L. F. VERISSIMO*
Os profetas do século 20 estão sendo reabilitados. Pareciam desmoralizados para sempre pelo futuro que não previram, ou previram mal. 1984 já passou e o inferno totalitário de Orwell não aconteceu, ou quase aconteceu mas não vingou. O admirável mundo novo de Huxley, é verdade, ainda estaria por vir – está marcado para a metade deste milênio – mas tudo indica que não será como ele imaginou. Nada envelhece tão depressa como os futuros de antigamente. As profecias erradas só serviriam para mostrar o que se temia ontem – a coletivização forçada no caso do antiestalinista Orwell, a automatização da vida e a felicidade artificial na nascente americanização do mundo pelo fordismo e a padronização industrial, no caso de Huxley. Pelas previsões deles se conhecia o passado, não o futuro. Outros especuladores que pareciam visionários não sobreviveram a seus 15 minutos de notoriedade. Marshall McLuhan, guru de uma nova ciência da comunicação, desapareceu sem deixar vestígios ou seguidores. Herbert Marcuse, supremo sacerdote da contracultura, teve o mesmo destino do hully-gully, lembra dele? Não foi um bom século para profetas.
Ou foi? Estão descobrindo que eles não erraram, apenas não foram adequadamente entendidos. A internet recuperou a ideia da Aldeia Global de McLuhan, que só estava esperando a invenção do chip de silício para se tornar realidade. Quando pensavam que Marcuse apenas dava uma bênção filosófica para mais sexo e roquenrol, ele estava falando do mundo unidimensional e das formas veladas de doutrinação ideológica que nos esperavam com o pensamento econômico único, e isto ainda na década de 70. O Big Brother pode não controlar nossas vidas totalmente como Orwell previu em 1984, mas só porque não quer, pois hoje tem todos os meios eletrônicos para isto, e nenhum modo de ser resistido. E a padronização da vida e a felicidade em pílulas de Huxley não estão muito longe da monocultura americana e da química onipotente do noticiário atual. Os profetas podem ter errado nos seus roteiros e nos seus exageros, mas acertaram no essencial. E espera-se para qualquer momento a volta, também reabilitado, do hully-gully.
FELICIDADE
O que é felicidade?
Felicidade é quando o último canapé da bandeja sobra para você.
É quando você sacode a lata – e ainda tem cerveja!
É encontrar vaga no estacionamento depois de uma volta só.
É o dentista telefonar para desmarcar a hora.
E, ao contrário do que você sempre pensou, felicidade não é viver uma grande paixão, é ter alguém para coçar as suas costas.
__________________________*Escritor. Colunista da ZH.
Fonte: ZH online, 22/02/2010
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