domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ciberxote

Maraci Sant´Ana*

Esta até a galera mais jovem conhece, já que foi regravada por Marisa Monte: “Ela só quer, só pensa em namorar. De manhã cedo, já tá pintada. Só vive suspirando, sonhando acordada. O pai leva ao doutor a filha adoentada. Não come nem estuda, não dorme nem quer nada. Mas o doutor nem examina. Chamando o pai de lado, lhe diz, logo em surdina, que o mal é da idade e que, pra tal menina, não há um só remédio em toda medicina”. Extraído de Xote das Meninas, gravada em 1953 por Luiz Gonzaga, esse trecho da música mostra como as adolescentes de mais de meio século atrás eram parecidas com as de hoje.

Só que, agora, as garotas não ficam mais no portão, no maior nervosismo, esperando o carteiro. Elas aguardam, ansiosamente, por um e-mail ou um torpedo; não usam mais o correio elegante. Publicam recados nos blogs ou no Orkut. E o mesmo acontece com os garotos. Antigamente, aqueles em que os pais não conseguiam colocar “cabresto” passavam o dia na rua, com os amigos, fazendo “só Deus sabia lá o quê”. Mas, certamente, nem estavam estudando nem rezando. Em nada muito diferentes dos nossos filhos. Só que esses aprontam todas e mais algumas sem precisar sair de casa. Basta que tenham acesso à internet. Forma nova, conteúdo antigo.

É claro que a internet faz tudo mais intenso. Mas não podemos esquecer que os jovens de hoje são contemporâneos dessa intensidade. O problema está no exagero, na busca de satisfação imediata a qualquer preço, na obsessão. A internet pode ser moderna, mas problemas emocionais não são nenhuma novidade. Muitos rapazes e moças do passado se perderam no caminho dos romances sem sentido, da boemia, do álcool e de outras drogas, sem um projeto de vida. Muitos jovens de agora fazem o mesmo, só que de um jeito diferente. Em que todos são tão parecidos? Na incapacidade de enxergar além, de deixar para trás algo que não deveria passar de uma fase, de amadurecer.

Então, para os pais modernos, que tanto se preocupam com os filhos, deixo uma receita antiga: crianças compulsivamente na internet? É hora de olhar para a própria vida. Porque a filho a gente ensina dando o exemplo. Faça uma autoanálise. Tem trabalhado compulsivamente? E bebido? E fumado? E malhado? Usa algum tipo de droga ilícita ou lícita? Ou é do tipo que não se desgruda do celular, do laptop? Seja honesto com você mesmo e, se encontrar dificuldade, procure ajuda profissional, antes que o problema se agrave e tenha desdobramentos dolorosos. Os resultados das pesquisas realizadas na área são assustadores porque eles deixam claro que o cibervício, lamentavelmente, não costuma vir sozinho.
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*Maraci Sant’Ana é psicóloga clínica e colunista do Correio.com
Fonte: Correio Braziliense online, 21/02/2010

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