser eficaz, essa imigração
precisa ser organizada e orientada a partir de uma política comum
inteligente e realista, como a que propõe a chanceler Angela Merkel, a qual, nesse caso, merece ser parabenizada pela lucidez e energia com que tem enfrentado o problema.
Na verdade, porém, este só poderá ser resolvido ali onde nasceu, ou
seja, na África e no Oriente Médio. E isso não é impossível. Há duas
regiões do mundo que antes eram, como essas agora, grandes geradoras de
emigrações clandestinas para o Ocidente: boa parte da Ásia e a América
Latina. Essa corrente migratória se reduziu visivelmente nas duas áreas à
medida que a democracia e políticas econômicas sensatas abriam caminho,
que Estados de Direito substituíam ditaduras, e suas economias
começavam a crescer e a criar novas oportunidades e trabalho para a
população local.
A maneira mais efetiva com a qual o Ocidente pode contribuir para
diminuir a imigração ilegal é colaborando com aqueles que, nos países
africanos e no Oriente Médio, lutam para acabar com as satrapias que os
governam e instituir regimes representativos, democráticos e modernos,
que criem condições favoráveis ao investimento e atraiam os capitais
(bastante fartos) que circulam pelo mundo buscando lugares para fincar
raízes.
Quando eu era estudante universitário, lembro de ter lido, no Peru,
uma pesquisa que me fez entender por que milhões de famílias indígenas
migravam do campo para a cidade. Questionava-se que tipo de atração
poderia ser exercida sobre elas a ponto de levá-las a deixar aquelas
aldeias andinas tão glorificadas pelo indigenismo literário e artístico
para viver na promiscuidade insalubre das favelas marginalizadas de
Lima. A resposta era clara: por mais triste e imunda que a vida fosse
nessas favelas, aqueles camponeses viviam ali melhor do que no campo,
onde o isolamento, a pobreza e a insegurança pareciam inescapáveis. A
cidade, ao menos, lhes oferecia uma esperança.
Qual pessoa, sofrendo a ditadura assassina de um Robert Mugabe
no Zimbábue ou o inferno das bombas e do machismo patológico dos
talibãs do Afeganistão, ou o horror cotidiano que eu mesmo presenciei no
Congo, não tentaria fugir dali, atravessando florestas, montanhas,
mares, expondo-se a todos os perigos, para chegar a um lugar onde pelo
menos seja possível alguma esperança? Essas massas que afluem à Europa,
denotando um heroísmo extraordinário, prestam, na maioria dos casos sem
saber, uma grande homenagem à cultura da liberdade, dos direitos humanos
e da coexistência na diversidade, que tem trazido desenvolvimento e
prosperidade ao Ocidente. Quando essa cultura se expandir também –como
já começou a acontecer na América Latina e na Ásia— para a África e o
Oriente Médio, o problema da imigração clandestina acabará aos poucos se
diluindo, até atingir níveis controláveis.
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* Escritor, jornalista, ensaísta e político peruano, laureado com o Nobel de Literatura de 2010.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/18/opinion/1442579286_144627.html
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