Cientista político Bolívar Lamounier fala da situação e dos caminhos para o País superar a crise política e moral
No dia 13 de agosto, ETCO-Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial
realizou em São Paulo uma reunião do seu conselho consultivo. Além de
assuntos relacionados com a atuação do Instituto, o encontro tratou do
momento político e econômico do País. A discussão contou com a
colaboração de um convidado especial, o sociólogo e cientista político
Bolívar Lamounier, bacharel pela UFMG, PhD em ciência política pela
Universidade da Califórnia e diretor da Augurium Consultoria. Ele fez
uma análise do cenário político atual e, ampliando o enfoque, chamou a
atenção para a carência de líderes no País e de um projeto de nação que
mobilize a sociedade.
Após a reunião, Bolívar Lamounier deu entrevista para o ETCO em Ação. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Quais as saídas para a crise política?
Lamounier: Teoricamente, temos quatro
possibilidades: 1) continuar do jeito que está, com uma presidente fraca
se arrastando até o fim do mandado; 2) a presidente sofrer impeachment ;
3) Ela colocar o Lula na condição de primeiro-ministro e permanecer
como uma espécie de “rainha da Inglaterra”; e 4) a presidente renunciar.
Continuar como está trará que tipo de consequência?
Lamounier: A continuidade da presidente é arrastar a
situação até o fim do mandato e nos expormos a riscos crescentes.
Porque ela não vai melhorar como gestora ou como política nesse período.
Ela é o que ela é, esse é o limite dela.
O que acha da hipótese do impeachment?
Lamounier: É uma saída muito perigosa, que
radicaliza demais o País. Além do mais, os fundamentos jurídicos que
estão sendo invocados, como as pedaladas fiscais e a possibilidade de
ter havido recursos ilícitos na campanha dela, são muito frágeis. Mesmo
que tenha havido dinheiro ilegal, ninguém está demonstrando que ela
sabia e que buscou esses recursos. Não dá para fazer como no futebol,
que você pune o time com a perda do mando de campo só porque meia dúzia
de torcedores fizeram arruaça. Não tem cabimento isso, é uma linha
equivocada.
Na sua opinião, qual seria a melhor saída?
Lamounier: A saída menos traumática seria a renúncia
dela, mas como ela não dá sinais de aceitar essa hipótese, nós temos de
nos preparar para um longo período de dificuldades: a economia muito
mal e ela não dando sinal de grande capacidade de governar.
Como chegamos a esse ponto?
Lamounier: Bastava estar acompanhando os fundamentos
econômicos e políticos com calma para ver que fatalmente chegaríamos a
esta situação. Durante oito anos, o ex-presidente Lula acumulou uma
quantidade de popularidade e de poder político talvez jamais vista no
País e não fez nada com isso. Sentou em cima do poder. Não encaminhou
nenhuma reforma, não fez nenhuma obra de infraestrutura, não teve uma
política educacional. Qual era o progresso que ele imaginava? Era vender
minério de ferro para os chineses. Enquanto os preços compensavam, nós
tivemos aqui taxa de crescimento muito alta. O preço das commodities
desabou e nós agora temos de nos virar sozinhos.
Fomos pegos pela desaceleração da China?
Lamounier: Isso aconteceria fatalmente. Um país que
aliena o seu crescimento econômico ao outro tem que estar preparado para
um revertério. Mais cedo ou mais tarde vai acontecer. E no momento em
que esse revertério aconteceu, nós tivemos o azar de ter na presidência
da República uma pessoa que não tem os atributos necessários para o
cargo. Então, no Brasil, milhões de famílias, milhões de desempregados
estão pagando esse preço.
"Lula acumulou uma
quantidade de popularidade
e de poder político talvez jamais vista no
País
e não fez nada com isso. Sentou em cima do poder.
Não encaminhou
nenhuma reforma,
não fez nenhuma obra de infraestrutura,
não teve uma
política educacional."
