sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Gianni Vattimo: A doce morte - Entrevista

''Sobre a 'doce morte' há hipocrisia e muitos casos no silêncio''.


A única coisa a evitar, em casos como é a hipocrisia. O filósofo Gianni Vattimo* sintetiza assim o seu comentário sobre o caso Gosling: “A verdade é que, também na Itália, a liberdade das escolhas depende da classe social. Quem pode dirige-se a um amigo médico e ninguém sabe nada. Depois todos discutem princípios máximos”.

Professor Vattimo, há anos o senhor revelou ter feito um pacto com seu companheiro. O caso Gosling é semelhante ao seu?
A principal diferença é que, quanto disso resulta, o companheiro de Gosling estava lúcido e consciente. Nós havíamos estabelecido que escolhas deste gênero as teríamos efetuado somente no caso em que um dos dois já não estivesse mais consciente”.

Quem teria devido cumprir materialmente o gesto extremo?
Ambos estávamos inscritos numa associação suíça que se chama Dignitas. Fomos a Zurique e aderimos sabendo que teria sido um hospital daquela cidade que nos acompanharia na última internação”.

Uma escolha que confirma hoje?
O meu companheiro morreu no seu leito, não tivemos necessidade de dirigir-nos à associação. Mas, eu continuei a pagar a quota: a cada ano gasto 150 euros. O óbulo é a ocasião para refletir. Há momentos em que me imagino como um íncubo a estar na entrada do hospital acompanhando algum outro. Estou contente por não ter precisado acompanhar o meu amigo”.

O senhor é favorável à eutanásia?
Absolutamente sim.

Ter-se-ia comportado como Gosling?
Não conheço o caso específico, mas, certamente, se uma pessoa que sofre me solicitasse fazê-lo, creio que o farei.

O senhor continua a professar-se católico, não obstante estas suas posições?
Certamente.

Não há contradição entre esta sua posição e a doutrina da Igreja?
O fato é que a moral católica esteve toda voltada sobre o tema da defesa da vida biológica. Uma posição instrumental, ligada às batalhas sobre o aborto. Uma posição que contrasta com os próprios ensinamentos da Igreja. A sobrevivência biológica e a vida são duas coisas diversas. Caso contrário, não há diferença entre a masturbação e o genocídio. Mas, também o martírio estaria em contradição com aquela doutrina. Desde crianças nos indicavam como modelos os santos que haviam escolhido o refrão: “a morte, mas não o pecado.

O que mudou desde então? Não é mais verdade? O senhor seria favorável a uma modificação da atual lei italiana?
Obviamente. Caso contrário, também minha inscrição na associação suíça corre o risco de se tornar inútil.

De que modo?
Porque na Itália o homicídio dos conscientes é vedado. E seria tratado como cúmplice de homicídio quem consentisse com minha solicitação e me transferisse a Zurique. Espero que, se fosse necessário, se encontre algum amigo disposto a acompanhar-me pelo menos ao final. Espero, acima de tudo, mas temo que não sucederá, que a lei italiana esteja um dia em condições de distinguir entre a sobrevivência biológica e a vida.

Em caso contrário?
Em caso contrário, as coisas continuarão acontecendo como hoje: quem pode encontra um amigo médico e quem não pode sofre até o fim. Podemos dizê-lo assim: as classes sociais mais elevadas o conseguem e os outros se arranjam.
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A entrevista é de Paolo Griseri e publicada pelo jornal La Repubblica, 18-02-2010. A tradução é de Benno Dischiner.* Filósofo italiano. Professor. Autor de vários livros. Traduzido no Brasil. Discípulo de Luigi Pareyson, graduou-se em Filosofia, na cidade de Turim, em 1959. Especializou-se em Heidelberg, Alemanha, com Karl Löwith e Hans-Georg Gadamer, cujo pensamento introduziu na Itália. Em 1964, tornou-se professor de Estética na Universidade de Turim e, a partir de 1982, de Filosofia Teorética. Ensinou, na condição de professor visitante, em vários universidades dos Estados Unidos.

Nos anos 1950, trabalhou em programas culturais da RAI. É diretor da Rivista di estetica, membro de comissões científicas de vários periódicos italianos e estrangeiros e sócio-correspondente da Academia de Ciência de Turim.
Escreve para o semanário L'Espresso, para o diário La Repubblica e sobretudo para La Stampa, onde produz editoriais com reflexões críticas sobre política e cultura.
Recebeu o título de Doutor Honoris Causa das Universidades de La Plata, Palermo e Madrid. (Origem: Wikipédia)
Fonte: IHU/Unisinos, 19/02/2010

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