quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A crise da razão política e a maldição de Brasília

 Mauro Santayana*

Todos os pensadores políticos, de Aristóteles a Hans Kelsen, passando por Maquiavel e os filósofos moralistas ingleses e franceses, advertem contra o mau exemplo dos grandes. Uma sociedade apodrece quando seus líderes perdem a virtude do mando. Perón usou – em meio à conspiração que o derrubaria – uma boa frase, quando descobriu que seu cunhado, depois da morte de Evita, estava praticando falcatruas: “Los gobiernos, como el pescado, empiezan a pudrirse por la cabeza”.

Aristóteles, em Ética a nicômaco, assegura que o comportamento ético se adquire com o hábito de agir corretamente. O habito da virtude fortalece e aumenta a virtude, qualquer virtude, e ele dá o exemplo da coragem: é com o hábito de enfrentar o perigo que nos tornamos corajosos; e é quando nos tornamos corajosos que nos encontramos no máximo grau de enfrentar qualquer perigo. A mesma ideia serve para o processo septicêmico das sociedades políticas. É quando nos sentimos covardes que tememos até mesmo os ratos: e é a ousadia dos grandes corruptos que torna as sociedades lenientes com a corrupção.

“Há muito tempo se diz que a boa-fé é a alma de um grande governo”, assim Montesquieu inicia uma de suas Cartas persas, que serviram de modelo às Cartas chilenas, de Tomás Antonio Gonzaga. Ele se refere, em seguida, a uma hipotética nação das Índias, naturalmente generosa, “pervertida em um instante, do menor de seus indivíduos ao maior deles, pelo mau exemplo de um ministro”. Montesquieu vai adiante: “Vi nascer, de repente, uma sede insaciável de riquezas. Vi formar-se, em um momento, detestável conjuração em busca do enriquecimento, não por um trabalho honesto e uma indústria generosa mas, sim, pela ruína do Estado e de seus concidadãos”.

O que define a ética de um homem de Estado é sua ação na defesa da sociedade que lidera, na busca da igualdade e da justiça. Mas, mesmo se for senhor das mais excelsas virtudes pessoais, ele terá que obedecer a uma vontade maior e acima de seus próprios valores: a lei.

Os legisladores estão fugindo dos princípios e valores aos quais se atavam. Esse é o caso, por exemplo, da situação de Brasília. Durante o governo militar, a cidade foi feudo de contubérnios entre os ditadores de turno, empreiteiros, jornalistas acomodados e servidores públicos de alto nível. O sistema de mordomias tornava a cidade a Ilha da Fantasia. Os grandes jantares, oferecidos pelos ministros, eram de invejar armadores gregos, com faisões, caviar Beluga, vinhos importados. Não havia limites para a ostentação. Um dos ministros, morando em residência do governo, mandou fazer uma piscina em forma de J, porque se chamava Jost.

Assim como o hábito da virtude consolida a virtude, o vício infla o vício, e Brasília se tornou cidade assolada pela corrupção. As “mordomias” deixaram de existir com a redemocratização de 1985, por prévia determinação de Tancredo. Só o presidente e o vice-presidente têm hoje sua despensa abastecida pelos contribuintes. Mesmo assim, durante seu curto governo, Itamar foi cuidadoso com esse direito. Quando seus auxiliares almoçavam com o presidente, as despesas eram quase sempre divididas. Seu governo só ofereceu jantares protocolares aos chefes de Estado estrangeiros, nas visitas e reuniões oficiais, como as do Mercosul.

O fato é que a Constituição de 1988, com a autonomia, facilitou o incremento da corrupção em Brasília. Durante os últimos 20 anos – e devemos excetuar o governo de Cristovam Buarque – a infecção aumentou, até chegar à calamidade atual. Só a intervenção, como primeiro passo, e o retorno da situação política de Brasília à Lei 3.751, de 13 de abril de 1960, que definiu os estatutos da nova capital, poderão recuperar a cidade e, assim, ajudar no saneamento ético da política brasileira. A lei, cujo cumprimento foi, em parte, interrompido pelo governo militar, determinava a nomeação de um prefeito pelo governo federal e a eleição de uma câmara municipal com 20 vereadores. Hoje, todos agem como se Brasília fosse um estado de plenos direitos federativos. Cresce o consenso nos meios políticos e jurídicos de Brasília que a intervenção é medida que se impõe na urgência, até que se revogue a amaldiçoada autonomia.
_______________________
*Jornalista. Cronista JB.
Fonte: Jornal do Brasil online, 25/02/2010

Um comentário:

  1. Não há, nem haverá um só governo no mundo inteiro voltado para o bem-estar social. Assim será enquanto a humanidade deixar seu destino a cargo de falsos líderes. Inexiste no mundo alguém com o desprendimento que caracteriza o verdadeiro líder, aquele para o qual seus liderados estão em primeiro lugar entre suas preocupações. Daí dizer-se que o estadista (como se pode definir um líder, preocupa-se com as próximas gerações, enquanto que os políticos (ou as "autoridades" atuais)têm por preocupação maior as próximas eleições.

    ResponderExcluir