Jorge Werthein*
Os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, recentemente divulgados, acendem o sinal amarelo para essa etapa da formação escolar no Brasil. Quase metade dos 2,6 milhões de estudantes que fizeram a prova em 2009 obteve notas inferiores aos 500 pontos estabelecidos como média pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo exame. O pior desempenho foi em Matemática (57,7% dos participantes ficaram abaixo da média), seguido de Ciências Humanas, ou seja, História e Geografia (49,8% não alcançaram os 500 pontos), Ciências da Natureza, que incluem Química, Física e Biologia (48,7% também ficaram aquém da média) e Linguagens, as quais avaliam leitura e língua portuguesa (com 47% sem atingir essa mesma faixa de corte).
A verdade é que, nas quatro áreas avaliadas, os estudantes tiveram desempenho medíocre. Como poderão obter êxito na etapa seguinte, isto é, no nível superior? Mais preocupante ainda: como enfrentarão, depois, o mercado de trabalho, cada vez mais competitivo? Chega a ser um enigma como enfrentam, hoje, os diversos desafios da sociedade contemporânea. Os resultados do Enem refletem uma carência que tem origem ainda no ensino fundamental: não temos uma educação compatível com as demandas do mundo contemporâneo.
O Brasil demonstra avanços nesse sentido. A própria realização periódica de exames como o Enem e o Enade, entre outros, permite ao Estado e à sociedade obter um diagnóstico da situação do ensino e do aprendizado no País e, com isso, continuar enfrentando as deficiências mais flagrantes. Os estímulos, de diversos tipos, em diversos níveis, a uma formação continuada também revelam a disposição do governo de elevar o padrão educacional brasileiro. O mesmo vale dizer de algumas administrações estaduais e municipais, que procuram investir em educação com o mesmo entusiasmo com que constroem pontes e inauguram praças.
Acontece que alcançar a excelência em educação é trabalho para décadas. Por isso mesmo, agir no presente, com eficiência e agilidade, torna-se tão importante. O que os resultados do Enem 2009 apontam não configura surpresa. Apenas confirmam suspeitas e mesmo diagnósticos anteriores, nacionais e internacionais, ainda que de menor envergadura. As alavancagens dos últimos anos fizeram muito pela educação no Brasil, mas ainda não a colocaram num patamar comparável com o de nações mais desenvolvidas. Falta muito para o muito bom, o excelente, o ótimo.
Mas como chegar lá? Alguns estudos e pesquisas oferecem sugestões bastante razoáveis. Nos EUA acaba de sair um livro intitulado Organizing Schools for Improvement: Lessons from Chicago (algo como Preparando Escolas para o Aperfeiçoamento: Lições de Chicago, em tradução livre). Lançamento da Universidade de Chicago, a obra aponta cinco ingredientes principais para o êxito da educação em escolas urbanas: liderança forte (diretores com estratégia, focados no ensino e abertos à participação de outros membros da comunidade escolar); relações abertas com os pais e a comunidade em geral; capacitação de professores, que precisam acreditar na mudança e nela envolver-se; ambiente seguro, acolhedor e estimulante para o aprendizado; e orientações e materiais didáticos de qualidade.
Os pesquisadores de Chicago observaram que cada um desses ingredientes pode ter sua importância individualmente, mas a combinação deles garante êxito maior. Entre as escolas pesquisadas, as que se saíam bem nas cinco áreas essenciais obtinham resultados dez vezes melhores em leitura e Matemática, por exemplo, do que escolas bem-sucedidas em apenas uma ou duas das áreas. Os estudiosos descobriram também que as escolas em pior situação estavam em bairros onde havia mais famílias habitando moradias públicas e a taxa de criminalidade era mais elevada. Na palavra dos pesquisadores, nesses lugares faltavam "capital social" e "eficiência coletiva", e a melhora da educação ali era improvável. Sabemos, aqui, no Brasil, e na América Latina em geral, que esse é um dos maiores desafios que enfrenta a educação. A violência nas escolas e na comunidade que as cerca pode levar os estudantes a prejuízos como dificuldade de concentração, absenteísmo, repetência, etc. "Quando a densidade dos problemas que entram pela porta da frente é tão palpável diariamente, ela acaba por consumir todo o tempo e energia e prejudica os esforços para melhorar o ensino e a aprendizagem", afirma Anthony Bryk, organizador da obra.
Outra pesquisa recente, também norte-americana, realizada entre professores em sala de aula, mostra que o melhor indicador de eficiência na aprendizagem está no envolvimento dos estudantes com o curso. Essa, ao menos, é a opinião de 92% dos professores de escolas públicas ouvidos no estudo Convergence and Contradictions in Teacher"s Perceptions of Policy Reform Ideas (algo como Convergência e Contradições nas Percepções dos Professores sobre Ideias de Política de Reforma Educacional). Eles enfatizam que o envolvimento dos estudantes na sala de aula é que faz a diferença no processo de ensino e aprendizagem. Sem dúvida, para esses educadores, precisamos de estratégias educacionais que realmente motivem os estudantes.
Novidade? Não! Estas últimas evidências demonstram uma vez mais o que já sabemos, mas não conseguimos implementar com a velocidade e a continuidade necessárias.
Enfim, sugestões, propostas, ideias não faltam aqui e alhures. O debate segue aberto. Resultados como os do mais recente Enem só comprovam a necessidade e a relevância de se incorporarem insumos e inovações que permitam ao Brasil avançar para além do padrão médio - ou abaixo do médio - e finalmente alcançar o nível de excelência compatível com seu status de potência emergente.
____________________________________
*Jorge Werthein, doutor em Educação pela Stanford University, vice-presidente da Sangari Brasil, foi representante da Unesco no Brasil Fonte: Estadão online, 20/02/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário