Entrevista do professor Agemir Bavaresco para o jornal Folha de Caxias
As contradições do fenômeno de opinar, as oposições entre diferentes
opiniões, e a formação da opinião pública a partir dessa relação,
gerando a necessidade de mediação pelos mecanismos institucionais da
sociedade, estão no centro das pesquisas de pós-doutorado do coordenador
do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUC-RS, Agemir Bavaresco.
Doutor em Filosofia pela Université Paris I (Pantheon-Sorbonne) desde
1997, o professor participou de estudos interdisciplinares nas áreas de
Filosofia Moderna, Filosofia Política e Filosofia do Direito na Fordham
University e na Columbia University (EUA, onde também foi professor
visitante na Universidade de Pittsburgh), na Universidade de Sydney
(Austrália) e na Universidade de Guiana. Possui ainda graduação em
Teologia pela PUC-RS e em Direito pela Universidade Católica de Pelotas.
A partir de seu mais recente trabalho dedicado à atualização do tema
Democracia e Opinião Publica, o e-book Opinião Pública, Contradição e
Mediação - Leituras Hegelianas, Bavaresco é o segundo entrevistado da
série Corrupção e Ética na Política e Sociedade brasileiras. Confira:
Folha: A intensidade da participação da sociedade brasileira no
atual debate político mostra maior engajamento às necessidades
coletivas? Ou vivenciamos um apelo de interesses grupais ou de classe,
portanto, de moral egocêntrica?
Prof. Agemir Bavaresco: Com as jornadas de junho de 2013
aprendemos a conviver com manifestações e que elas são parte
constitutiva da democracia. Para Marcos Nobre, professor da Unicamp,
aquelas mobilizações estariam vinculadas à tradição brasileira de
grandes revoltas populares, como a do Vintém (1879-1980), a da Vacina
(1904), e a da Chibata (1910). Para ele, “junho de 2013 encerra a
redemocratização brasileira” iniciada com a volta do multipartidarismo,
em 1989, e “abre um novo ciclo de democratização”. Nobre diz que as
pessoas foram às ruas para rejeitar o sistema político em vigor. “A
noção de democracia no Brasil se ampliou, o que exige que as
instituições também se democratizem”. Porém, como diz o filósofo
esloveno Slavoj Zizek, só depois que o entusiasmo se vai “é que começa a
verdadeira luta, é que as questões verdadeiras emergem”.
Folha: Por que a ética brasileira ainda se ressente de maior responsabilidade social e pública?
Bavaresco: O despertar da cidadania é um dos mais libertários
momentos da vida de um povo. O conceito de direitos e deveres transcende
meros interesses individuais, traduzindo-se numa nova visão de mundo. A
responsabilidade de cada pessoa na construção de valores coletivos,
plurais e democráticos assegura o bem-estar humano e o respeito a todas
as formas de vida, nas mais variadas manifestações. O direito à
cidadania, a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, o resgate da
ética nas relações são responsabilidade de toda pessoa, como ator social
e partícipe do processo de conservação ambiental e do bem-estar da
humanidade.
Folha: Nossa realidade social nos mostra distantes deste
princípio estabilizado. Ao contrário, em geral praticamos uma espécie de
Imperativo Categórico de Kant invertido - nossa ação vale como lei
individual, mas nunca universal (traduzido por ‘o que vale para mim, não
vale para os outros’). Trata-se de um traço da personalidade nacional?
Bavaresco: Eu não diria que isto é um traço brasileiro. Um modo
de ser egocêntrico ou autorrefe-rencial é uma possibilidade inscrita em
todo ser humano, que conduz à autofagia e à mesquinhez. O que diferencia
os seres humanos é sua história e educação, as instituições sociais e
políticas. O desafio é globalizar a solidariedade entre as pessoas,
grupos e povos, o que é um aprendizado de toda a vida.
Folha: Nossos princípios éticos particulares geraram o ‘jeitinho
brasileiro’, que tem componentes de virtude (flexibilidade e
criatividade), ao mesmo tempo que se fundamenta na incosequência e no
‘levar vantagem’ presentes na corrupção. como equilibrar esta
característica cultural contribuindo com a evolução do país? Bavaresco:
Tanto na antropologia quanto na sociologia, o fenômeno do ‘jeitinho
brasileiro’ tem sido estudado como um aspecto da identidade cultural
brasileira. O Brasil é conhecido pela prática de ‘dar um jeitinho para
tudo’ - uma expressão contraditória, pois, ao mesmo tempo significa
habilidade para a resolução criativa de problemas (gerados a partir de
hierarquias e instituições ineficientes) como também se refere à nossa
capacidade de romper regras ou princípios éticos ou legais para obter
benefícios pessoais ou grupais. Então, o ‘jeitinho’ é uma contradição
que caracteriza o ‘ser latino’ e o brasileiro, isto é, a flexibilidade
que carrega consigo nossa criatividade rebelde para obter recursos de
maneira ilícita. Penso que a evolução das instituições e organizações
sociais, aos poucos, resolverá esta contradição, sem que se perca o
‘jeitinho’ criativo, tolerante e ético de nosso modo de ser.
