Diante de um tema tão complexo como o escolhido para a Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano, podemos nos perguntar: mudar é possível? De que forma? Para nos ajudar a refletir e pensar alternativas para uma economia de vida, como propõe a CFE, conversamos com o economista Marcos Arruda, um dos colaboradores do Texto Base desta Campanha. Marcos acaba de lançar um livro pelo selo Idéias e Letras, da Editora Santuário, no qual propõe como caminho um economia voltada para o amor, inspirada pelo altruísmo, pela compaixão e pelo desejo do bem comum. Ao primeiro olhar pode soar utópico, mas nesta conversa veremos que são pequenos gestos de cada um de nós que tornarão nossa sociedade menos financeira e mais solidária.
Revista de Aparecida: O que é economia? Existem tipos de economia?
Marcos Arruda: O sentido original dessa palavra economia é "gestão da casa". "Oikos" em grego é casa e "nomos" é gestão. A ideia original era todo o trabalho de gerir as casas para que seus habitantes tivessem melhor qualidade de vida. Ao longo da história foram aparecendo outras atividades, como o comércio, as finanças, que foram dando à produção, ao trabalho de produzir bens e serviços, uma direção que já não era de atender às necessidades, mas em primeiro lugar, fazer lucro. E na medida em que o lucro entrou em cena a economia foi sendo distorcida e virou o que ela é hoje: a atividade do fazer dinheiro e acumular riqueza material, é a atividade de consumir cada vez mais sem limite nenhum, nem limite do que se é capaz de consumir, nem respeito ao limite da natureza, da terra, da cidade, nem de nada.
RdA: O tema da CF/2010 é um tanto quanto complicado. Economia e Vida é um tema quem vem em boa hora?
Marcos: Por um lado o mundo está ainda vivendo os efeitos de uma crise, resultado dessa febril busca de lucro que deu tanta ênfase ao lado das finanças e que esqueceu de ligar as finanças à produção das necessidades humanas. Chamamos isso de "financeirização" da economia. E o problema é o seguinte, na medida em que apareceu a crise os governantes, ao invés de irem aos fatores que geraram a crise, que é, sobretudo, a especulação, ficaram na superfície do problema. Assim, a crise vai voltar, mais cedo ou mais tarde e justamente agora a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e o CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs), num movimento ecumênico, decidem fazer a Campanha da Fraternidade em torno do tema economia e vida. É um tema riquíssimo, da maior oportunidade e que nós temos que trabalhar muito para fazer o melhor dessa Campanha, em termos de educação, de levar a consciência à população e acordar todo mundo para a importância, a urgência, de cada um mudar seu estilo de vida, sobretudo, quem tem muito, e quem tem o suficiente e gasta demais, consome demais, produz lixo demais, desperdiça recursos preciosos da natureza. Cabe a cada um de nós fazer essa mudança na nossa vida para colocar a lógica do suficiente no lugar da lógica do esbanjamento, do excesso, da guia, da voracidade e da ganância.
"A ideia de introduzir o amor na economia
vai ser uma revolução para o mundo
por que não se trata
só do amor ao outro".
RdA: De que modo se pode falar disso dentro da Igreja, e para Igreja enquanto povo. Como colocar essa necessidade de mudança na cabeça das pessoas?
Marcos: A gente precisa ganhar consciência de que cada gesto, desde que a gente acorda pela manhã, de abrir a torneira, quanta água a gente está gastando ou deixando de gastar, o consumo da gente, o lixo, se a gente seleciona para a reciclagem, quanto a gente busca economizar nas nossas compras para não comprar o excesso, coisas que fazem mal à saúde, a consicência de ser capaz de gerir a nossa própria saúde tendo uma alimentação sadia, equilibrando a vida sedentária com o exercício físico... tudo isso faz parte dessa economia de solidariedade, de cooperação. No meu livro eu tento chocar as pessoas com um conceito de economia do amor, uma economia que está inspirada pelo altruísmo, pela compaixão, pelo desejo do bem do outro e não só o meu. Isso é uma evolução. A ideia de introduzir o amor na economia vai ser uma revolução para o mundo por que não se trata só do amor na economia vai ser uma revolução para o mundo por que não se trata só do amor ao outro, às pessoas, à sociedade, mas amor à vida, à natureza, e adequar a economia para ser harmônica com a natureza e não agressiva contra a natureza. Isso é possível, já está acontecendo, o movimento de economia solidária tem se expandido pelo mundo. Nós temos hoje milhões de pessoas que estão trabalhando em cooperativas onde não há um dono. Todo mundo que trabalha ter direito de ser dono, todo mundo que comunga do mesmo espírito de partilha e de atendimento à necessidade de cada um e de todos, tem direito à propriedade e à gestão do empreendimento onde trabalha.
"Cabe a cada um de nós fazer
a mudança na nossa vida
para colocar
a lógica do suficiente
no lugar
da lógica do esbanjamento"
RdA: Por que o dinheiro encanta tanto e corrompe tanto? É possível pensar em dinheiro como algo bom? como?
Marcos: O dinheiro tem na sociedade o mesmo papel que o sangur tem no nosso organismo. O dinheiro tem como finalidade levar o poder de compra a todas as células que compõem a sociedade. Então, se o dinheiro fica concentrado na mão de poucos é como se o sangue ficasse concentrado em algum órgão, e parasse de circular. E a nossa sociedade, que é um grande organismo, tem essa doença gravíssimo, um sistema financeiro no qual o dinheiro fica concentrado na mão de poucos e o sistema circulatório não funciona direito, então uma grande parte das células dessa sociedade está mal nutrida do poder de compra para ter uma vida decente e os que têm criam um sistema de propaganda para convencer todo mundo, através de novelas, de histórias, de televisão, tentando convencer que, se você trabalhar muito também pode ter tudo aquilo, o que é mentira, porque nunca poderemos produzir para todo mundo aquilo que os ricos consomem porque não há suficientes recursos na terra para tanto consumo e nem lugar para jogar tanto lixo. Por isso a necessidade que existe é que os países mais desenvolvidos reduzam sua produção e seu consumo, descrescer. Não há outro caminho. Para se ter uma ideia, os 20% mais ricos do mundo consomem 86% daquilo que é consumido no mundo. E para os países menos desenvolvidos é importante que o que for preciso para seu desenvolvimento seja dentro dos limites da natureza e das gerações futuras.
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Fonte: Revista de Aparecida, nº95 - fevereiro 2010, pg. 6 e 7
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