segunda-feira, 21 de setembro de 2015

"ÉTICA É RESPONSABILIDADE DE TODOS"

 

Entrevista do professor Agemir Bavaresco para o jornal Folha de Caxias

As contradições do fenômeno de opinar, as oposições entre diferentes opiniões, e a formação da opinião pública a partir dessa relação, gerando a necessidade de mediação pelos mecanismos institucionais da sociedade, estão no centro das pesquisas de pós-doutorado do coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUC-RS, Agemir Bavaresco.
Doutor em Filosofia pela Université Paris I (Pantheon-Sorbonne) desde 1997, o professor participou de estudos interdisciplinares nas áreas de Filosofia Moderna, Filosofia Política e Filosofia do Direito na Fordham University e na Columbia University (EUA, onde também foi professor visitante na Universidade de Pittsburgh), na Universidade de Sydney (Austrália) e na Universidade de Guiana. Possui ainda graduação em Teologia pela PUC-RS e em Direito pela Universidade Católica de Pelotas.
A partir de seu mais recente trabalho dedicado à atualização do tema Democracia e Opinião Publica, o e-book Opinião Pública, Contradição e Mediação - Leituras Hegelianas, Bavaresco é o segundo entrevistado da série Corrupção e Ética na Política e Sociedade brasileiras. Confira:
Folha: A intensidade da participação da sociedade brasileira no atual debate político mostra maior engajamento às necessidades coletivas? Ou vivenciamos um apelo de interesses grupais ou de classe, portanto, de moral egocêntrica?
Prof. Agemir Bavaresco: Com as jornadas de junho de 2013 aprendemos a conviver com manifestações e que elas são parte constitutiva da democracia. Para Marcos Nobre, professor da Unicamp, aquelas mobilizações estariam vinculadas à tradição brasileira de grandes revoltas populares, como a do Vintém (1879-1980), a da Vacina (1904), e a da Chibata (1910). Para ele, “junho de 2013 encerra a redemocratização brasileira” iniciada com a volta do multipartidarismo, em 1989, e “abre um novo ciclo de democratização”. Nobre diz que as pessoas foram às ruas para rejeitar o sistema político em vigor. “A noção de democracia no Brasil se ampliou, o que exige que as instituições também se democratizem”. Porém, como diz o filósofo esloveno Slavoj Zizek, só depois que o entusiasmo se vai “é que começa a verdadeira luta, é que as questões verdadeiras emergem”.
Folha: Por que a ética brasileira ainda se ressente de maior responsabilidade social e pública?
Bavaresco: O despertar da cidadania é um dos mais libertários momentos da vida de um povo. O conceito de direitos e deveres transcende meros interesses individuais, traduzindo-se numa nova visão de mundo. A responsabilidade de cada pessoa na construção de valores coletivos, plurais e democráticos assegura o bem-estar humano e o respeito a todas as formas de vida, nas mais variadas manifestações. O direito à cidadania, a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, o resgate da ética nas relações são responsabilidade de toda pessoa, como ator social e partícipe do processo de conservação ambiental e do bem-estar da humanidade.
Folha: Nossa realidade social nos mostra distantes deste princípio estabilizado. Ao contrário, em geral praticamos uma espécie de Imperativo Categórico de Kant invertido - nossa ação vale como lei individual, mas nunca universal (traduzido por ‘o que vale para mim, não vale para os outros’). Trata-se de um traço da personalidade nacional?
Bavaresco: Eu não diria que isto é um traço brasileiro. Um modo de ser egocêntrico ou autorrefe-rencial é uma possibilidade inscrita em todo ser humano, que conduz à autofagia e à mesquinhez. O que diferencia os seres humanos é sua história e educação, as instituições sociais e políticas. O desafio é globalizar a solidariedade entre as pessoas, grupos e povos, o que é um aprendizado de toda a vida.
Folha: Nossos princípios éticos particulares geraram o ‘jeitinho brasileiro’, que tem componentes de virtude (flexibilidade e criatividade), ao mesmo tempo que se fundamenta na incosequência e no ‘levar vantagem’ presentes na corrupção. como equilibrar esta característica cultural contribuindo com a evolução do país? Bavaresco: Tanto na antropologia quanto na sociologia, o fenômeno do ‘jeitinho brasileiro’ tem sido estudado como um aspecto da identidade cultural brasileira. O Brasil é conhecido pela prática de ‘dar um jeitinho para tudo’ - uma expressão contraditória, pois, ao mesmo tempo significa habilidade para a resolução criativa de problemas (gerados a partir de hierarquias e instituições ineficientes) como também se refere à nossa capacidade de romper regras ou princípios éticos ou legais para obter benefícios pessoais ou grupais. Então, o ‘jeitinho’ é uma contradição que caracteriza o ‘ser latino’ e o brasileiro, isto é, a flexibilidade que carrega consigo nossa criatividade rebelde para obter recursos de maneira ilícita. Penso que a evolução das instituições e organizações sociais, aos poucos, resolverá esta contradição, sem que se perca o ‘jeitinho’ criativo, tolerante e ético de nosso modo de ser.