Folha: Está na exacerbação desse rompimento de regras e
princípios éticos e legais - histórico na sociedade brasileira e
potencializado pela sociedade do consumo e da mídia de massa - a origem
da corrupção?
Bavaresco: Esse problema deve ser visto dentro de um cenário de
globalização. Hoje tudo está conectado e todos sofremos dos mesmos
vícios e virtudes. O que muda é a intensidade e algumas peculiaridades
na sofisticação das ações do ser humano.
Folha: Acusações de corrupção foram, historicamente, argumento de
contestação a todos os governos brasileiros. Por que agora é mais
consistente a repercussão social?
Bavaresco: Oposições e Contradição são o fermento da opinião
pública. As opiniões são, normalmente, diferentes entre os indivíduos.
Há uma oposição, isto é, uma opinião que se diz contra outra. A
contradição é uma tensão máxima entre opiniões que se opõem e são
infinitas, pois cada um pode dizer a sua. Então, face a esta tensão de
opiniões, são necessárias as mediações institucionais, capazes de
incluir os diferentes ‘sentir’, ‘pensar’ e ‘desejar’ dos cidadãos. A
opinião pública é mediada pelas instituições, pelo Direito, pela
Constituição, pelas organizações socio-estatais e pelo tribunal da
História. Opiniões finitas emergem, infinitamente, mediadas na História.
Folha: Em que medida a opinião pública corresponde, de fato, à opinião do público?
Bavaresco: A Opinião Pública é uma rede de opiniões que expressa a
contradição do fenômeno de opinar. A liberdade de imprensa e a
liberdade de acesso às redes sociais permitem que as pessoas digam sua
opinião. As opiniões são a expressão da oposição de sentimentos,
pensamentos e desejos, assim conduzindo à contradição de interesses que o
cidadão quer defender ou garantir para si próprio ou para os outros.
Folha: Nesse sentido, nunca as pessoas puderam expressar tanto
suas opiniões como atualmente, com a expansão das redes sociais.
Contudo, em vez de um debate qualificado pela pluralidade de ideias e
atores sociais, percebemos superficialidade, pre-caridedade
argumentativa e pouco compromisso com o efeito público do que é
divulgado. O que explica essa contradição?
Bavaresco: A opinião pública explicita o fenômeno do ato de
opinar como o prazer e o direito que os cidadãos têm em dizer o que
pensam e sentem sobre a realidade. Ela tem a força de identificar a
lógica imanente a este fenômeno: a contradição. As opiniões, na sua
finitude, expressam a vontade de compreender e agir no estabelecimento
das agendas sociais e políticas que compõem os cenários infinitos da
realidade. Então, a estrutura processual da finitude (das opiniões) e da
infinitude (das possibilidades) exibe a lógica imanente do ato de
opinar, incluindo todos os fatos e boatos, e intuindo a necessidade da
mediação institucional para a verdade da opinião pública.
Folha: Um exemplo dessa relação contraditória é o uso da opinião,
assegurada pela lógica democrática, para pedir o fim da democracia. O
que isso revela sobre a opinião pública brasileira?
Bavaresco: A democracia brasileira alcançou um grau de maturidade
que a capacita a absorver e superar as suas contradições internas. Por
isso, há certas manifestações que caem no ridículo de sua própria
expressão.
Folha: De que modo podemos e o que precisamos para amadurecermos eticamente, como indivíduos, sociedade e institucional-mente?
Bavaresco: A paciência do conceito sobre a liberdade de opinar
afirma-se entre cidadãos e povos até que a impaciência da consciência da
opinião pública efetive as mediações para sua realização. A força da
imediatidade de querer a justiça legal precisa da mediação da
legitimidade da justiça constitucional. O longo processo desse conceito
abraça, generosamente, povos, organizações e Estados, erguendo-os,
soberanamente, na convivência multipolar de indivíduos, nutridos da
contradição infinita entre paixão e razão na História, e avançando em
mediações interinstitucio-nais articuladas em redes.
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Reportagem por ARIEL ROSSI GRIFFANTE
ariel.rgriffante@gmail.com
Fonte: http://revistaopiniaofilosofica.blogspot.com.br/ acesso 21/09/2015
Imagem da Internet
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