Leandro Konder*
Na área das ciências sociais, uma das novidades mais surpreendentes é o livro O enigma do político, com o subtítulo Marx contra a política moderna, de autoria de Thamy Pogrebinschi.
A autora mergulha fundo no texto de Karl Marx e, remando sempre contra a corrente, acentua os extraordinários méritos do pensador alemão. Na nossa época atual, não é pouca coisa alguém se dedicar a explorar as qualidades do filósofo socialista.
A ideia central exposta por Pogrebinschi é a de que em Marx se desenvolve uma crítica implacável à economia, tal como ela funciona a partir do modo de produção capitalista. Mas Marx não é hostil a um reconhecimento efetivo e radicalmente crítico dos valores políticos, no plano ontológico.
Segundo a interpretação de Pogrebinschi, há uma questão que nos desafia, a qual Marx teve a lucidez de abordar, porém não resolveu completamente: em que consiste o político, como dimensão da atividade própria do gênero humano.
Quando a lógica de seu pensamento o conduz a enfrentar a questão da eliminação do Estado, fica no ar a dúvida: o que ocupará o lugar do Estado? Marx está consciente de que, extinto o Estado, os seres humanos continuarão a buscar elementos institucionais necessários à existência dos indivíduos nas sociedades.
Nas condições da modernidade, a sociedade civil opõe resistência tanto ao poder do Estado como à dinâmica perversa da associação que lhes é imposta. A divergência entre Marx e os anarquistas tem sido reconhecida como um debate que se prolonga em torno do tempo histórico da revolução: a sociedade será transformada do dia para a noite ou necessitará de todo um processo para transformá-la.
A autora empreende uma minuciosa pesquisa em torno das divergências de Marx com Bakunin. Mas seu trabalho ganha maior densidade quando se ocupa das formas de organização coletiva que os seres humanos vêm adotando em seus esforços para promover as modificações necessárias.
Para chegarem ao imprescindível comunismo, os estudos de Pogrebinschi mostram que o movimento da história surge como associação (Vereinigung) e não como união (Verein).
Por meio dessas categorias, a autora sustenta que Marx, pensando a simultaneidade da permanência e da mudança, resgatou a categoria de superação/conservação do velho Hegel e foi capaz de esclarecer alguns aspectos significativos da concepção das transformações históricas – ao que tudo indica, um tanto graduais – promovidas de acordo com uma categoria proposta pela própria autora do livro: o desvanecimento do Estado.
Em sua origem, o livro foi uma tese de doutorado, elogiada merecidamente pela banca de professores que a julgou. Houve, porém, críticas que devem ser lembradas. É difícil enfrentar o desafio de analisar a teoria marxista do Estado, mantendo-se sistematicamente à margem dos escritos de Antonio Gramsci (e isso numa banca da qual participava o filósofo Carlos Nelson Coutinho, grande conhecedor da obra do marxista italiano).
Os leitores mais experientes também sentirão falta de uma contextualização das ideias de Marx que foram sendo, em alguns momentos, retrabalhadas pelo próprio Marx. A autora brasileira teve a perspicácia de aproveitar a contribuição do jovem Marx, mas não teve a precaução de assinalar pontos importantes das mudanças que Marx realizou no plano teórico.
Há certos aspectos de nossa realidade que, na análise crítica de Pogrebinschi, são um tanto enigmáticas. Marx não os resolve, porém nos ajuda a encarar o enigma da modernidade.
* Filósofo, colunista mensal deste Ideias.
FONTE: Jornal do Brasil online - 01/01/2010
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