Zygmunt Bauman vem ao Brasil para o Educação 360 Foto: Divulgação
Qual a diferença entre educar na era pré-moderna e hoje, na modernidade líquida?
Muita coisa se transformou no trabalho dos professores. Para começar, como o educador E. O. Wilson observou, “estamos nos afogando em informação e, ao mesmo tempo, famintos por sabedoria”. A cada dia, o volume de novas informações excede milhões de vezes a capacidade do cérebro de retê-las. A mudança da sociedade moderna de sólida para líquida coincide, segundo a terminologia de Byung-Chul Han, com a passagem da sociedade da disciplina para a de desempenho. É a sociedade de desempenho individual e da “cultura de afundar ou nadar sozinho”. Nosso sistema educacional é um mecanismo de reproduzir os privilégios entre gerações. Nos Estados Unidos, 74% dos estudantes das universidades mais competitivas vêm das famílias mais ricas e 3%, das mais pobres. Além disso, muitas escolas e universidades induzem à fácil ideologia de que empregos bem remunerados são o objetivo da universidade. Esses são apenas uns dos desafios, erros e negligências da educação contemporânea.
E como será o futuro da educação?
Num cenário líquido, rápido e de mudanças imprevisíveis, a educação deve ser pensada durante a vida toda. A forma que isso vai tomar vai depender de nossas escolhas, e não apenas dos profissionais de educação.
As redes sociais são produto da modernidade líquida ou aspecto transformador dela?
As duas coisas. Estamos seduzidos pelos recursos das mídias digitais por causa do nosso medo de sermos abandonados — mas uma vez imersos na rede de relações online, que dá a falsa ideia de ser facilmente manuseada, nós perdemos ou não adquirimos habilidades sociais que poderiam (e deveriam) nos ajudar a extirpar os medos do mundo offline. Assim, as redes sociais são, simultaneamente, produto da modernidade líquida e sua válvula de escape.
Como essas novas formas de comunicação como mídia social e wikis (espaços de construção de conhecimento coletivo, como wikipédia) afetam os processos educacionais?
Eu diria que elas criam vastas oportunidades que, simultaneamente, são desperdiçadas e, por isso, permanecem improdutivas. Como Nicholas Carr descobriu, “As vantagens são reais. Mas elas têm um preço” — e admitiu: “Eu já fui um mergulhador num oceano de palavras. Agora, eu navego pela superfície como num Jet Ski”. Deixe-me repetir: o outro lado de se afogar em informação é sentir-se faminto de sabedoria.
O senhor diz que o ensino universitário não garante mais ascensão social. De que forma isso transforma a educação?
A Universidade de Yale, nos EUA, e a Universidade Nacional de Cingapura têm uma iniciativa inovadora. Essa experiência, em resposta às demandas por uma vida significativa em nossa sociedade multicultural e descentralizada, é caracterizada por, entre outras coisas, forte ênfase em “expor estudantes a métodos científicos em vez de fatos científicos de forma que (...) eles estejam conscientes sobre como a ciência funciona”. A ênfase é no método de pesquisa e na prática do trabalho de equipe, na suposição de que “você tem que saber como trabalhar com pessoas e fazer com que os outros queiram trabalhar com você”. Não estou convencido de que seguir o padrão Yale/Cingapura vá “garantir ascensão social”, mas acredito que vai preparar muitos estudantes a se unirem num esforço para que a ascensão social aconteça.
Por que o fato de o ensino superior não garantir mais ascensão social é um problema?
Ascensão social é uma sinfonia, não um canto gregoriano monofônico. O ensino superior é apenas um dos muitos sons que se fundem na melodia. Nós acreditamos que o ensino superior é a solução para os problemas que configuramos como sociedade porque alguns desses “nós” têm ensino superior e passaram anos sendo ensinados que vivemos numa “sociedade do conhecimento”, um tipo de conhecimento definido, armazenado e distribuído por universidades. Isso não é necessariamente correto. O que percebemos (normalmente em retrospectiva) como ascensão social é um rio cuja trajetória resulta de vários afluentes. Para citar Tara Brabazon: “Quando o ponto final de muitos degraus foram apenas trabalhos ocasionais (como tem sido a experiência de um número crescente de graduados), os estudantes questionam, com razão, o propósito da estrutura dos cursos”. Mais e mais pessoas que ascenderam socialmente desistiram da universidade ou nunca entraram nela.
Qual o papel da educação no combate às desigualdades sociais, tema do seu novo livro?
O atual sistema universitário foi incorporado pela economia de mercado capitalista. Ele serve como mais um mecanismo na reprodução de privilégios e aprofundamento das desigualdades. Como diz Fareed Zakaria, enquanto um rapaz de 18 anos da Califórnia recebia a melhor educação possível nos anos 60 sem custo, no ano passado os alunos precisavam pagar matrícula de 12.972 dólares se tivessem nascido no estado; se não, o valor subia para 22.878 dólares, sem incluir custo de moradia e alimentação; o valor total do momento da matrícula até o diploma ficaria perto de 50 mil dólares por ano para não-residentes. Poucos entre os milhões de pais amorosos e cuidadosos têm possibilidades de garantir um valor dessa magnitude. Quanto aos filhos, “empréstimos estudantis deixam os universitários presos pelo resto de suas vidas”, observa Will Stanton. “A maior loucura é que entramos para a universidade com o objetivo de conseguir um emprego e pagar a dívida que fizemos para cursar a universidade”.
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