Folha: Está na exacerbação desse rompimento de regras e princípios éticos e legais - histórico na sociedade brasileira e potencializado pela sociedade do consumo e da mídia de massa - a origem da corrupção? 
Bavaresco: Esse problema deve ser visto dentro de um cenário de globalização. Hoje tudo está conectado e todos sofremos dos mesmos vícios e virtudes. O que muda é a intensidade e algumas peculiaridades na sofisticação das ações do ser humano.
Folha: Acusações de corrupção foram, historicamente, argumento de contestação a todos os governos brasileiros. Por que agora é mais consistente a repercussão social? 
Bavaresco: Oposições e Contradição são o fermento da opinião pública. As opiniões são, normalmente, diferentes entre os indivíduos. Há uma oposição, isto é, uma opinião que se diz contra outra. A contradição é uma tensão máxima entre opiniões que se opõem e são infinitas, pois cada um pode dizer a sua. Então, face a esta tensão de opiniões, são necessárias as mediações institucionais, capazes de incluir os diferentes ‘sentir’, ‘pensar’ e ‘desejar’ dos cidadãos. A opinião pública é mediada pelas instituições, pelo Direito, pela Constituição, pelas organizações socio-estatais e pelo tribunal da História. Opiniões finitas emergem, infinitamente, mediadas na História.
Folha: Em que medida a opinião pública corresponde, de fato, à opinião do público? 
Bavaresco: A Opinião Pública é uma rede de opiniões que expressa a contradição do fenômeno de opinar. A liberdade de imprensa e a liberdade de acesso às redes sociais permitem que as pessoas digam sua opinião. As opiniões são a expressão da oposição de sentimentos, pensamentos e desejos, assim conduzindo à contradição de interesses que o cidadão quer defender ou garantir para si próprio ou para os outros.
Folha: Nesse sentido, nunca as pessoas puderam expressar tanto suas opiniões como atualmente, com a expansão das redes sociais. Contudo, em vez de um debate qualificado pela pluralidade de ideias e atores sociais, percebemos superficialidade, pre-caridedade argumentativa e pouco compromisso com o efeito público do que é divulgado. O que explica essa contradição? 
Bavaresco: A opinião pública explicita o fenômeno do ato de opinar como o prazer e o direito que os cidadãos têm em dizer o que pensam e sentem sobre a realidade. Ela tem a força de identificar a lógica imanente a este fenômeno: a contradição. As opiniões, na sua finitude, expressam a vontade de compreender e agir no estabelecimento das agendas sociais e políticas que compõem os cenários infinitos da realidade. Então, a estrutura processual da finitude (das opiniões) e da infinitude (das possibilidades) exibe a lógica imanente do ato de opinar, incluindo todos os fatos e boatos, e intuindo a necessidade da mediação institucional para a verdade da opinião pública.
Folha: Um exemplo dessa relação contraditória é o uso da opinião, assegurada pela lógica democrática, para pedir o fim da democracia. O que isso revela sobre a opinião pública brasileira?
Bavaresco: A democracia brasileira alcançou um grau de maturidade que a capacita a absorver e superar as suas contradições internas. Por isso, há certas manifestações que caem no ridículo de sua própria expressão.
Folha: De que modo podemos e o que precisamos para amadurecermos eticamente, como indivíduos, sociedade e institucional-mente?
Bavaresco: A paciência do conceito sobre a liberdade de opinar afirma-se entre cidadãos e povos até que a impaciência da consciência da opinião pública efetive as mediações para sua realização. A força da imediatidade de querer a justiça legal precisa da mediação da legitimidade da justiça constitucional. O longo processo desse conceito abraça, generosamente, povos, organizações e Estados, erguendo-os, soberanamente, na convivência multipolar de indivíduos, nutridos da contradição infinita entre paixão e razão na História, e avançando em mediações interinstitucio-nais articuladas em redes.
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Reportagem por  ARIEL ROSSI GRIFFANTE
ariel.rgriffante@gmail.com
Fonte:  http://revistaopiniaofilosofica.blogspot.com.br/ acesso 21/09/2015
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