Paralelamente, teve as denúncias, as revelações de corrupção…
Lamounier: A crise moral é decorrência de o País ter
perdido a sua autoimagem, a capacidade de se pensar e de se projetar no
futuro como uma nação que quer ser de um jeito e não de outro. Se você
tem um referencial, uma imagem do país, as instituições todas mais ou
menos se coordenam, se articulam com aquele ideal, e isso vai filtrando
para baixo até chegar no cidadão mais humilde do país. Agora, quando
você não tem referencial nenhum, você fica ao Deus dará. Pior que ao
Deus dará, você fica refém de certos grupos que sabem muito bem o que
querem. Se os que querem o bem não atuam, os que querem o mal atuam.
As investigações não representam um avanço?
Lamounier: Há quem pense que, ao suscitar esses
problemas, eu esteja subestimando o progresso que houve no Brasil em
diversos aspectos. Não estou subestimando, estou apenas falando que em
alguns aspectos nós paramos ou regredimos. Por exemplo, a democracia
está aí, somos 140 milhões de pessoas votando, mas como é que nós
passamos dez anos sem saber o que acontecia na Petrobras? A ideia não é
que tem transparência, tem responsabilização? Como é que a própria
presidente da República, que na época era ministra, presidindo o
conselho de administração deixa passar bichos daquele tamanho por
debaixo do queixo dela? Há aspectos aí que nós ou paramos no tempo ou
regredimos muito seriamente.
O jeito de fazer política no Brasil, de dar cargos em troca de apoio, favorece a corrupção?
Lamounier: Um certo grau de transação existe em
qualquer país e é necessário. Agora, entregar currais fechados, como se
tem feito ultimamente – entrega ao partido tal a Petrobras, entrega ao
partido tal o Ministério dos Transportes -, não tem cabimento. Isso
acontece, em parte, por má intenção de algumas pessoas, não se pode
negar isso, mas em parte também porque ascendeu ao comando do País um
partido notoriamente sem quadros.
E a oposição?
Lamounier: A oposição está errando muito. Os
partidos no Brasil têm muito um negócio de ocasião. Não parece que
pensem estrategicamente. Desde a eleição estava absolutamente claro que
nós iríamos ter um baita ajuste fiscal extremamente doloroso. Pior: um
ajuste fiscal que a presidente havia negado durante a campanha, e
portanto acabaria tendo de fazer sem legitimidade. As oposições tinham
de ter sido mais proativas. Em vez disso, nós vimos no primeiro semestre
o pessoal batendo cabeça. A oposição às vezes se esquece que ela também
é cobrada pelo povo. O povo não cobra só do governo, cobra da oposição
também.
Como avalia as lideranças do País?
Lamounier: Esse é um problema grave. Hoje, no
Brasil, as pessoas que tem tempo e capacidade de refletir com mais calma
sobre determinados assuntos – empresários, intelectuais, jornalistas –
precisam fazer uma pausa para analisar melhor o que aconteceu no País
nos últimos trinta anos. O Brasil está um pouco sem rumo. Não é só uma
questão do governo Dilma e da pessoa física Dilma Rousseff. Nós perdemos
o sentido de objetivo no País, a capacidade de refletir e a capacidade
de formar líderes no número necessário. Não estou negando que existam
líderes. Existem muitos, de vários partidos, mas não na escala que o
Brasil precisa. Basta lembrar que no curto espaço de um quarto de século
morreram Petrônio Portela, Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Mário
Covas, Roberto Campos. Dos dois lados do espectro.
Como resolver esse problema?
Lamounier: Todo mundo se queixa que o País está sem
líderes, mas nunca as pessoas se lembram de discutir que líder não dá em
árvore, não é que nem o mamão, que você vai lá e colhe. Se você acha
que está faltando líder, vamos ver o que nós podemos fazer. Alguns
países criaram deliberadamente instituições de onde o sujeito sai
preparado para a política se ele quiser seguir uma carreira de alto
nível. Na França, por exemplo, tem a Escola Nacional de Administração,
que foi criada para isso pelo [general Charles] de Gaulle. Eu acho que
nós precisamos sair desse marasmo em que nos colocamos. O marasmo é
muito perigoso. Faz muito tempo que nós nos reclinamos, colocamos o
cinto e dormimos.
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Fonte: http://www.etco.org.br/noticias/o-brasil-precisa-de-novos-lideres/03/09/2015
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