Marcus Eduardo de Oliveira*
Zygmunt Bauman: a economia do engano faz com que consumidores comprem
aquilo que não precisam.
Basta
um rápido olhar sobre a sociedade de consumo (doravante, “SC”), em
especial sobre as estratégias publicitárias e a obsolescência planejada,
para se verificar com muita clareza aquilo que o filósofo polonês
Zygmunt Bauman chama de “economia do engano”, ou seja, uma sociedade
que, permeada pelo consumo, busca nas relações de compra estabelecer
determinados vínculos tendo como pano de fundo a subjetividade,
esbarrando no excesso e no desperdício, posto a irracionalidade que está
por trás de um modelo econômico global pautado na obsessiva mania de
crescimento que dinamiza a aceleração do ciclo de acumulação do capital –
acumulação, consumo, mais produção para mais consumo e, portanto, cada
vez mais acumulação, num ciclo ininterrupto que tantos danos tem causado
ao meio ambiente.
A “economia do engano”, nos dizeres de Bauman, tem essa conotação
persuasiva de fazer com que consumidores comprem aquilo que não
precisam. É curioso notar uma observação de Bauman, pontuando que a
felicidade buscada pelo consumismo não se encontra na satisfação das
necessidades, mas sim no desejo contínuo e crescente que implica a
procura constante de mercadorias.
Por isso o ciclo de acumulação do capital se mantém e gira, cada vez
mais com mais força, justificando, assim, o injustificável modelo de
excesso e desperdício “dentro” de um mundo finito, limitado, que tem na
irracionalidade do crescimento econômico seu motor de dinamismo.
Desse modo, consumir o tempo todo, de preferência tudo quanto for
possível, preferencialmente num curto espaço de tempo, estimulados por
linhas de crédito cada vez mais facilmente disponíveis, “alimentada” por
uma indústria da publicidade que torra fortunas (simplesmente, o
segundo maior orçamento mundial, perdendo apenas para os gastos bélicos)
para nos convencer a comprar coisas que são cada vez menos importantes –
portanto, descartáveis – para o nosso viver.
Em suma, é essa a regra de ouro da “SC”. Se você está inserido nisso,
ou mesmo é adepto desse modelo de obsolescência programada (daqui em
diante, “OP”) sem perceber, entendendo que a felicidade está atrelada ao
poder de consumo, bem-vindo então ao mundo da suntuosidade econômica
sem limites; do reino da abundância em completa substituição à noção do
suficiente.
Essa prática tacanha da técnica da “OP” merece aqui melhor
esclarecimento. Trata-se de um conceito que teve início nos anos 1920 a
partir da ação de fabricantes de lâmpada elétrica que perceberam que
reduzir a vida útil desse produto aumentaria as vendas e os lucros,
tendo em conta que uma lâmpada, em 1924, durava 2.500 horas até ser
queimada.
Pouco tempo depois, a vida útil das lâmpadas não superava 1.000
horas, tendo sido reduzida em 40%, adaptando-se, portanto, ao lema
proferido pelos fabricantes: “Aquilo que não se desgasta não é bom para
os negócios”.
Em referência a isso, Valquíria Padilha, autora de “Shopping Center: a catedral das mercadorias”
(Ed. Boitempo, 2006), observa que a “OP” é uma tecnologia a serviço do
capital. Para aumentar a acumulação de riquezas privadas, o capital
devasta, destrói, esgota a natureza. O aumento da riqueza do capital é
proporcional ao aumento da destruição da natureza. Na sociedade da
obsolescência induzida, tudo acaba em lixo.
Desse modo, a “SC”, em estreita e íntima concordância com a “OP”
satisfazem as necessidades do mercado, da acumulação de capital, muito
mais do que as “necessidades” dos indivíduos; por isso rejeitam
taxativamente os processos de reutilização, de reciclagem, uma vez que
isso serve de obstáculos à expansão do modo capitalista de produzir e de
avançar, que tem na expansão do PIB sua máxima expressão de “sucesso”.
Por isso tudo, cada vez mais se justifica a afirmação corrente nos
meandros da economia ecológica que prescreve que o crescimento pelo
crescimento é irracional, para não dizer estúpido, usando então as
palavras do economista britânico radicado nos Estados Unidos, Kenneth
Bouilding (1910-1993) quando afirmou que acreditar num crescimento
ilimitado da economia num mundo finito só poderia ser coisa de um
estúpido, ou de um economista.
Enquanto perdurar a crença de que o crescimento econômico
ininterrupto pode acontecer livremente, continuaremos assolando as
coisas da natureza, em especial os serviços ecossistêmicos, em troca de
mais produção econômica.
Se esse tipo de pensamento não for expurgado, continuaremos tendo
mais economia e menos meio ambiente, mais laços mercadológicos e menos
laços de sociabilidade humana, mais compromissos com o lado financeiro e
menos com o social, mais presentes (mercadorias) do que presenças
(físicas, humanas).
Lamentavelmente, isso está envolto em nome de modelos de economia que
buscam mais produção, para mais consumo, mesmo que tudo isso venha a
acabar em lixo.
No reino da abundância, não tem valor a parcimônia, a moderação, o
equilíbrio, mas sim a dinamização, a troca constante, o excesso e a
acumulação de capital, ainda que estejamos mergulhados dos pés à cabeça
nessa “economia do engano”, como bem assevera Bauman.
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*Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor. prof.marcuseduardo@bol.com.br
Fonte: http://www.domtotal.com/diario_bordo/detalhes.php?diaId=584 04/09/2015
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